A partir do século 19, livros voltados para o público infantojuvenil ganharam espaço no mercado editorial europeu. Não demorou para que a literatura jovem, ilustrada e de fácil leitura chegasse também ao Brasil. Os primeiros livros infantis que circularam no País — décadas antes do nascimento de autores como Monteiro Lobato, Ziraldo e Pedro Bandeira, hoje consagrados na escrita para crianças — são o tema da obra Livros Infantis Velhos & Esquecidos, que acaba de ser lançada pelas Publicações BBM, braço editorial da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP.
Organizado pela professora Gabriela Pellegrino Soares, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e Patrícia Tavares Raffaini, pesquisadora residente da BBM, o livro deriva de uma exposição de mesmo nome que ocorreu na Biblioteca Brasiliana em 2017. A mostra contou com o apoio da Fapesp e teve sua curadoria realizada por Gabriela e Patrícia.
“Nós exibimos exemplares de livros publicados para crianças no Brasil entre o século 19 e o início do século 20. Muitos pertenciam ao acervo da própria Brasiliana. Outros, nós compramos com financiamento da Fapesp. Também pedimos exemplares que estavam numa coleção da Universidade Federal de São Paulo”, conta Gabriela Pellegrino. “A exposição recebeu muitos visitantes e foi elogiada. Logo depois, a BBM propôs que fizéssemos um livro sobre o assunto. Não queríamos lançar apenas um catálogo da mostra. Por isso convidamos autores para escrever capítulos sobre a literatura infantil no País”, diz.
A publicação reúne textos de Angela de Castro Gomes, Kaori Kodama, Helena de Barros, Cilza Bignotto e Tânia Gomes Mendonça. “Fizemos desde um apanhado geral sobre os livros infantis no Brasil até alguns recortes mais verticais, mais específicos”, explica Gabriela. Há um capítulo dedicado somente à revista Tico-Tico, periódico para crianças que esteve em circulação até 1977 e foi pioneiro na publicação de histórias em quadrinhos no País, e outro voltado para a enciclopédia infantojuvenil Tesouro da Juventude, da década de 1920, uma coleção de 18 volumes com linguagem simplificada para o público jovem.
O livro também discorre sobre obras infantis de autores estrangeiros e como elas foram recebidas pelos pequenos leitores brasileiros. Um capítulo é dedicado à bibliografia do francês Júlio Verne, escritor de clássicos da literatura infantojuvenil como A Volta ao Mundo em 80 Dias, Viagem ao Centro da Terra e Vinte Mil Léguas Submarinas. As histórias do detetive Sherlock Holmes são destaque em outro dos artigos de Livros Infantis Velhos & Esquecidos — o personagem do escritor inglês Sir Arthur Conan Doyle aparece, ao todo, em 60 de seus contos policiais, marcantes para os jovens leitores dos séculos 19 e 20.
Além das histórias, os aspectos materiais dos primeiros livros infantis também cumpriam um importante papel. Segundo Gabriela, as ilustrações, cores e diagramação desse tipo de publicação editorial eram pensadas de forma minuciosa, uma vez que seu público-alvo não necessariamente sabia ler. “Os livros se prestam, também, à leitura em voz alta por mediadores: pais, avós, professores”, diz a professora. “Desde cedo, as crianças folheiam livros em busca de imagens. Nessa faixa etária, a relação delas com a literatura ainda está no campo do poético, do lúdico.”
Gabriela ainda destaca que o título compartilhado pela obra e pela exposição de 2017, Livros Infantis Velhos & Esquecidos, vem de um texto do sociólogo alemão Walter Benjamin. “Certa vez, ele escreveu sobre uma pequena biblioteca na Alemanha que possuía vários livros infantis”, acrescenta a professora. “Benjamin foi um dos primeiros a falar sobre as maravilhas, descobertas e percursos de reflexão que um lugar como aquele pode guardar. A leitura é algo transformador para a criança, e essa prática não deve se perder. Pelo contrário, ela deve ser o tempo todo alimentada.”
Livros Infantis Velhos & Esquecidos, de Gabriela Pellegrino Soares e Patrícia Tavares Raffaini (organizadoras), Publicações BBM, R$ 110,00.
