Contar histórias é compartilhar conhecimentos que dão sentido à vida

Aula magna do griô burquinense Hassane Kassi Kouyaté é destaque na programação do Encontro Internacional Boca do Céu

 17/05/2024 - Publicado há 1 mês

Texto: Silvana Salles

Arte: Beatriz Haddad*

Encontro Internacional Boca do Céu, que acontecerá de 20 a 26 de maio em São Paulo, foi idealizado pela professora da USP Regina Machado - Foto: Pedro Napolitano Prata

Quando se fala em contação de histórias, é comum que se pense nessa atividade como algo que serve para entreter as crianças ou colocá-las para dormir. Mas, para Regina Machado, professora aposentada da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, contar histórias é uma forma de compartilhar conhecimentos que as pessoas podem utilizar para dar sentido ao mundo, ao cotidiano e às suas próprias vidas.

“A arte de contar histórias existe desde que o mundo é mundo, em todas as culturas. Em cada cultura, em cada momento, essa arte ocupa um lugar e tem uma função preponderante. Ela sempre ocupa um lugar. Do meu ponto de vista, esse lugar é aquele que faz as pessoas lembrarem daquilo que é o sentido da vida: por que é importante viver, quais são os significados que estão por trás desse mundo aí, de todo dia, que a gente vive”, diz a docente, que há décadas pesquisa as tradições orais no contexto da arte-educação.

Foi a partir do desenvolvimento dessa pesquisa na ECA que Regina idealizou o Encontro Internacional Boca do Céu, que acontecerá de 20 a 26 de maio em São Paulo. 

Regina Machado - Foto: Pedro Napolitano Prata
Regina Machado - Foto: Pedro Napolitano Prata

O evento bienal, que começou de maneira modesta em 2001, neste ano reúne contadores de histórias de diversos países e se espalha pelos espaços do Sesc Vila Mariana, da Cinemateca Brasileira e da Biblioteca Municipal Viriato Corrêa. A programação inclui oficinas, sessões de narração de histórias (para crianças e para adultos) e conversas. Todas as atividades são gratuitas. As conversas e as narrações de histórias são abertas ao público geral, sem necessidade de inscrição.

Narradores do mundo

Alguns dos convidados do Encontro Internacional Boca do Céu

O grande destaque desta edição do encontro Boca do Céu será a aula magna do griô Hassane Kassi Kouyaté. Nascido em Burkina Faso e radicado na França, Hassane faz parte de uma família tradicional de djélis – termo da África Ocidental que foi traduzido no Ocidente como griô, embora tenha ampla conotação. Além de herdeiro dessa tradição oral, o artista também desenvolve trabalhos como ator e diretor no teatro e no cinema.

“Ele é aquilo que no Ocidente se chama de griô, mas na verdade em Burkina Faso e em toda a África Subsaariana, eles se autodenominam djélis. Eles são uma casta que tem uma função muito importante dentro da cultura Mandingue. Eles são genealogistas, conhecem toda a genealogia dos antepassados das pessoas. Eles animam casamentos e festas, eles sabem dançar, sabem cantar e sabem também contar histórias”, explica a professora Regina.

O griô, ator e diretor Hassane Kouyaté - Foto: Pedro Napolitano Prata
O griô, ator e diretor burquinense Hassane Kouyaté dará uma aula magna na abertura do evento - Foto: Pedro Napolitano Prata

O convidado para lecionar a aula magna é filho do célebre griô Sotigui Kouyaté, que trabalhou com o diretor britânico de teatro Peter Book

Histórias: manancial de referências

A professora Regina Machado reflete que, em um mundo permeado pelas redes sociais, as ferramentas tecnológicas disponíveis ainda têm sido exploradas de maneira muito pobre para contar histórias oralmente. Em sua opinião, esse problema vem se refletindo até mesmo no desenvolvimento das crianças.

“Como a gente estuda esse material, a gente vê como as crianças de hoje mal sabem falar. Porque têm aqueles dedinhos que ficam mexendo naquelas telas, e usam três letras para tudo e acabou. Como é que as pessoas podem aprender a expressar o que elas pensam, o que elas sentem, o que elas percebem do mundo, se elas não têm palavras para isso? Se elas não foram educadas a ler e a escutar sequências de palavras que expressam o mundo, que trocam com a gente experiências de vida?”, questiona Regina.

"A gente vê como as crianças de hoje mal sabem falar. Porque têm aqueles dedinhos que ficam mexendo naquelas telas, e usam três letras para tudo", reflete Regina - 
 Foto: Pedro Napolitano Prata
"A gente vê como as crianças de hoje mal sabem falar. Porque têm aqueles dedinhos que ficam mexendo naquelas telas, e usam três letras para tudo", reflete Regina - Foto: Pedro Napolitano Prata

Segundo a idealizadora do Encontro Boca do Céu, “as histórias são um manancial, são um tesouro” que por meio de imagens e metáforas transmitem o conhecimento humano. Essa função simbólica serve para que as pessoas entrem em contato com elas mesmas, com os outros e com o mundo, pois trata de coisas importantes para os seres humanos, incluindo sonhos e possibilidades de ação.

“Por isso que elas vivem até hoje, né? Eu nunca vi uma história bem contada não mexer com as pessoas. Mexer nesse sentido, de remexer dentro delas a percepção acostumada que elas têm do mundo”, conclui.

Serviço:
Encontro Internacional Boca do Céu

Quando: 20 a 26 de maio de 2024
Onde: no Sesc Vila Mariana, na Cinemateca Brasileira e na Biblioteca Municipal Viriato Corrêa, na zona sul de São Paulo
Veja a programação completa no site do encontro: https://bocadoceu.com.br/
Evento gratuito

*Estagiária sob supervisão de Simone Gomes


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