Tida como “capital cultural do Brasil” em meados do século 20, a cidade do Rio de Janeiro reunia pessoas brancas e pretas em um círculo social comum: os endereços do samba. Apesar disso, uma pesquisa realizada na USP encontrou nas entrevistas de sambistas negros a constatação de que o samba carioca nasceu na Casa da Tia Ciata – que abria o quintal de sua casa para receber figuras como João da Baiana, Pixinguinha, Clementina de Jesus e Donga. É deste Rio de Janeiro negro que trata a exposição Pequenas Áfricas: o Rio que o samba inventou, exposição inaugurada pelo Instituto Moreira Salles (IMS) no último sábado, 28.
Em cartaz até abril de 2024, a exposição celebra o samba como uma cultura em constante movimento, fruto de laços artísticos e comunitários, além de disputas e negociações. “Esta exposição parte da música para percorrer a intrincada rede de encontros, trocas e conflitos que ali se formou na primeira metade do século 20. Consciência política, religiosidade e solidariedade são inseparáveis da sofisticada produção artística que se espraia no espaço – ganhando uma cidade, o país e o mundo – e no tempo, ainda hoje pulsante em seu espírito dissidente de um país racista e desigual”, pontuam os curadores.
Reconstituindo a cena cultural carioca da época, a mostra aborda a criação do samba urbano pelas comunidades afrodescendentes, além de suas reverberações no presente: das escolas de samba aos terreiros e quintais. A curadoria da exposição é dos historiadores e professores Angélica Ferrarez, Luiz Antonio Simas, Vinícius Natal e Ynaê Lopes dos Santos, doutora pela USP com pesquisa sobre as semelhanças entre escravidão e o espaço urbano no Rio de Janeiro e em Havana. A expografia é assinada pela arquiteta Gabriela de Matos, mestranda do Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos da USP e uma das vencedoras do prêmio Leão de Ouro de melhor Participação Nacional na 18ª Bienal de Veneza de Arquitetura.
Pequena África
Dividida em dois andares, a exposição reúne aproximadamente 380 itens, entre documentos, gravações musicais, fotografias, matérias de jornais, filmes e obras de arte, provenientes do acervo do IMS e de outras instituições. A mostra faz alusão ao termo “Pequena África”, cunhado pelo artista Heitor dos Prazeres para se referir à região da Zona Portuária do Rio.
O primeiro andar da mostra adota um viés histórico, apresentando a região onde o samba urbano se originou e suas mudanças ao longo do tempo. O percurso se inicia no Cais do Valongo, o maior porto escravista da história, que recebeu cerca de 1 milhão de africanos escravizados, vindos forçados para o Rio de Janeiro.
A mostra reúne imagens e documentos da Praça Onze, principal local da Pequena África histórica, habitado, no começo do século 20, por uma expressiva população afrodescendente e também por imigrantes judeus, italianos e ciganos. Foi bem perto dali que se fundou a primeira escola de samba e, em torno dela, realizou-se o primeiro desfile das agremiações. Em 1944, foi derrubada para a construção da Avenida Presidente Vargas.
Também são exibidos documentos e itens como o violão de Donga, a partitura de Pelo telefone, considerado o primeiro samba gravado do Brasil, o passaporte e o contrato de Pixinguinha com a gravadora Victor, registros e reportagens sobre a turnê feita pelos Oito Batutas em Paris em 1922, além de pinturas de autoria de Heitor dos Prazeres.
Seguida por núcleos em uma espécie de linha do tempo, Pequenas Áfricas evidencia a atuação central das “Tias” na construção do universo do samba. Mulheres negras e mais velhas em sua maioria, eram rezadeiras, cozinheiras e quituteiras que exerciam papéis de liderança em suas comunidades.
O segundo andar foca as práticas cotidianas, reunindo discos de vinil, máquinas de escrever, medalhas, imagens de santos e orixás, partituras e receitas, entre muitos itens de valor histórico e afetivo, guardados nas casas de Tias e de sambistas, como Djalma Sabiá, Dona Ivone Lara e Tia Maria do Jongo.
No final do percurso, o público encontra um grande painel que mostra as conexões entre artistas de diferentes gerações, no qual é possível escutar canções e depoimentos.
Na programação pública, uma série de Giras, propostas por Tadeu Kaçula – doutorando em Mudança Social e Participação Política na USP – combinam rodas de samba e conversas sobre o tradicional e o contemporâneo da experiência negra. O público também poderá brincar com um jogo de memória que se utiliza dos adinkra, símbolos gráficos pertencentes ao povo africano Asante, e seus significados. Também haverá no espaço uma TV com filmes de criadores negros e uma seleção de livros infantojuvenis.
Visite
Pequenas Áfricas: o Rio que o samba inventou
Visitação: até 21 de abril de 2024
Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h
Local: IMS Paulista, 7o e 8o andar | Entrada gratuita
Avenida Paulista, 2424 – São Paulo
Com informações do IMS