Ensaios abordam diferentes aspectos da Semana de 22

Revista “Estudos Avançados” traz dossiês sobre a Semana de 22, a universidade de pesquisa e os 60 anos da Fapesp

 10/02/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 01/07/2024 as 9:51
Foto: Doação Museu de Arte Moderna de São Paulo

 

O movimento modernista brasileiro se dividiu em dois modos diferentes de conceber a modernização. De um lado, Mário de Andrade assumiu uma postura “imediatista”, que defendia a incorporação, pelos artistas brasileiros, das linguagens modernas já adotadas nos principais centros europeus. De outro lado, a partir de 1924, Oswald de Andrade propunha uma “mediação”, que consistia em dotar a produção artística feita no País de traços nacionais, condição para a inserção do Brasil no concerto das nações cultas.

Diferenças como essa entre os principais nomes do Modernismo brasileiro são comentadas pelo professor Eduardo Jardim, ex-docente do Departamento de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, no artigo Apontamentos sobre o Modernismo, um dos ensaios que compõem o dossiê 100 Anos da Semana de Arte Moderna de 1922, publicado na nova edição da revista Estudos Avançados, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. Com 352 páginas, a nova edição da revista – de número 104 – traz ainda dois outros dossiês, que tratam da pesquisa na Universidade e dos 60 anos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a Fapesp (leia o texto abaixo). A publicação está disponível gratuitamente na plataforma Scielo.

Dez ensaios formam o dossiê sobre o centenário da Semana de 22. Um deles é A Reinvenção da Semana e o Mito da Descoberta do Brasil, assinado pelo professor Rafael Cardoso, docente colaborador do Programa de Pós-Graduação em História da Arte da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisador do Lateinamerika-Institut da Freie Universität Berlin, na Alemanha. Lembrando que, ao longo dos últimos 50 anos, a Semana de Arte Moderna virou “uma espécie de unanimidade intocável, quase sagrada”, ele destaca que aquele evento foi criticado já pelos primeiros modernistas – entre eles Mário de Andrade, que classificou a Semana como precipitada, divertida e “inútil”, e Oswaldo Costa, que na Revista de Antropofagia, em 1929, a considerou um “falso modernismo”. Sérgio Milliet, René Thiollier, Blaise Cendrars, Di Cavalcanti e  Yan de Almeida Prado foram outros nomes que, ao longo das décadas seguintes, criticaram o movimento. “Com tantas críticas e reparos vindos do seio do movimento, cabe a pergunta: em que momento se forjou o mito triunfal da Semana? É comum imaginar que isso só tenha ocorrido em torno das celebrações do cinquentenário em 1972, mas, na verdade, sua formulação intelectual é mais antiga”, escreve Cardoso.

Para o professor, “a narrativa heroica da Semana foi alicerçada nos anos finais do Estado Novo e elaborada, do modo que a conhecemos hoje, logo após o fim dele”. Citando o escritor Silviano Santiago, ele defende que as publicações Testamento de Uma Geração (1944) e Plataforma da Nova Geração (1945) foram decisivas para esse processo. Editados pela Livraria do Globo, de Porto Alegre, os livros são a compilação de inquéritos publicados pelo jornal O Estado de S. Paulo, que tiveram a participação de nomes destacados da intelectualidade brasileira. “Essa enquete representou uma troca consciente da guarda entre a geração de 1918, a que fez o Modernismo paulista, e aquela outra que viria a ser apelidada de Geração de 1945 – responsável não somente por enterrar os ossos da Semana, mas também por reinventar e consagrar sua história.”

Diferentes aspectos ligados à Semana de 1922 se encontram nos outros ensaios do dossiê 100 Anos da Semana de Arte Moderna de 1922. No artigo O Brasil e os Brasis de Mário de Andrade: O Fim do Turista Aprendiz?, o professor Pedro Duarte, do Departamento de Filosofia da PUC do Rio, descreve a ideia de Brasil de Mário de Andrade e avalia a sua atualidade. Baseando-se em Macunaíma e O Turista Aprendiz, de Mário de Andrade, Duarte expõe que o projeto de país concebido pelo escritor modernista, formulado por meio da arte, confiava na mistura étnica e cultural, levando em conta elementos não europeus da formação nacional. “Isso marcou o século 20. Contemporaneamente, porém, tal projeto imaginado foi posto em questão por sua dificuldade de realizar-se concretamente, crescendo a exigência de determinação de diferenças étnicas e culturais não misturadas, que permitam o enfrentamento político direto de injustiças e desigualdades do País.”

Já o professor Eduardo Coelho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em A Memória da Poesia Modernista, lembra que os modernistas brasileiros representam não apenas uma ruptura com a tradição, mas também uma continuidade, como revelam suas relações com a elite aristocrática do café – patrocinadora da Semana de Arte Moderna de 1922 – e com o Romantismo, especialmente o de José de Alencar. “A construção da memória modernista sobre o Brasil é um dos índices mais reveladores desse movimento ambivalente de ruptura e de continuidade com a tradição, destacando-se, nesse processo, o registro do histórico de violência do Brasil colonial, bem como a incorporação da fala brasileira por meio da literatura”, sustenta Coelho.

A relação do poeta João Cabral de Melo Neto com o Modernismo, a troca de correspondência entre Mário de Andrade e intelectuais paranaenses e cearenses, as vanguardas brasileiras e argentinas nos anos 20 e o pensamento de Mário de Andrade e do compositor Heitor Villa-Lobos nos anos anteriores à Semana são temas abordados em outros ensaios do dossiê, que traz ainda textos sobre o vestuário modernista brasileiro e a etnografia em Mário de Andrade.

Capa da nova edição da revista Estudos Avançados – Foto: Reprodução

Revista Estudos Avançados, número 104, dossiês 100 Anos da Semana de Arte Moderna de 1922, Universidade de Pesquisa e Fapesp 60 Anos, publicação do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, 352 páginas. A publicação está disponível gratuitamente na plataforma Scielo.

Universidade e Fapesp também são discutidas em dossiês

A pesquisa na universidade é discutida em três artigos na nova edição da revista Estudos Avançados – Foto: Divulgação

 

Além de abordar a Semana de 22, a nova edição da revista Estudos Avançados traz também os dossiês Universidade de Pesquisa e Fapesp 60 Anos. Cada um deles apresenta três artigos.

No dossiê Universidade de Pesquisa, o professor Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos de Política Econômica do Rio de Janeiro, apresenta “uma visão panorâmica do sistema brasileiro de pesquisa acadêmica e pós-graduação, baseada em dados provenientes de diversas fontes nacionais e internacionais”. No artigo, Schwartzman sustenta que pós-graduação e pesquisa não podem ser tratadas como duas faces da mesma moeda. “O atual sistema de pós-graduação regulada precisa ser revisto, tornando-o mais semelhante aos existentes em outras partes do mundo, com os cursos de mestrado mais próximos ao mercado de trabalho, e os investimentos públicos deveriam dar prioridade aos programas de doutorado e pesquisa de mais qualidade, em função de critérios mais estritos de qualidade e relevância.”

Em outro artigo do mesmo dossiê, o professor Caio Dantas, ex-pró-reitor de Graduação da USP, aborda a história da construção da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, em São Paulo, especialmente o período entre a fundação da USP, em 1934, e a década de 1960. Nesse período, escreve o professor, vários projetos foram elaborados, pautados pela integração entre as áreas do conhecimento, mas que resultaram num campus marcado pelo isolamento. O objetivo do artigo, ainda segundo Dantas, é “compreender por que foi abandonado o que havia sido estabelecido no decreto de fundação da USP, em especial no que diz respeito à promoção do ‘espírito universitário’ na construção do campus”.

Finalizando o dossiê Universidade de Pesquisa, os professores Vahan Agopyan, ex-reitor da USP, e Glauco Arbix, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, assinam um ensaio em que defendem que a universidade é o locus privilegiado para a formulação e o aperfeiçoamento de políticas públicas.

Já o dossiê Fapesp 60 Anos reúne os artigos 60 anos de Fapesp: Uma Política de Estado para o Desenvolvimento, de Marco Antonio Zago e José Roberto Drugowich de Felício, 60 Anos de Apoio à Ciência, de Jacques Marcovitch, e Uma Visão Pessoal da Fapesp nos Últimos 50 e Poucos Anos, de Hernán Chaimovich.

 


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