“É por meio de seu antimodernismo que Graciliano mostra sua modernidade. Apesar de criticar veementemente a geração de 22, ele reconhece que sua geração só pode se expressar livremente por conta das quebras de paradigmas incitadas por ela”, reflete Salla. Em suas obras, Graciliano Ramos aborda o Brasil por uma perspectiva pouco explorada antes, como um intérprete do País. “Angústia, por exemplo, é um retrato da sociedade brasileira intelectual dos anos 30, que inclusive pode se associar ao crescimento da extrema direita no Brasil atualmente. É com acabamento artístico que Ramos leva o leitor a pensar o Brasil arcaico e como a modernização é modelada a partir de uma burguesia conservadora e da degradação das oligarquias, com um pano de fundo que foge do eixo predominante Rio-São Paulo”, comenta Salla.
Suas obras são emblemáticas para a literatura brasileira, em especial como veículo que coloca o Nordeste em evidência, do ponto de vista de alguém que viveu a realidade da região, e não da forma caricata e estereotipada que muitas vezes ganha espaço na literatura, como explica o professor. A modernidade de Graciliano Ramos também se revela por meio de seu uso do discurso indireto livre, que “esmiuça os pensamentos das personagens e realmente leva o leitor para dentro de sua psique”, diz. Vidas Secas, segundo Thiago Salla, ocupa um espaço muito importante na maquinaria discursiva brasileira, tocando em pontos fundamentais da sociedade brasileira de modo crítico e, ao mesmo tempo, humano, de uma forma pouco feita antes.
As obras Memórias do Cárcere (1953) e S. Bernardo (1934) ainda não foram trabalhadas pela editora, mas também são parte fundamental da literatura e cultura brasileiras, criticando as estruturas sociais e econômicas da época, em um contexto em que cresciam o Estado Novo de Getúlio Vargas e discursos autoritários. O primeiro, publicado postumamente, reconta seu período encarcerado em 1936, após ser acusado de ser um militante comunista e de ter apoiado a Intentona Comunista — uma tentativa de golpe ao governo de Getúlio Vargas em 1935. Já S. Bernardo gira em torno das memórias de Paulo Honório, um dono de fazenda amargurado, explicitando sua trajetória e transição de empregado para empregador. Por meio da narrativa, Ramos pinta um retrato da “desigualdade econômica e social de um país onde a posse de terra é sinônimo de poder absoluto”, conforme a sinopse do livro. Para o bem ou para o mal, quase um século depois, Graciliano continua atual. E isso diz muito, principalmente a respeito do Brasil.
O lançamento da Coleção Graciliano Ramos será realizado dia 18 de abril, quinta-feira, às 19h, no Auditório István Jancsó da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da USP (Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária). Entrada grátis.