Peça que discute o suicídio está em cartaz no Teatro da USP

Até 30 de setembro, espetáculo aborda a falta de perspectiva entre os jovens e inclui debates com psicólogas

 19/09/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 25/09/2018 às 13:31
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Cartaz de divulgação da peça Mau Lugar, em cartaz no Teatro da USP – Foto: Divulgação/Tusp

Numa época indeterminada, a sociedade brasileira – controlada, militarizada e segregada, em que a exploração do trabalho atinge níveis inimagináveis – vive uma onda de suicídios. Os familiares dos suicidas são condenados a passar por uma reabilitação, sofrendo maus-tratos e torturas. E, apesar de o suicídio ser criminalizado, cada vez mais jovens resolvem tirar a própria vida. Esse é o mote da peça Mau Lugar, encenada pelo Coletivo de Galochas, que traz na maior parte do elenco atores formados pela USP. O drama musical, com dramaturgia de Antonio Herci, Jéssica Paes e Rafael Presto e direção de Daniel Lopes, está em cartaz até o dia 30 de setembro no Teatro da USP (Tusp), em São Paulo, com debates nas sessões de domingos sobre as questões suscitadas no espetáculo.

Como conta Antonio Herci, a ideia original da peça veio de um suicídio coletivo de mulheres ocorrido na Grécia antiga. “O governo não sabia o que fazer e acabou optando pela criminalização do suicídio: as mulheres que se matavam eram enterradas carecas e sem roupas. Os filósofos comentaram que essa questão da vaidade humana vai além do desejo de morte. A pessoa está disposta a entregar a vida, mas não a ter a imagem violada depois da morte”, relata.

Quarto espetáculo autoral do grupo, Mau Lugar retrata de forma político-poética a vida e a morte. O título da peça é a tradução literal da palavra “distopia”, que, segundo Herci, foi criada no século 19 como alternativa para a Utopia de Thomas More. O ato de tirar a própria vida também é uma metáfora para o momento político atual, que parece levar a becos sem saída. “A montagem aborda a falta de perspectiva, em um momento em que a opressão está tirando nossos horizontes”, afirma Herci.

Mas como compreender o suicídio? Seria um ato de desespero, de desobediência, de recusa? Considerado de foro íntimo, o que dizer se o ato se torna coletivo? Dentro dessa distopia, o suicídio assume diversas faces, desde o cansaço por carregar o fardo humano até a resistência em aceitar a regulação e o controle sobre os corpos ou o controle real das pessoas. Para entender um pouco mais sobre a questão, o grupo realizou pesquisas sobre o tema, contando com a parceria do Núcleo de Sociodrama do Instituto de Psicologia da USP.

Herci destaca que, até 2016, os cartórios declaravam os casos de suicídio como “mortes por autoviolência”. A partir daquele ano, passaram a registrar o ato de tirar a própria vida como “suicídio”. Esses dados de cartórios são mantidos pela Fundação Seade, vinculada à Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado de São Paulo. “Realizamos um mapeamento e o que percebemos foi que a grande incidência de suicídios se dá entre trabalhadores rurais, principalmente nas fronteiras agrícolas no oeste do Estado de São Paulo, usando como um dos principais métodos o envenenamento. São duas pontas: os jovens, em uma delas, e o trabalhador rural em outra.”

O dramaturgo também lembra que não há uma “prevenção”, propriamente dita, do suicídio, que acaba sendo consequência de uma série de problemas, principalmente da solidão. Como ele afirma, existem apenas métodos de intervenção, como a internação e a medicalização. “Outro dado importante é que não há relação direta com classe social e que, em algumas regiões que não são tão violentas, a autoviolência é muito maior”, diz. O mito e o preconceito são outros problemas na abordagem do tema. “O próprio grupo precisou de um tempo para aceitar a temática e levar esse drama para o palco”, relata Herci.

O espetáculo

A realidade distópica retratada na peça é o fio que amarra a estética do espetáculo, norteando também cenário, figurinos e trilha sonora. O cenário é composto de caixas de papelão montadas sobre estruturas móveis, que recompõem e reconfiguram o palco. “Queremos mostrar a pasteurização do consumo”, diz o diretor Daniel Lopes. Também foram confeccionados bonecos em tamanho real dos seis atores. “Os bonecos funcionam como o duplo de cada ator, representando a vida e a não vida, ou a matéria com aparência de vida apenas.” Na peça, os duplos se confundem entre corpos e objetos. “Pessoas e coisas estão no mesmo lugar, causando estranheza”, ressalta Lopes.

Dois músicos – um pianista e um percussionista – executam ao vivo a trilha sonora original, assinada também por Antonio Herci. Assim como o cenário, a trilha foi realizada em blocos que se movem através da montagem digital, ou seja, o movimento cênico das caixas serve de partitura para a produção sonora. Os sons captados em ensaios do grupo e outros ruídos são manipulados e mixados em tempo real. Os atores também cantam três músicas especialmente compostas para a peça. Uma delas fala sobre não temer a morte, remetendo a várias cartas de suicidas, a que o dramaturgo teve acesso. “Fica claro que não há o desejo de morte, mas de sair daquela angústia.”

Diálogos sobre o suicídio

Nas sessões aos domingos, logo depois do espetáculo, as questões da peça serão discutidas por psicólogas e professoras do Instituto de Psicologia da USP, que participam do ciclo Do Monólogo ao Diálogo: Falando sobre Suicídio. Os debates são organizados por Antonio Herci (doutorando pelo Programa Interunidades de Pós-Graduação em Estética e História da Arte da USP), com o apoio do Colabor (Centro Multidisciplinar de Pesquisas em Criações Colaborativas e Linguagens Digitais) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

As convidadas são as professoras do Instituto de Psicologia da USP Ianni Regia Scarcelli, que participa do debate neste domingo, dia 23 de setembro, e Maria Julia Kovacs, que estará no debate do dia 30 de setembro. Maria Julia é coordenadora do Laboratório dos Estudos da Morte (LEM) do Instituto de Psicologia. “Quebrar barreiras e trazer para o debate esse tema tabu é o objetivo do ciclo”, diz Herci, completando que “o diálogo é a única forma para sair dessa vida sem saída.”

O espetáculo Mau Lugar fica em cartaz até 30 de setembro, de quinta a sábado, às 21 horas, e domingos, às 19 horas, no Teatro da USP (Tusp), instalado no Centro Universitário Maria Antonia (Rua Maria Antonia, 294, Vila Buarque, em São Paulo,  telefone 3123-5222). Os ingressos custam R$ 20,00. Mais informações no site do Tusp.


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