Laboratório de cultura sonora busca “ouvir o passado além da música”

Coordenado pelo professor da USP José Geraldo Vinci, projeto aborda práticas musicais, indústrias fonográfica e radiofônica, práticas arquivísticas e ruídos cotidianos

 21/05/2024 - Publicado há 2 meses
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Batista Júnior foi ventríloquo, comediante e cantor. No site do Laboratório de História da Cultura Sonora, 54 de seus fonogramas podem ser ouvidos – Foto: Carioca/Arquivo Nirez

Antes chamado Memória da Música, o Laboratório de História da Cultura Sonora surge como um projeto coordenado por José Geraldo Vinci, professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e integrado por seus alunos. Recentemente, o projeto tomou novas proporções, filiando-se ao departamento e reunindo pesquisadores não apenas da USP, mas da Unesp, Unicamp e até mesmo internacionais. “Cultura sonora é uma concepção muito mais ampla do que a ideia de tratar e abordar somente a música. É trabalhar com a concepção de que os sons nos permeiam de diversas maneiras, mutáveis sempre”, diz o professor José Geraldo Vinci ao Jornal da USP. No laboratório, pesquisadores buscam abordar o mundo sonoro por diferentes perspectivas, explorando as variações sociais, culturais e temporais da cultura sonora. Ele pode ser acessado neste link.

O professor José Geraldo Vinci – Foto: Reprodução/TV USP via Youtube

Segundo Vinci, os estudos do laboratório podem ser divididos em quatro linhas principais: a primeira diz respeito às práticas musicais, como teatro musicado, bandas musicais e música sacra; a segunda estuda a indústria fonográfica e radiofônica e a forma como deram um novo sentido à escuta, não mais restrita a atividades musicais e coletivas como na igreja ou em teatros; a terceira linha se dedica às práticas arquivísticas, recuperando, preservando e estudando arquivos sonoros; por fim, há a linha de pesquisadores dedicados ao estudo de ruídos além da música, aqueles presentes no dia a dia, muitas vezes incômodos e raramente gravados, como o latido de um cão à noite ou uma buzina durante o dia. “Este último tem ganho relevância, principalmente porque se tornou uma preocupação de ordem pública. Um exemplo disso é a proibição de buzinas de carros em certos horários do dia. A vertente também estuda as diferenças entre sons urbanos e rurais, que vêm se tornando cada vez mais evidentes com a modernização”, explica o professor.

O site do laboratório incorpora as pesquisas feitas por Vinci e seu grupo de alunos, assim como as novas pesquisas agregadas com a expansão do projeto. Com o intuito de conectar os pesquisadores da área e gerar debates, o site funciona como um grande banco de dados e pesquisas. Em destaque está o banco de dados de Batista Júnior, famoso ventríloquo, cantor e comediante nas primeiras décadas do século 20, em que o visitante tem acesso ao conteúdo de 70 fonogramas, sendo 54 deles disponíveis para escuta. Também estão disponíveis para escuta diversos episódios de sete programas protagonizados por Henrique Foreis Domingues, o Almirante, presença de destaque no cenário radiofônico de 1935 a 1958, rendendo-lhe o apelido de “a mais alta patente do rádio”. Dentre os programas disponíveis estão Pessoal da Velha Guarda, feito em parceria com o maestro Pixinguinha, dedicado a homenagear músicos e a música popular brasileira, e Curiosidades Musicais, programa de estreia de Almirante dedicado a apresentar ao grande público páginas do folclore e dos costumes brasileiros desconhecidas até então, como o bumba-meu-boi e as congadas.

Arquivos de áudio da Banda da Força Pública de São Paulo também estão preservados pelo Laboratório de História da Cultura Sonora – Foto: Guilherme Gaensly/BNDigital

Além dos bancos de dados dedicados a personalidades do ramo, o site também traz recortes de época e nicho, permitindo uma pesquisa mais aprofundada neles. As abas Teatro de Revista Paulistano na Passagem dos Séculos XIX/XX e Teatro de Revista Paulistano no Início do Século XX permitem a navegação por informações das apresentações no período designado, compilando dados como data, título, autor e formato, enquanto História e Música na Universidade abriga centenas de artigos, pesquisas e teses de doutorado e pós-doutorado em História com enfoque em temas relacionados à música. Esse banco de dados ainda concentra gráficos e textos organizando e avaliando as informações e a trajetória desse novo território historiográfico. Um último banco de dados é dedicado a bandas paulistanas do início do século 20, reunindo descrições e arquivos de áudio das bandas Força Pública de São Paulo, Ettore Fieramosca, Veríssimo da Glória e Giuseppe Verdi, além de tabelas compilando panoramas abrangentes das bandas paulistanas, com dados como um inventário da produção fonográfica dos grupos da época, um quadro parcial das bandas que se apresentaram na cidade entre 1888 e 1932 e um panorama mais minucioso do repertório e compositores mais executados pela Banda da Força Pública entre 1903 e 1930.

José Geraldo Vinci ainda destaca as dificuldades encontradas pelo grupo na pesquisa, especialmente no que diz respeito ao acesso aos arquivos sonoros. “Por ser um campo de estudo muito novo, a documentação acaba sendo muito mais dispersa, uma vez que os registros, quando existem, não estão propriamente digitalizados ou até mesmo audíveis por outros meios. A documentação escrita, em especial de sons não musicais, é concentrada na literatura, memorialistas e matérias de jornal, mas nunca foi uma preocupação dos historiadores, o que dificulta nosso trabalho”, comenta o professor, ressaltando que o laboratório precisou desenvolver uma metodologia de pesquisa que fosse além das questões musicológicas como forma de contornar esse viés predominantemente visual das pesquisas no campo da história. O site também reúne livros, artigos e teses publicados, além de pesquisas em andamento no campo.

Apesar de ter se tornado um laboratório oficial da FFLCH, o Laboratório da História da Cultura Sonora manteve seu domínio original, e pode ser acessado neste link.

* Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro.


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