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Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Freepik
Pesquisas da USP sobre racismo em ambientes jurídicos são premiadas em concurso
Monografias de André Cozer e Cristóvão Borba apresentam perspectivas do racismo dentro do campo jurídico e apontam caminhos para a luta antirracista
Graduandos do quarto ano na Faculdade de Direito (FD) da USP, André Cozer e Cristóvão Borba foram premiados, respectivamente, em primeiro e terceiro lugares no 1º Concurso de Monografias sobre Equidade Racial do Escritório Pinheiro Neto Advogados. Com o objetivo de fomentar e dar visibilidade para a produção de trabalhos acadêmicos sobre diferentes aspectos envolvendo a questão racial no Direito, o concurso foi importante para que os estudantes apresentassem suas vivências enquanto estudantes negros de forma embasada por meio de estudos científicos.
Ambos souberam do concurso por meio das redes sociais do escritório, conhecido por prestar diferentes serviços no setor de advocacia. Somente pessoas negras poderiam participar, submetendo trabalhos a partir de um formulário divulgado pelos organizadores do concurso. Apenas seis participantes foram premiados com um valor em dinheiro, sendo três artigos de graduação e três de pós-graduação.
Os estudantes ingressaram na Faculdade de Direito um ano após a USP aderir ao sistema de cotas – Foto: Reprodução/FD
Em seus artigos, os dois apresentaram questões atuais do racismo institucionalizado presentes na sociedade brasileira. Borba fez um breve estudo sobre o papel estrutural do racismo e as potencialidades que as grandes firmas de advocacia, as big law firms, possuem no combate a esse problema. Já Cozer trouxe a questão dos significados do racismo e os processos abolicionistas. Os trabalhos dos estudantes expõem, também, as formas que o Direito foi sendo utilizado para legitimar a discriminação racial ao longo da história, como por exemplo a escravidão no Brasil, que teve sua economia ligada ao trabalho escravo por 388 anos.
Enegrecimento jurídico
Borba traçou um paralelo entre a tragédia de Othello, o Mouro de Veneza e o racismo nos dias atuais na monografia intitulada Othelo na Faria Lima: o papel da big law no combate ao racismo no Brasil. O estudante afirma o quanto foi atraído pelo papel do racismo observado em Othello, protagonista de uma peça shakespeariana. Embora pertencesse à nobreza, a questão racial era determinante para as discriminações que recebia. “Othello, mesmo sendo um poderoso general a serviço de Veneza, sofreu das amarguras do racismo. Só a ascensão esporádica de negros não resolve quando o problema é estrutural”, disse.
De acordo com ele, as big law firms possuem imenso potencial de aumentar a representatividade negra em espaços de poder, como o judiciário, por exemplo. “Devido à capacidade de influência desses espaços, as grandes firmas de advocacia possuem escalabilidade, conseguindo implementar políticas afirmativas e prestar serviços jurídicos com objetivo de contribuir em uma luta antirracista – algo que bancas menores, mesmo bem intencionadas, dificilmente conseguiriam”, ressaltou.
O estudante também é incisivo ao afirmar os paradoxos presentes na justiça. “Embora pessoas negras e brancas sejam iguais perante a lei, constitucional e legalmente, o sistema judicial não as trata de forma equivalente”, exclama. O trabalho analisa ainda a falta de representatividade negra em espaços institucionais do judiciário brasileiro, além do precário acesso à justiça que pessoas negras e pobres têm no Brasil.
Joaquim Barbosa assumiu a presidência do STF em 2012, como o primeiro negro a ocupar o cargo, mesmo estando em um país composto por 56% de pretos e pardos. O estudo avalia os impasses presentes no baixo indíce de magistrados autodeclarados negros como indicativo da manifestação do racismo no judiciário brasileiro - Foto: Reprodução/TRT
Borba também analisa como normas jurídicas acabaram sendo usadas para respaldar práticas elitistas e excludentes. “Foram normas legais que deram embasamento jurídico ao comércio de escravos entre a África e as Américas, no alvorecer do Novo Mundo”, afirmou. Para ele, estas leis também autorizaram e respaldaram o regime de segregação racial na África do Sul, no caso do Apartheid. “No Brasil não foi diferente”, acrescentou.
“Somente a igualdade jurídica não é suficiente – medidas concretas e ações afirmativas precisam ser tomadas para garantir, de fato, uma igualdade racial.”
Cristóvão Borba
Ele enfatiza também a atuação das Defensorias Públicas do País na ampliação do acesso à justiça de pessoas pobres e negras. Além disso, o trabalho destaca os avanços presentes na Lei de Cotas para o enegrecimento das universidades brasileiras, e, no caso do Direito, do meio jurídico.
Ações concretas
Borba também destaca a importância do seu trabalho para a construção de políticas públicas, indo além de uma monografia submetida em um concurso sobre a temática racial. “Meu artigo aborda como os grandes escritórios de advocacia podem contribuir para incluir mais pessoas negras nos espaços jurídicos, por isso não estamos deixando de falar de políticas públicas”, disse. “Falar de Direitos Humanos e Equidade Racial representados atualmente pelos ministros Silvio Almeida e Anielle Franco demonstra o quanto o racismo é latente, mesmo com pessoas negras ocupando espaços de poder”, acrescentou.
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Já Cozer, com a monografia intitulada Hermenêutica do Racismo, assinala que receber essa premiação é muito especial para a luta antirracista nos ambientes estudantis. “Esse reconhecimento, além de uma conquista pessoal, representa uma conquista dos diversos projetos de permanência dos quais eu fui e sou beneficiário; dentre eles, posso citar: Programa de Permanência Estudantil, PPE; o Programa da Promoção de Dedicação Acadêmica, PPDA; Adote um Aluno, sendo os três exclusivos da FD; O Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE) e a própria Casa do Estudante, local que me abriga e que me coloca em contato com uma intelectualidade negra expoente da Faculdade”, lembrou.
Ele também destaca a importância de docentes negros em sua formação e como isso contribuiu para a produção da monografia. “Esse trabalho também demonstra os frutos da luta da professora Eunice Prudente, minha orientadora, que há muito forma grandes intelectuais negros nas Arcadas”, agradeceu.
Com Informações da Assessoria de Comunicação da Faculdade de Direito da USP
Saiba mais: imprensa.fd@usp.br
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