Nos últimos dias, voltou ao debate público a discussão a respeito de uma possível realização de reforma administrativa no País. Arthur Lira (PP), atual presidente da Câmara dos Deputados, afirmou que esse seria um dos próximos grandes temas a serem abordados pelo Parlamento nacional.
As mudanças defendidas pelo deputado apresentam como base uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada durante o governo de Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atual presidente da República, apresentava uma opinião contrária ao texto antes mesmo de ser eleito — posicionamento que segue sendo defendido pela atual gestão governamental. José Luiz Portella, doutor em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, esclarece que uma reforma é necessária, mas que a mudança do atual texto é essencial, já que ele foi feito tendo bases antigas como parâmetro.
Assim, o professor explica que a reforma defendida por algumas partes é, de certa forma, inócua ao que as pessoas desejam neste momento, já que terá repercussão na questão do gasto público apenas daqui a cerca de 25 anos. “Nós precisamos ter um gasto com retorno para a sociedade e no desempenho do servidor público”, comenta. Sendo assim, é necessário melhorar a formação e a atuação, diminuir a desigualdade e fazer a regulação da economia.
Portella explica, portanto, que a reforma deve ter como foco a organização do Estado — sendo necessário definir parâmetros sobre o que cabe exclusivamente a ele e o que cabe a ele em parceria com a iniciativa privada, já que, atualmente, isso é trabalhado sem um devido planejamento estatal com a determinação de seu papel como um todo, ou seja, das esferas federais, estaduais e municipais.
O especialista reflete ainda que é necessário que os problemas nacionais sejam analisados a partir de uma visão crítica. Cerca de 70% dos servidores públicos brasileiros ganham até R$ 5 mil — e essa não é a visão da população, uma vez que as pessoas costumam achar que todos agentes públicos ganham muito bem. “O que nós precisamos fazer é exatamente atuar com foco em quem ganha acima de R$ 20/25 mil e no pessoal que dribla o teto que se tem para salário com penduricalhos. Isso é uma briga dura, porque pega o Ministério Público, o Judiciário, o Executivo, o Legislativo etc.”, explica o especialista.
Exemplo disso pode ser observado por meio de servidores que ganham salários altíssimos e recebem alguns privilégios, como a presença de auxílio-livro e auxílio-moradia. Assim, o grande problema da questão não se concentra na quantidade de servidores públicos, sendo possível observar que existem outros países que apresentam um número mais elevado. O que o Brasil tem, na realidade, é um exagero de supersalários. “A reforma administrativa precisa reorganizar as barreiras e introduzir as novas mídias e tecnologias no conhecimento dos funcionários, uma das coisas, por exemplo, é lidar com a inteligência artificial”, indica Portella.
Por fim, nota-se ainda que existem setores do Estado que estão sem funcionários, como pode ser observado pela formação de filas extensas no INSS. “Tem lugares em que o Estado está totalmente deficitário e essa ideologia de Estado mínimo que é aplicada de uma maneira linear, sem pensar em cada caso, tornou isso desastroso”, acrescenta. O professor comenta ainda que os baixos salários direcionados à grande maioria dos funcionários fazem com que os jovens que estão se formando não tenham o desejo de ir para o serviço público.
“Nós temos que acabar com esse discurso genérico e mal informado que criminaliza o funcionalismo público, sendo necessário focar no problema que é o funcionalismo que ganha demais ou que tem privilégios. Essa reforma que está em debate é só para fachada, não é uma reforma para valer, nós temos que começar a fugir dessas mentira que atacam a política pública no Brasil”, finaliza Portella.
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