“Pequenas Áfricas” investiga as origens e transformações do samba urbano no RJ

Em cartaz no IMS Paulista, a mostra aborda as redes de sociabilidade, trabalho e espiritualidade em torno do samba na capital carioca, do começo do século 20 até hoje

 30/10/2023 - Publicado há 9 meses
Duque (o primeiro da esquerda para a direita), Donga (o segundo), Pixinguinha (o quarto) e duas pessoas não identificadas, no porto do Rio de Janeiro, possivelmente no embarque dos Oito Batutas para Paris, em 29 de janeiro de 1922 – Foto: Coleção Pixinguinha/ Acervo IMS

Tida como “capital cultural do Brasil” em meados do século 20, a cidade do Rio de Janeiro reunia pessoas brancas e pretas em um círculo social comum: os endereços do samba. Apesar disso, uma pesquisa realizada na USP encontrou nas entrevistas de sambistas negros a constatação de que o samba carioca nasceu na Casa da Tia Ciata – que abria o quintal de sua casa para receber figuras como João da Baiana, Pixinguinha, Clementina de Jesus e Donga. É deste Rio de Janeiro negro que trata a exposição Pequenas Áfricas: o Rio que o samba inventou, exposição inaugurada pelo Instituto Moreira Salles (IMS) no último sábado, 28.

Em cartaz até abril de 2024, a exposição celebra o samba como uma cultura em constante movimento, fruto de laços artísticos e comunitários, além de disputas e negociações. “Esta exposição parte da música para percorrer a intrincada rede de encontros, trocas e conflitos que ali se formou na primeira metade do século 20. Consciência política, religiosidade e solidariedade são inseparáveis da sofisticada produção artística que se espraia no espaço – ganhando uma cidade, o país e o mundo – e no tempo, ainda hoje pulsante em seu espírito dissidente de um país racista e desigual”, pontuam os curadores.

Reconstituindo a cena cultural carioca da época, a mostra aborda a criação do samba urbano pelas comunidades afrodescendentes, além de suas reverberações no presente: das escolas de samba aos terreiros e quintais. A curadoria da exposição é dos historiadores e professores Angélica Ferrarez, Luiz Antonio Simas, Vinícius Natal e Ynaê Lopes dos Santos, doutora pela USP com pesquisa sobre as semelhanças entre escravidão e o espaço urbano no Rio de Janeiro e em Havana. A expografia é assinada pela arquiteta Gabriela de Matos, mestranda do Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos da USP e uma das vencedoras do prêmio Leão de Ouro de melhor Participação Nacional na 18ª Bienal de Veneza de Arquitetura.

Pequena África

Dividida em dois andares, a exposição reúne aproximadamente 380 itens, entre documentos, gravações musicais, fotografias, matérias de jornais, filmes e obras de arte, provenientes do acervo do IMS e de outras instituições. A mostra faz alusão ao termo “Pequena África”, cunhado pelo artista Heitor dos Prazeres para se referir à região da Zona Portuária do Rio.

O primeiro andar da mostra adota um viés histórico, apresentando a região onde o samba urbano se originou e suas mudanças ao longo do tempo. O percurso se inicia no Cais do Valongo, o maior porto escravista da história, que recebeu cerca de 1 milhão de africanos escravizados, vindos forçados para o Rio de Janeiro.

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A mostra reúne imagens e documentos da Praça Onze, principal local da Pequena África histórica, habitado, no começo do século 20, por uma expressiva população afrodescendente e também por imigrantes judeus, italianos e ciganos. Foi bem perto dali que se fundou a primeira escola de samba e, em torno dela, realizou-se o primeiro desfile das agremiações. Em 1944, foi derrubada para a construção da Avenida Presidente Vargas.

Também são exibidos documentos e itens como o violão de Donga, a partitura de Pelo telefone, considerado o primeiro samba gravado do Brasil, o passaporte e o contrato de Pixinguinha com a gravadora Victor, registros e reportagens sobre a turnê feita pelos Oito Batutas em Paris em 1922, além de pinturas de autoria de Heitor dos Prazeres.

Cartola em foto para o Diário da Noite, RJ, 1957. Autoria não identificada – Arquivo: Diários Associados/Acervo IMS

Seguida por núcleos em uma espécie de linha do tempo, Pequenas Áfricas evidencia a atuação central das “Tias” na construção do universo do samba. Mulheres negras e mais velhas em sua maioria, eram rezadeiras, cozinheiras e quituteiras que exerciam papéis de liderança em suas comunidades.

O segundo andar foca as práticas cotidianas, reunindo discos de vinil, máquinas de escrever, medalhas, imagens de santos e orixás, partituras e receitas, entre muitos itens de valor histórico e afetivo, guardados nas casas de Tias e de sambistas, como Djalma Sabiá, Dona Ivone Lara e Tia Maria do Jongo.

No final do percurso, o público encontra um grande painel que mostra as conexões entre artistas de diferentes gerações, no qual é possível escutar canções e depoimentos.

Na programação pública, uma série de Giras, propostas por Tadeu Kaçula – doutorando em Mudança Social e Participação Política na USP – combinam rodas de samba e conversas sobre o tradicional e o contemporâneo da experiência negra. O público também poderá brincar com um jogo de memória que se utiliza dos adinkra, símbolos gráficos pertencentes ao povo africano Asante, e seus significados. Também haverá no espaço uma TV com filmes de criadores negros e uma seleção de livros infantojuvenis.

Visite

Pequenas Áfricas: o Rio que o samba inventou
Visitação: até 21 de abril de 2024
Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h
Local: IMS Paulista, 7o e 8o andar | Entrada gratuita
Avenida Paulista, 2424 – São Paulo

Com informações do IMS


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