Seminário traz debates sobre o Brasil segundo Manuel Correia de Andrade

Geógrafo pernambucano é tema de evento que será promovido de 26 a 29 de setembro pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP

 22/09/2023 - Publicado há 10 meses

Texto: Rebeca Fonseca*
Arte: Carolina Borin**

Capa do livro A Terra e o Homem no Nordeste, primeiro livro de Manuel Correia de Andrade, publicado pela Editora Brasiliense em 1963 - Foto: Reprodução/Editora Brasiliense

Capa do livro "A terra e o homem no Nordeste" - Foto: Reprodução/Editora Brasiliense

No prefácio de A Terra e o Homem no Nordeste, publicado por Manuel Correia de Andrade em 1963, o historiador Caio Prado Júnior descreve a obra como sendo pioneira em mapear aquela região do País a partir de um ponto de vista físico e humano focado nas relações de trabalho. O livro inovador foi o primeiro publicado pelo geógrafo pernambucano, a quem o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP dedica o seminário O Brasil de Manuel Correia de Andrade, que será realizado de 26 a 29 de setembro, no IEB e na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “Os quatro dias de atividades são quase uma celebração da obra, da contribuição e da possibilidade de refazer os diálogos de Manuel Correia de Andrade com seus parceiros de jornada”, afirma o professor do IEB Alexandre de Freitas Barbosa, organizador do seminário (confira abaixo a programação completa do evento).

Com entrada grátis, o seminário tem também o objetivo de divulgar o acervo de Manuel Correia de Andrade, que se encontra no IEB. O acervo é composto de livros, revistas, cartas e outros documentos, que deverão estar catalogados até 2024. Em duas ocasiões durante o seminário – nos dias 28 e 29, às 9 horas – haverá visita ao acervo. O evento será transmitido ao vivo pelo canal do IEB na plataforma Youtube.

O seminário terá início no dia 26, às 14 horas, com uma discussão sobre O Itinerário Intelectual de Manuel Correia de Andrade. Na ocasião, a geógrafa Thais Correia de Andrade, filha de Manuel Correia de Andrade e doutora em Geografia pela USP, vai falar sobre a trajetória do pai. Em seguida, às 17 horas, na primeira mesa, serão discutidos o histórico, a conservação e as perspectivas do acervo de Manuel no IEB.

No segundo dia do seminário, dia 27, às 9 horas, a obra de Manuel Correia de Andrade será relacionada com o geógrafo Pierre Monbeig, que fez parte da Missão Francesa, como são chamados os professores que lecionaram os primeiros cursos na então chamada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) – hoje Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP -, ainda nos anos 1930. Segundo a pesquisadora Larissa Lira, uma das organizadoras do seminário, o professor francês ajudou a instalar uma estrutura institucional e a fundar uma tradição de geografia própria do Brasil.

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O professor Alexandre de Freitas Barbosa - Foto: Arquivo Pessoal

Andrade incorporou os ensinamentos do professor francês e fez sua própria geografia do Nordeste com influência das reflexões de Monbeig, explica Larissa. “Manuel Correia de Andrade é um geógrafo que trabalha com a geografia regional e a geografia francesa de transição para dar um olhar mais crítico à estrutura de propriedade no Brasil e às formas de trabalho”, detalha.

O livro de estreia do geógrafo, A Terra e o Homem no Nordeste, é um trabalho de transição entre geografia regional e geografia crítica, de acordo com Larissa. Assim como Monbeig entende as regiões brasileiras, Andrade define o Nordeste como uma região econômica e não só geográfica. “Ele procura entender o que é a região e faz a transição entre a tradição regional e o desenvolvimento brasileiro”, afirma Larissa.

De acordo com a pesquisadora, Monbeig e Andrade se filiam à geografia, mas têm uma abordagem interdisciplinar que engloba diferentes ramos geográficos, a economia e a história. “Grandes intelectuais não estão fechados em uma única disciplina. Eles fazem uma interpretação mais ampla das ciências.”

A pesquisadora Larissa Lira - Foto: Arquivo Pessoal

Ainda no dia 27, às 14 horas, a obra de Manuel Correia de Andrade será aproximada com o pensamento de Caio Prado Júnior, historiador que influenciou a abordagem crítica sobre as formas de trabalho no primeiro livro do geógrafo. Depois, às 19 horas, haverá debates sobre Josué de Castro e Manuel: A Geografia da Fome no Brasil.

Os coordenadores técnicos do Projeto Manuel Correia de Andrade, Leandro Melo e Caetana Britto - Foto: Marcos Santos/Jornal da USP

Livros do acervo Manuel Correia de Andrade disponíveis para consulta - Foto: Marcos Santos/Jornal da USP

No dia 28, às 14 horas, o seminário será retomado com debates sobre Milton Santos e Manuel: A Construção da Geografia Brasileira, outra mesa de discussões. Andrade e o geógrafo Milton Santos possuem trajetórias semelhantes, já que são formados em Direito e muito cedo se aproximaram da geografia. “Ambos têm formação na França, mas se desvencilham da geografia clássica de matriz francesa que os formou e passam pelo tema do planejamento regional”, afirma o pesquisador Fábio Contel, também organizador do seminário, que fará parte da mesa.

Outra participante do debate, a professora Júlia Cossermelli de Andrade, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), destaca que os dois geógrafos deixaram como legado “um compromisso visceral e inegociável com a construção de um pensamento crítico que combata a pobreza e a desigualdade”.

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Às 18 horas, a mesa Celso Furtado e Manuel: a Economia e o Território encerra a programação do dia. Clóvis Cavalcante, da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), de Recife, e Tânia Bacelar, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que conviveram com Manuel Correia de Andrade, estarão ao lado de Luciléia Colombo, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), para o debate. Segundo o professor Alexandre Barbosa, mediador da conversa, a discussão passará pela forma como Furtado e Andrade viam a economia e o território a partir do contexto contemporâneo.

No último dia de evento, dia 29, às 14 horas, uma discussão sobre a atualidade de Manuel Correia de Andrade finaliza a programação. “A preocupação dele em olhar, do ponto de vista das relações de trabalho e da distribuição de renda, como o agronegócio se relaciona com outros setores produtivos é muito atual”, afirma Barbosa. “A universidade hoje é ou deveria ser fundada a partir do debate entre Manuel e os intérpretes do Brasil.”

Milton Santos e Manuel Correia de Andrade - Foto: Acervo IEB-USP

Manuel Correia de Andrade nasceu em 1922 e ingressou na Faculdade de Direito do Recife em 1941, numa época em que não existiam cursos de Ciências Sociais na cidade. Quando a atual Universidade Católica de Pernambuco foi criada, em 1943, Manuel pôde cursar Licenciatura em Geografia e História, que concluiu em 1945, mesmo ano em que se formou em Direito. Nesse momento, começou a escrever para jornais e revistas universitárias.

O professor Alexandre Barbosa explica que o geógrafo teve atuação muito forte como intelectual e também como militante político. Em 1964, após o golpe civil-militar, foi preso por sua participação no Partido Comunista do Brasil (PCB) e por ter sido diretor do Grupo Executivo de Produção de Alimentos (Gepa), que auxiliava pequenos produtores com crédito agrícola.

Após ser solto, Andrade aceitou o convite do geógrafo Pierre Monbeig, da Sorbonne, para ir à França, onde teve contato com os professores François Perroux, Jacques Boudeville e Pierre George. Ao retornar ao Brasil, em 1966, passou a atuar na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).

Segundo Barbosa, Andrade tinha a peculiaridade de aliar seu trabalho de pesquisa e seus conhecimentos técnicos a um esforço de difusão do conhecimento. Escreveu mais de 100 livros com um “fantástico poder de síntese em diferentes assuntos”. A formação econômica do Nordeste, políticas agrárias, desigualdades regionais, problemas ambientais e a rede urbana brasileira são alguns dos temas recorrentes em suas obras.

Ele foi um intelectual irrequieto, muito competente nas análises da geografia, mas vai para além dela. Sua capacidade de circulação é muito grande”, descreve Barbosa. Por isso, diz, o objetivo do seminário é revelar a figura de Manuel Correia de Andrade como a de um pesquisador que não se restringe ao campo da geografia nem ao Estado de Pernambuco. “Queremos estilhaçar o lugar restrito em que ele é colocado, o Brasil é dele”, defende o professor.

O seminário O Brasil de Manuel Correia de Andrade acontece de 26 a 29 de setembro com atividades no Auditório Milton Santos da FFLCH (Prédio da Geografia e História – Av Prof. Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, em São Paulo) e no IEB (Espaço Brasiliana – Av Prof. Luciano Gualberto, 78, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada gratuita. Haverá transmissão ao vivo das mesas-redondas no canal do IEB no Youtube. Mais informações no site do evento.

Programa do seminário "O Brasil de Manuel Correia de Andrade" - Foto: Divulgação/IEB

Acerco inclui cerca de 80 mil livros

Com cerca de 80 mil livros, o acervo de Manuel Correia de Andrade chegou ao Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP em 2016, mas o Projeto Manuel Correia de Andrade – que visa à catalogação, preservação e divulgação dos documentos – foi aprovado apenas em 2021. A iniciativa conta com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Ministério da Cultura e da Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (Fusp). O projeto é coordenado pelo professor Alexandre de Freitas Barbosa, do IEB. 

“Todo o material estava distribuído em três apartamentos no Recife, uma cidade com alta umidade e calor. Então, quando o IEB foi buscar o acervo, ele estava contaminado por fungos e insetos”, diz Caetana Britto, coordenadora técnica do projeto, diante de caixas com livros e documentos que aguardam higienização.

Caixas do acervo que já passaram pelo processamento de radiação ionizante - Foto: Marcos Santos/Jornal da USP

A primeira etapa da limpeza do acervo acontece no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), instalado na Cidade Universitária, em São Paulo, onde todos os documentos passam pelo processamento de radiação ionizante. Segundo Caetana, é uma forma de matar toda forma de vida existente para então iniciar o processo de higienização folha a folha.

Andando pelos corredores labirínticos do IEB, Caetana chega à sala de procedimentos técnicos, para onde os livros e documentos são levados a fim de serem higienizados. Após a limpeza, os livros aguardam a catalogação em uma estante e os documentos são enviados ao arquivo. “Quando o livro está em uma situação de muita fragilidade, ele é envolvido em uma embalagem de contenção para impedir o avanço do processo de degradação e a contaminação de outros livros”, explica Caetana sobre os diferentes cuidados.

“Manuel Andrade comprava muito em sebos e ele recebia muita coisa, então essa diversidade de materiais e de cada encadernação traz grande complexidade para a conservação”, relata Caetana. Entre os documentos há desde planos de aula, registros de trabalhos de campo, fotografias de paisagens e troca de correspondências com intelectuais como Caio Prado Júnior, Milton Santos e João Guimarães Rosa até notas fiscais de compras.

A equipe do projeto é composta de estagiários e técnicos, que dão conta do enorme fluxo de trabalho desde a pré-higienização até o armazenamento na biblioteca, onde ficam os livros higienizados, catalogados, tombados e disponíveis para consulta. Caetana estima que até agora apenas 16% do acervo passou pelo processo completo. 

*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro 

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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