A tamboralidade negra da cantora Clara Nunes é percebida na miscigenação poética do imaginário de Chico Buarque, que foi marcado pela Morena de Angola. Essa tamboralidade africana, que é percebida no canto da Clara Nunes, com elementos musicais que se entrelaçam ritmicamente passeando em diferentes plagas musicais, que vai da Bahia com uma apropriação do samba de roda. Esse fenômeno musical alcança também o Rio de Janeiro com a sonoridade característica da bateria de escola de samba. Para minha compreensão da sua interpretação, vejo a diversidade rítmica, guiada pelo arranjo de baixo é o fio condutor, fazendo, de forma original, contraponto com a voz da Clara Nunes. Seu canto tem também como nuance o dimensionamento léxico, do sofisticado discernimento crítico da irreverente contestação da música popular brasileira. Esse fenômeno é simbolizado na dialética alegre da miscigenação de Chico Buarque. Razão pela qual a Clara Nunes chama atenção para a luta angolana, usando da corporalidade dançante com alegria, revolucionaria bakhtiniana, da Revolução de Descolonizadora de Angola.
O arranjo demonstra a africanidade de Caymmi, como se vê na versão, interpretada pela Gal Costa, em que tem um tratamento com notável acuidade com cultura negra diaspórica. O arranjo indica a possibilidade comum na cultura musical da diáspora negra, que é percebida no apoia, feito com o ritmo do bolero que traz a dimensão afro-latina-caribenha. Esse fenômeno negro é fortalecido, ‘ao meu quase cego ver’, com a nordestinidade do timbre da sanfona. Com essa musicalidade negra Caymmi tensiona ainda mais sua apologia, reverenciando a eminencia religiosa da Menininha do Cantois, a mais importante sacerdotisa de religião de matriz africana de todos os tempos. Isso mostra a genialidade telúrica autoral de Dorival Caymmi, que cria demonstrando com originalidade a força da doçura solidaria do matriarcado africano, que é estranho aos nomos do patriarcalismo eurocaucasiano.
Quilombo Academia
O Quilombo Academia é transmitido as quintas-feiras, às 13 horas, com reapresentação aos domingos, às 19 horas e 30 minutos, na Rádio USP São Paulo e Ribeirão Preto, e também por streaming. As edições do programa estão disponibilizadas nos podcasts do Jornal da USP (jornal.usp.br) e nos agregadores de áudio como Spotify, iTunes e Deezer.
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