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O MAC sai na contramão do conceito de curadoria, que foi evoluindo desde a sua fundação em 1963. Apresenta um conjunto de 100 obras que entraram em seu acervo nos últimos anos com uma nova proposta. A meta é uma curadoria invisível, em que a criatividade do artista tem a sua autonomia no espaço. E o mais importante: o público também tem liberdade de avaliar e refletir sobre as obras a partir de suas próprias referências. É essa liberdade que conduz a mostra MAC USP no Século 21 – A Era dos Artistas.
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No espaço do quinto andar estão Regina Silveira, João Loureiro, Iran do Espírito Santo, Albano Afonso, Vânia Mignone, Marepe, Andréa Brown, Sandra Cinto, Hugo Curti, Jonathas de Andrade, Felipe Cama, Lucas Simões, Geórgia Kyriakakys, Claudio Cretti, Julio Leite, Déborah Paiva, Paulo Whitaker, Tatiana Blass, Louise Bourgeois, Marina Abramovic, Carlos Bevilacqua, entre outros. Nesse encontro, Kátia Canton – vice-diretora e professora do MAC – optou por exercitar uma curadoria inusitada. “É, na verdade, quase uma anticuradoria. Ou seja, a exposição incorpora a atitude de trabalhar junto e propõe justamente uma curadoria quase invisível, que busca colocar o foco expositivo nas obras dos artistas.”
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As obras se abrem
para a exploração livre e
às experiências de cada observador
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Kátia, que também é artista, deixou que as obras estabelecessem o próprio diálogo com o visitante. “Não há prévias leituras ou percursos conceituais definidos. As obras se abrem para a exploração livre e às experiências de cada observador, que, munido de liberdade, fará suas próprias conexões e relações de identidade e alteridade, entre tantas conversas possíveis.”
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A obra Una vez más, criada em 2012, da consagrada Regina Silveira, gaúcha de Porto Alegre, leva o visitante até o fundo da sala. O videoanimação digital onde uma mão rosa-choque com o dedo médio levantado chama a atenção. O gesto gira, deixa de ser obsceno, para ser um alerta. A interpretação fica por conta de quem vê.
A Tempestade Noturna criada em 2010/11, de Sandra Cinto, paulista de Santo André, sai dos limites do quadro na parede para se espalhar pelo chão. O mar revolto desenhado com caneta permanente e acrílica sobre tela invade o espaço, derruba a mesa e está entre os barcos de papel vergê que se amontoam no espaço. As obras não têm intenção de conversar, trocar ideias, mas convivem no mesmo tempo, sob as mesmas pressões políticas e sociais do País.
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Kátia Canton coordenou a organização das obras pelo sobrenome dos artistas. “E foi muito mais difícil”, observa. “Pensei em vários caminhos para mostrar esse conjunto de obras, na tentativa de evitar leituras fixas. A maioria foi doada pelos artistas, outras adquiridas com apoios diversos. Decidi ocupar o espaço a partir dos sobrenomes. Tudo o que eu queria era minimizar sentidos preestabelecidos de conexão ou evitar molduras teóricas prévias, para deixar que as obras adquiram o máximo de mobilidade conceitual.”
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A ideia é deixar que,
em suas leituras,
elas voem, viagem, aterrissem…
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A curadoria de Kátia e a sua vivência na arte a credenciam a buscar outros caminhos. “A ideia é deixar que, em suas leituras, elas voem, viagem, aterrissem.” A mostra experimenta o tempo, como a professora assinala, de forma enviesada. “O filósofo norte-americano Arthur Danto afirma que vivemos o fim da arte como história linear, no momento em que ela se liberta das flechas do tempo, assumindo um tempo pós-histórico”, justifica.
Nessa liberdade, o visitante caminha entre as obras do MAC USP no Século 21 – A Era dos Artistas sem as limitações do tempo e lugar. E se depara com surpresas como a foto de Marina Abramovic, nascida em Belgrado, na Sérvia, em 1948. Retrato com Lenha, de 2009, é uma das doações recentes ao museu. Mostra uma mulher abraçada a um feixe de lenha integrada em uma paisagem de galhos. A imagem em preto e branco surpreende pela luz.
Kátia lembra que a palavra “curadoria” tem sua raiz no grego curare, que significa “cuidar de”. Explica que, no final do século 18, o curador se estabeleceu profissionalmente como cuidador de uma coleção ou acervo. “Ainda que, na essência, o papel do curador tenha se mantido como algo que pressupõe uma dedicação a um acervo, o termo curadoria tem adquirido significados mais amplos e contundentes, que se ligam à construção de pensamentos específicos ou à criação de sentidos, espelhando e refletindo a complexidade da produção artística contemporânea e da própria vida.”
Nas duas últimas décadas do século 20, o papel do curador se fortaleceu no sistema da arte. “A chancela do curador passa a atribuir credibilidade ao trabalho do artista, inserindo-o no sistema através da criação de discursos e leituras que muitas vezes ultrapassam o campo da estética e da história da arte, introduzindo perspectivas filosóficas, antropológicas, sociológicas, ambientalistas, feministas, entre outras, dentro de um universo teórico interdisciplinar”, explica Kátia. “Nesse contexto, algumas vezes, as obras de arte tendem a operar como palavras que compõem frases escritas pelo curador, ou ainda como conteúdos que sustentam molduras teóricas construídas previamente. Ainda que essas leituras ofereçam interpretações ricas e potentes, elas dificilmente dão conta de esgotar as inúmeras possibilidades que se apresentam intrinsecamente à obra de arte.”
Na atual mostra, Kátia Canton muda a Era dos Curadores para a Era dos Artistas. O visitante tem liberdade para interpretar e refletir. Fica sem orientação. Porém, com o direito de se perder ou se achar no mundo da arte.
MAC USP no Século 21 – A Era dos Artistas pode ser vista das 10h às 21h, às terças-feiras, e das 10h às 18h, de quarta-feira a domingo. O MAC está localizado na Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. A entrada é gratuita. Mais informações podem ser obtidas no endereço eletrônico www.mac.usp.br/mac/.
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Edição de Arte: Caio de Benedetto