O violeiro, músico, compositor e professor da USP Ivan Vilela, considerado um dos principais pesquisadores da cultura popular e da viola caipira no País, é o curador e diretor musical da série Viola Paulista, que traça um mapa etnográfico do instrumento no Estado de São Paulo. O projeto do Selo Sesc, que começou em 2018, com o primeiro volume apresentando as múltiplas sonoridades desse instrumento, tem continuidade em 2021, com o lançamento do segundo volume, que reúne cinco EPs. Quatro deles já estão disponíveis nas plataformas de streaming e o último tem lançamento marcado para o próximo dia 17, quarta-feira. Cada disco dá voz a diferentes sotaques do instrumento no Estado e traz um retrato de músicos consagrados de regiões como Avaré, Bauru, Campinas, Piracicaba, São José do Rio Preto e Sorocaba.
O Viola Paulista – Volume II contempla 20 violeiros e violeiras com carreiras consolidadas no cenário musical, como Enúbio Queiroz, Zé Helder e Zeca Collares, ou ainda o multi-instrumentista Neymar Dias – que também transita no repertório clássico e transcreveu parte da obra original do compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750) para a viola caipira –, além das expoentes Adriana Farias e Juliana Andrade, que representam o crescente protagonismo feminino no universo da viola. Em texto de apresentação do álbum, Ivan Vilela – ligado ao Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP – afirma que esses “artistas de diversos segmentos musicais nos deixam claro que a força de elementos da cultura popular se renova nas mãos contemporâneas das violeiras e violeiros aqui presentes, certificando o caráter vivo e dinâmico das nossas tradições, uma marca da cultura do povo do Brasil”.
O projeto inicial do Sesc era produzir um disco com violeiros famosos do Estado de São Paulo, mas, a partir de sugestão de Ivan Vilela, o projeto foi ampliado. O primeiro disco reuniu os jovens e os velhos violeiros que não conseguiram reconhecimento pela carreira – como conta o professor ao Jornal da USP, diretamente de Portugal, onde está fazendo pesquisas sobre as relações sociais criadas por instrumentos de origem portuguesa (a viola e o cavaquinho) no Atlântico lusófono. E continua: “Agora, no Viola Paulista – Volume II temos os violeiros mais conhecidos, e pretendemos fazer um terceiro com gravações in loco de tocadores de roça, mas que está em suspenso por conta da pandemia”. A ideia, segundo ele, é construir uma “etnografia” da viola no Estado de São Paulo, embora muito reduzida. Como aponta Vilela, “o número de orquestras de violas no Estado ultrapassa 150, e se pensarmos que cada uma tem de 10 a 30 integrantes, esse número chega a milhares de tocadores, e por isso muitos acabam ficando de fora do projeto”.
O professor ainda conta que os artistas participantes produziram três músicas autorais, não para a escolha da melhor, mas para compor um disco que tivesse várias modalidades rítmicas, mostrando a diversidade que a viola abarca no cotidiano dos paulistas. “Tem desde gravações de música caipira até música erudita contemporânea, passando por rock”, explica. “É importante mostrar nessa etnografia o espaço que a viola ocupa hoje. Ela saiu daquele nicho mais restrito que era ligado à música rural, em que tinha muitas raízes, e agora está criando asas para voar”, diz. “A viola está ganhando mais espaço, e é importante o registro para o futuro, porque é uma fotografia do presente”, afirma.
O segundo volume
O primeiro EP do Viola Paulista – Volume II traz gravações de Adriana Farias, Arnaldo Freitas, da dupla Cláudio Lacerda e Rodrigo Zanc e de Levi Ramiro, e abrange as regiões de Bauru e São Carlos. O destaque fica por conta da participação da violeira, compositora e cantora Adriana Farias, última apresentadora do programa Viola, Minha Viola – atração que ficou no ar por 35 anos na TV Cultura –, interpretando sua composição Canto e Danço Catira, acompanhada pelo violão de João Bosco. Virtuoso do instrumento, integrante de orquestras de viola e músico acompanhador do Viola, Minha Viola, Arnaldo Freitas toca Amanara, que tem como característica a maneira mais caipira de se tocar viola.
No segundo EP estão tocadores de Campinas e Piracicaba Fernando Caselato, João Arruda, João Paulo Amaral e Zé Helder, que conciliam suas carreiras com a de professores em escolas de música. Eles se dedicam ao ensino da viola caipira, contribuindo para a formação de futuros músicos e a ampliação desse universo tradicional. Tido como um dos primeiros professores de conservatório de viola no Brasil, que começou ensinar o instrumento ainda nos anos 1990, Zé Helder vive atualmente na capital paulista, e faz um resgate de uma sonoridade caipira de tempos antigos em Do Oco da Viola ao Borralho do Fogão: a Moda Pós-Rural. Há dez anos morando em Campinas, onde é diretor e regente da Orquestra Filarmônica de Violas, João Paulo Amaral é professor de Viola na Escola de Música do Estado de São Paulo (Emesp) Tom Jobim, e na coletânea ele interpreta Linha Motriz, uma peça instrumental de sua autoria.
Nomes importantes do instrumento, como Ricardo Anastácio, Zeca Collares, Fernando Deghi e Ricardo Vignini, representantes de Sorocaba e região, estão no terceiro EP de Viola Caipira – Volume II. Isso é Bão Demais, de Ricardo Anastácio, é carregada da sonoridade caipira com raízes no tropeirismo. Professor e tocador de viola, o autor tem livros publicados sobre aspectos da cultura caipira e do nheengatu – língua com origem no tronco linguístico tupi-guarani e muito falada durante a formação do universo cultural caipira, tanto por indígenas como por não indígenas. O violeiro Zeca Collares, professor do Conservatório de Tatuí e conhecido por apresentar uma fusão entre a música de raiz brasileira, o jazz, o barroco e elementos contemporâneos, apresenta sua música Mirando a Mira. Já Fernando Deghi resgata a sonoridade dos violonistas paulistas dos anos 1950, e Ricardo Vignini trabalha a viola caipira na vertente do rock.
Enúbio Queiroz, Juliana Andrade, Fábio Miranda e Márcio Freitas, representantes de São José do Rio Preto, capital e Grande São Paulo, estão no quarto EP. Referência aos tocadores de música caipira em sua região, Enúbio Queiroz intercala a viola com o violão para interpretar sua composição instrumental Visões do Nordeste. Juliana Andrade, que ainda adolescente fez sua primeira apresentação na TV, interpreta a instrumental Ciumento, com ares de choro paulista. E, fechando o volume II de Viola Paulista, o quinto EP, que será lançado no dia 17, traz composições de Lauri da Viola, Wilson Teixeira, Neymar Dias e Júlio Santin.
Viola Paulista – Volume II, com curadoria e direção artística de Ivan Vilela, reúne 20 faixas, 16 delas já disponíveis, e outras quatro a partir do dia 17 de março, na plataforma do Sesc Digital.