Desinformação e desigualdade social são temas de seminário on-line

Com participação de professor da Universidade de Virgínia, evento discute também as “tecnologias do oprimido”

 01/04/2022 - Publicado há 3 anos
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Edição feita por Jornal da USP com imagens de Pixabay e Flickr

A chegada das eleições provoca arrepios na memória. Lembramos de 2018, o aluvião de fake news – expressão bonita para uma palavra muito mais direta: mentira – e o buraco para o qual essa enxurrada de desinformação nos levou. Um pouco mais recentes no tempo, e tão assustadoras quanto, tivemos a campanha antivacina e a propaganda messiânica pela cloroquina. E não conseguimos esquecer também o terraplanismo, o kit gay, a Ursal…

É difícil escapar de todas as notícias fraudulentas que chegam em grupos de Whatsapp, publicações do Facebook, vídeos do Youtube. Exige algum traquejo e, antes de tudo, condições para suspeitar de informações esquisitas e discernir verdades e mentiras. E as desigualdades sociais afetam de maneira decisiva a possibilidade de enfrentar as fake news.

Reflexões sobre esse tema urgente compõem justamente o seminário on-line Desinformação, Desigualdades de Comunicação e Regulação, que acontece no dia 8 de abril. Promovido pelo grupo Jornalismo, Direito e Liberdade – ligado à Escola de Comunicações e Artes (ECA) e ao Instituto de Estudos Avançados (IEA), ambos da USP -, o evento terá a participação dos professores Dennis de Oliveira, da ECA, e David Nemer, da Universidade de Virgínia, autor do livro Tecnologia do Oprimido: Desigualdade e o Mundo Digital nas Favelas do Brasil.

De acordo com Vitor Blotta, professor da ECA e mediador do seminário, o acesso aos meios de comunicação – impressos, eletrônicos ou digitais – é um direito garantido por documentos como a Declaração dos Direitos Humanos e a Constituição brasileira. Entretanto, há uma série de entraves para a efetivação desse acesso.

Primeiramente, há o problema da infraestrutura tecnológica para garantir a inclusão digital, como o acesso à banda larga gratuita. O acesso ao sinal é o nível básico para se obter informação. Sua distribuição pelo País, entretanto, é bastante desigual.

Os professores David Nemer e Dennis de Oliveira, que vão participar do seminário, no dia 8 de abril – Foto: Reprodução/Twitter e IEA-USP

“Nós temos acesso à internet em grande parte do País, mas ele não é de qualidade e a maioria é voltada para a comunicação móvel. É um acesso muito limitado pelos planos feitos em parceria com empresas de tecnologia e telecomunicações.” É o caso dos planos de internet pré-pagos, que oferecem acesso ilimitado a aplicativos como Whatsapp e Facebook mas restringem a navegação em sites que possibilitariam a checagem de informações veiculadas nessas redes.

O professor Vitor Souza Lima Blotta – Foto: Arquivo pessoal

Outro desafio apontado por Blotta passa pela educação midiática. Uma questão, frisa o professor, que envolve uma defasagem estrutural, relacionada à desigualdade de formação da população. Essa desigualdade se reflete nas condições tanto para acessar e interagir com as mídias quanto para reagir criticamente a elas.

“Se pensarmos no sentido mais denso da questão, ela envolve o letramento digital e informacional, essa participação que se dá ao longo da vida no contexto da comunicação”, aponta Blotta. Uma esfera que não se dissocia do terceiro nó da relação entre desinformação e desigualdade: as condições para a participação na esfera de discussão pública.

Aqui entra em cena a educação política, uma educação voltada para a participação democrática em fóruns e espaços de troca de ideias e decisões. Conjugadas, educação midiática e política permitiriam o questionamento e a denúncia, não só de informações que circulam pelas redes, mas também de políticas públicas. Isso tudo, claro, desde que as condições tecnológicas de acesso estejam asseguradas.

Tecnologias do oprimido

Diante desse cenário de insuficiências no tratamento da questão pelo poder público, grupos historicamente marginalizados encontram suas próprias maneiras de reagir à desinformação, lançando mão do que David Nemer chama de “tecnologias do oprimido”, fazendo referência direta ao educador Paulo Freire. A produção de informação contextualizada e relacionada mais diretamente aos territórios locais é uma das estratégias relacionadas a essas tecnologias.

Um exemplo disso são as escolas de jornalismo periféricas, destaca Blotta. Essas escolas atuam como canais de produção de informação e narrativas que podem bloquear e oferecer conteúdo crítico contra informações que circulam de modo fraudulento. Elas podem ser úteis, prossegue o professor, em situações bastante comuns, como o surgimento de informações falsas em grupos de Whatsapp aparentemente confiáveis, tais quais grupos da igreja ou família.

“Vejo com muito interesse e alegria esses centros, lugares contra-hegemônicos, produzindo contranarrativas e problematizando questões clássicas do jornalismo, como o cumprimento de seus deveres éticos’’, aponta o professor.

Foto: Wikimedia Commons

Cenário eleitoral

Blotta não acredita que as eleições de 2022 serão uma repetição do que vimos em 2018. Por mais que as tecnologias do opressor – outro termo usado por David Nemer em seu trabalho – estejam procurando plataformas com baixa moderação de conteúdo, há um cerco maior em torno delas. Isso, contudo, não garante que os problemas deixarão de existir.

“Tudo está ainda no médio prazo”, indica o professor. “Treinamento de funcionários do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e canais de denúncia são muito bem-vindos, mas há a questão da punição para candidaturas que em alguma medida estão envolvidas em financiamento indevido de campanha por meio de empresas pagando por marketing digital. Ainda não existem normas duras, estão punindo muito indiretamente as empresas e não estão chegando nas plataformas ou nas candidaturas.”

O professor defende a proibição do impulsionamento de materiais eleitorais nas plataformas, por entender que ele gera abuso de poder econômico e constitui financiamento indireto das campanhas. “Se o financiamento é apenas público, ele não pode ser feito por impulsionamento.”

Seja no contexto eleitoral, seja nas fake news do dia a dia, Blotta acredita que cabe também às universidades um papel nessa batalha contra a desinformação. Segundo o professor, as plataformas, as instituições de ensino superior e outros centros de pesquisa precisam trabalhar em conjunto no aprimoramento da Inteligência Artificial para lidar com as informações fraudulentas.

“Só com a Inteligência Artificial conseguiremos fazer um trabalho mais eficiente de detecção de hubs de desinformação e trabalhar com a desmonetização desses canais. As plataformas são ainda muito reticentes em mostrar como fazem seus mapeamentos e as parcerias com as universidades deveriam avançar. Esse é um caminho forte para mostrar que somos contra a desinformação”, afirma Blotta.

O seminário on-line Desinformação, Desigualdades de Comunicação e Regulação acontece no dia dia 8 de abril, das 14 às 16 horas. Os interessados em participar deverão enviar inscrições com justificativa de interesse para o e-mail vitor.blotta@usp.br até o dia 7 de abril.


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