Apoio familiar e empresarial são fundamentais para retorno de pacientes psiquiátricos ao convívio social

Especialistas afirmam que o Brasil é qualificado no tratamento dos transtornos mentais, mas a rede de acompanhamento pós-internação precisa ser aprimorada

 05/08/2024 - Publicado há 7 meses
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O maior desafio em que os ex-pacientes esbarram é a questão do estigma por parte não do empregador e dos colegas de trabalho – Foto: jemastock on Freepik
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O adoecimento mental acomete milhões de pessoas todos os anos e, em determinados casos, é necessário que o paciente passe por um período de reabilitação em clínicas psiquiátricas. Após o tempo de internação, o retorno ao convívio social costuma ser custoso e marcado por novos desafios e problemas de readaptação. O psiquiatra Renato Del Sant, diretor do Hospital Dia de Adultos (HDA) do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, analisa as particularidades das doenças mentais e os desafios enfrentados por aqueles que sofrem com essa condição.

Segundo o especialista, a doença mental tem uma especificidade diferente das doenças somáticas, como as cardíacas, neurológicas e ginecológicas. Enquanto um doente com esse tipo de condição sofre com uma disfunção, mas pode continuar trabalhando e se relacionando socialmente, os sintomas da doença mental penetram na vida pessoal do indivíduo e comprometem suas relações sociais, acadêmicas, profissionais e sexuais.

Reabilitação

Renato Del Sant – Foto: Reprodução/Youtube

Conforme Del Sant, essa característica particular explica a importância que a reabilitação possui na vida desses pacientes, uma vez que a doença mental compromete a realização da vida. Ele conta que as enfermidades psíquicas também são dotadas de traços empobrecedores, pois, ao precisarem passar pela internação, os pacientes, por muitas vezes, não conseguem manter seus empregos e deixam de possuir renda.

“Devido a isso, a doença mental é um tipo de doença empobrecedora. Muitos pacientes com câncer, com problemas de coração ou precisando de um transplante continuam trabalhando e ganhando seu próprio dinheiro. A doença mental empobrece, há uma perda de repertório de vida e com isso ele fica estigmatizado, a população o vê como uma pessoa que está fora da sociedade”, observa.

Acompanhamento

Para o especialista, o subsídio econômico aos pacientes que retornam ao convívio social, oferecido pelo governo federal através do auxílio psicossocial, é extremamente importante, mas são necessárias melhorias na rede de acompanhamento. Ele explica que o tratamento agudo da doença no País ofertado dentro das enfermarias e ambulatórios é de primeiro mundo, mas perde-se muita qualidade no momento em que o indivíduo deixa o hospital para ser acolhido pelas redes de acompanhamento.

De acordo com o psiquiatra, a rede pública de acompanhamento brasileira possui um instrumento chamado de Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que precisa ser constantemente aprimorado e movido pelo lado técnico-científico para que possa auxiliar os ex-pacientes no processo de convívio social. Del Sant esclarece também que uma rede de acompanhamento de qualidade ajuda o governo a economizar, pois a reabilitação é mais barata e ajuda a evitar novas internações.

“É importante dizer também que, por mais complexo que seja um aparelho de saúde mental para o paciente, no qual há psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais e enfermeiros, toda a equipe multidisciplinar, ainda assim não dá conta de tratar o paciente completamente. Devido a isso, o indivíduo precisa também da ajuda do pessoal leigo que está fora das clínicas, principalmente da família e do empresariado”, explica.

Mercado de trabalho

Ana Laura Alves – Foto: LinkedIn

Segundo Ana Laura Alcântara Alves, diretora de Terapia Ocupacional do Hospital Dia de Adultos, muitas vezes as pessoas com doença mental se recuperam e estão preparadas para voltar ao mercado de trabalho, mas esbarram nas dificuldades encontradas nesse retorno. Ela conta que, recentemente, as pessoas com algum tipo de deficiência estão cada vez mais conquistando seus direitos, mas quando se trata de pessoas com deficiência psicossocial, ainda falta o suporte de muitas políticas públicas.

“Muitas vezes nós tratamos o paciente e ele remite os sintomas, adere aos medicamentos, ou seja, está pronto para voltar a trabalhar, mas a partir daí não há vagas para eles. Até temos encontros com ONGs que oferecem vagas para pessoas com deficiência psicossocial, nós montamos currículo, treinamos eles para as entrevistas e dinâmicas, mas algumas vezes eles passam pelo processo seletivo e ficam em uma fila de espera que demora anos”, explica.

Estigma

Para a terapeuta, o maior desafio no qual os ex-pacientes esbarram é a questão do estigma, que parte não apenas do empregador, mas também dos próprios colegas de trabalho quando sabem que um determinado indivíduo possui a deficiência. Além disso, ela explica que frequentemente os ex-pacientes precisam de um período maior de adaptação às tarefas laborais por causa de toda mudança repentina de rotina e isso, por muitas vezes, também é visto sob olhares de desconfiança por muitos profissionais nas empresas.

“Todos nós temos dificuldade quando estamos prestes a iniciar um novo trabalho, é algo assustador, ficamos ansiosos e confusos. Mas para esses pacientes é tudo ainda mais assustador e eles ficam mais ansiosos ainda. Então é preciso ter um preparo maior não só desse sujeito, mas também de sua família, dos profissionais de saúde que o acompanham, mas, principalmente, do pessoal que vai recebê-lo dentro da empresa”, analisa.

Segundo Renato Del Sant, uma possível causa dessa estigmatização é a atenção dada a casos extremamente isolados de pessoas com deficiências psicossociais que acabam cometendo crimes. Ele explica que, apesar de essas ocorrências serem uma parcela dentro do número total de pacientes psiquiátricos, ainda geram medo e desconfiança na população em geral.

“Nos últimos 20 anos, a mídia teve um excelente papel no sentido de desmistificar uma série de doenças mentais, mas quando uma pessoa com transtorno psiquiátrico comete uma atrocidade sai em todos os jornais, apesar de esse tipo de paciente ser uma raridade. A maioria dos casos, no qual o paciente se recupera e volta a trabalhar, a se relacionar, a ter filhos, acaba não sendo noticiado porque não dá audiência. A partir disso, esse preconceito das pessoas que não conhecem de fato os pacientes vai sendo disseminado”, explica o psiquiatra.

Os especialistas ressaltam que as clínicas psiquiátricas são muito diferentes das retratadas nas obras cinematográficas e, na realidade, são uma ótima oportunidade para grupos de trabalho voluntário, que se sentem realizados ao auxiliarem os pacientes. Além disso, eles explicam que o Hospital Dia de Adultos realiza muitas visitas em grupo a instituições de cultura e entretenimento e, na maior parte das vezes, os funcionários desses locais surpreendem-se positivamente com o bom comportamento dos pacientes.

*Estagiário sob supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira


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