“Arlindo Machado construiu um pensamento e foi amplamente respeitado por isso em vida. Ele sempre foi uma referência”, afirma o professor Almir Almas, chefe do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, sobre o curador e professor do mesmo departamento Arlindo Machado, que morreu no dia 19 passado, aos 71 anos.
O principal campo de pesquisa de Machado foram as chamadas imagens técnicas, aquelas produzidas através de mediações tecnológicas, como a fotografia, o cinema e toda a mídia digital. “Nos anos 1980, o debate sobre a televisão, o rádio e outras mídias não era muito bem visto, e ele vai tentar entender e pensar tudo isso de uma forma muito diferente”, afirma Almas. Alguns de seus livros sobre o tema, publicados na época, são A Ilusão Especular (1984) e A Arte do Vídeo (1988). Nos anos seguintes Machado ainda publicaria outras obras, como Máquina e Imaginário: o Desafio das Poéticas Tecnológicas (1993), A Televisão Levada a Sério (2000) e O Sujeito na Tela (2007).
“Ele foi um grande pensador da imagem e das mídias, pelo seu modo aberto e inovador de olhar para elas”, conta Almas, que foi orientado por Machado no mestrado e no doutorado, feitos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde ele também atuou como docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. “Tinha um conhecimento e uma formação cultural enormes e trocava isso com a gente.”
Outros ex-orientandos lamentaram a morte do mestre. Ao site da ECA, a professora Patrícia Moran, também do CTR, destaca que Machado tinha um interesse especial por objetos de estudo normalmente desprezados pela alta cultura. Exemplo disso é o programa Chaves, produzido pela televisão mexicana, que foi analisado em profundidade pelo professor. “Era um pesquisador brilhante, desapegado de liturgias.”
Já para Rubens Rewald, também professor do CTR, Machado tinha um livre trânsito intelectual entre as várias interfaces e interconexões das artes visuais, eletrônicas e performáticas. Ele era dotado da “capacidade única de compreender e pesquisar as expansões propostas por artistas e pensadores insatisfeitos com quaisquer limites rígidos da arte e do conhecimento”, disse Rewald, também ao site da ECA.
A troca do professor com seus alunos tão prezada por Machado também é destacada pela professora Daniela Kutschat Hanns, da ex-docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Apesar de não ter sido orientada por ele quando fez mestrado em Artes Plásticas na ECA, em meados dos anos 90, suas pesquisas em multimídia a levaram para o livro Máquina e Imaginário: o Desafio das Poéticas Tecnológicas, de Machado, que na época já era professor do CTR e passou a acompanhá-la no seu trabalho.
Segundo Daniela, Machado era extremamente generoso quanto ao seu conhecimento. “Era o tipo do professor que, mesmo não sendo orientador do estudante, apoia e constrói uma parceria com ele”, diz. “Ele sempre se colocou como parceiro, conhecendo a fundo os processos de cada um.” Daniela acrescenta que os pesquisadores que, nas décadas de 1990 e 2000, estudavam vídeo, fotografia, arte computacional e novas tecnologias foram “profundamente influenciados” por Machado.
Outra pessoa impactada por Machado foi a professora Maria Lucia Santaella, da PUC-SP. O primeiro contato entre os dois se deu em 1979, a partir de um texto do professor, O Corpo Bem Temperado. “O artigo me inebriou, poucas vezes havia lido algo tão preciosamente perfeito, nas ideias e na escrita primorosa”, conta ela, num depoimento que escreveu após saber da morte do amigo. “Uma mistura rara entre o amadurecimento e a jovialidade das ideias.”
Além de professor e pesquisador, Machado também atuou como curador de arte. “Tive o privilégio de tê-lo como curador do meu trabalho, depois fizemos algumas curadorias juntos, e ainda fui colega de trabalho dele na pós-graduação da PUC-SP”, conta a artista e professora da FAU Giselle Beiguelman. Segundo ela, o trabalho de Machado foi pioneiro, porque discutia com muito rigor e antecedência a relação entre a arte e as mídias digitais.
Outro parceiro de Machado nesse período foi o professor Gilberto Prado, do Departamento de Artes Plásticas (CAP) da ECA. Eles trabalharam juntos em alguns projetos, mas o principal foi a exposição Emoção Art.ficial 2.0: Divergências Tecnológicas, realizada no Instituto Itaú Cultural, em São Paulo, em 2004.
“Foi uma curadoria muito bacana porque eu não era curador, era artista, e era exatamente isso que ele queria quando me procurou. A forma que a gente dialogava era muito interessante”, conta Prado, lembrando que essa mostra abordou a relação entre arte e tecnologia numa época em que a internet e a mídia ainda começavam a ser mais difundidas.
Além dessa exposição, Machado realizou outros trabalhos no Itaú Cultural. Foi ali que, em 2013, ele faz a curadoria de Waldemar Cordeiro: Fantasia Exata, em parceria com Fernando Cocchiarale. A mostra, que reuniu obras de artistas concretos e pioneiros da arte eletrônica no Brasil, foi considerada a melhor exposição de artes visuais daquele ano. Esse trabalho rendeu a Machado prêmios como o da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Antes dele, o professor já havia recebido o Prêmio Nacional de Fotografia da Funarte, em 1995, e o Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia, em 2007.
Entre o legado que deixa, além dos livros, encontram-se seis filmes de curta-metragem e três produções em CD-ROM. Para Gilberto Prado, isso é resultado da enorme curiosidade de Machado, que conferiu ao seu pensamento um caráter vanguardista e inovador. “Apesar de já estar com a saúde mais fragilizada, nesses últimos anos ele continuava querendo saber dos nossos projetos, do que estava acontecendo, querendo participar de alguma forma. Ele continuava com aquela inspiração de visionário e imaginador do mundo.”