Resíduo de acerola é alternativa sustentável para conservação de alimentos

Processo usa compostos ativos de resíduos da acerola para evitar degradação de frutas e aumenta em até sete dias a vida útil de goiabas

 07/01/2022 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 17/06/2024 às 12:18
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Alimentos – Foto: Freepik

 

Seja por esquecimento ou mau planejamento, é comum o descarte de alimentos causado pelos processos naturais de amadurecimento e deterioração. Para retardar esses processos, a refrigeração e o controle da umidade são alguns dos recursos. Agora, uma pesquisa em andamento na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP oferece mais uma opção para a conservação: resíduos da polpa de acerola que seriam descartados pela indústria.

Trata-se do trabalho de mestrado, continuado no doutorado, de Natalia Cristina da Silva, orientado pela professora Milena Martelli Tosi em colaboração com Odílio Benedito Garrido de Assis, pesquisador da Embrapa Instrumentação em São Carlos. A pesquisa é desenvolvida junto ao Laboratório de Encapsulação e Alimentos Funcionais (LEnAlis) da FZEA.

Em sua dissertação de mestrado, Natalia estudou o aproveitamento de resíduos da extração de polpa de acerola para produzir coberturas ativas e melhorar a conservação de goiabas. O foco da pesquisa foi a obtenção e preservação de compostos ativos desses resíduos através de uma técnica mais eficiente e sustentável do que a utilizada atualmente. Em seu doutorado, a técnica vem sendo aprimorada e outras propriedades têm sido estudadas sobre a cobertura produzida.

Compostos fenólicos

O Brasil é o maior produtor mundial de acerola, uma fruta com alta composição nutricional, fonte de vitaminas e minerais. A acerola, entretanto, é altamente perecível. Por isso, seu processamento em polpas e outros derivados é uma das estratégias mais comum para levar a fruta à população. O processo, contudo, gera até 40% de resíduos, como cascas e sementes que são descartadas no processo.

Mas esses resíduos são ricos em nutrientes como proteínas, lipídios, carboidratos, fibras, vitamina C e compostos fenólicos. Estes últimos reúnem, dentre suas propriedades, atividades anti-inflamatória e antioxidante, além de atuar na prevenção de doenças cardiovasculares, certos tipos de câncer ou distúrbios neurodegenerativos. Foram exatamente esses compostos que receberam atenção na pesquisa, especialmente por sua propriedade antioxidante, o que os tornam apropriados na conservação dos alimentos.

Um dos desafios para o emprego dos compostos fenólicos é sua rápida degradação no ambiente. Para que seja viável sua utilização, torna-se necessário a encapsulação dos ativos em uma matriz polimérica, uma técnica que consiste em isolar o conteúdo no interior da matriz, evitando, dessa forma, sua degradação. Na pesquisa desenvolvida no LEnAlis, a matriz utilizada foi a quitosana, um polissacarídeo obtido da casca de crustáceos, que é capaz de se ligar a outros compostos e formar partículas.

Usualmente, para a extração de compostos fenólicos é necessário a utilização de solventes orgânicos, como o etanol, metanol, acetona, entre outros, que agem separando os compostos da sua matriz de origem. Mas esse é um processo caro, demorado e que pode degradar os compostos, já que requer altas temperaturas para separá-los do solvente extrator. Além disso, resíduos líquidos e tóxicos são gerados no processo.

 

A pesquisa desenvolvida por Natalia procurou uma alternativa ao uso do etanol e os demais solventes. Para isso, a própria solução polimérica de quitosana foi utilizada como meio de extração dos compostos fenólicos dos resíduos da acerola.

No processo, a quitosana, um composto originariamente em pó, foi solubilizado em uma solução de ácido acético diluída. Para promover a extração dos ativos, foi empregado um processo de extração denominado “sonicação”, que utiliza um ultrassom de ponteira. Neste método, a extração dos compostos fenólicos acontece no mesmo meio do encapsulamento.

Após a obtenção do extrato de quitosana com os compostos de interesse, um segundo composto é adicionado para que a encapsulação seja efetivada, através de um processo conhecido como “gelificação iônica”, no qual partículas em escala nanométrica são obtidas. Além de evitar o uso do etanol o processo economiza reagentes, é mais rápido, não gera resíduos e extrai uma quantidade maior ou equivalente de compostos fenólicos do que a técnica convencional.

Conforme explicam as pesquisadoras, esse não é o primeiro experimento de encapsulação de compostos ativos, mas o primeiro método a usar a quitosana, aliada ao ultrassom de ponteira, como técnica de extração para simplificar a encapsulação dos compostos fenólicos. Foi esse pioneirismo que garantiu à professora e à orientanda o depósito de uma patente pela pesquisa (nº.BR 10 2021 011708 7).

Conservação de alimentos

Obtida a solução de nanopartículas de quitosana contendo compostos fenólicos da acerola encapsulados, as pesquisadoras passaram então aos testes com as goiabas. A aplicação da solução na casca das frutas aconteceu na Embrapa Instrumentação, sob a supervisão de Assis e a colaboração da então doutoranda Taís Téo de Barros-Alexandrino. Com o processo, uma barreira entre a superfície da fruta e o ambiente é formada, reduzindo as trocas gasosas com o meio. O resultado disso é o aumento do tempo de vida útil da goiaba, preservando suas características físicas e sensoriais.

Para testar a eficácia da solução obtida, Natalia realizou cinco experimentos. Um com frutas sem nenhum recobrimento, outro com quitosana pura, outro com nanopartículas de quitosana – estes dois processos já bastante conhecidos – outro com quitosana com compostos fenólicos e o último com nanopartículas de quitosana com os compostos fenólicos encapsulados.

Milena (no centro) e Natalia (segunda da esquerda para a direita) junto da equipe do LenAlis e do equipamento utilizado no experimento – Foto: Luiz Prado

 

Monitorando a cor, a perda de massa e a firmeza das goiabas, as pesquisadoras constataram que a preservação da fruta é potencializada com o uso de nanopartículas de quitosana com compostos fenólicos encapsulados depositados em suas superfícies. As frutas amadureceram mais lentamente e suas características físicas foram preservadas por mais tempo. Em média, o ganho foi de quatro dias em relação às frutas recobertas com as nanopartículas de quitosana sem os ativos, e de sete dias em relação às frutas sem nenhuma cobertura, quando armazenadas em temperatura ambiente.

Segundo Milena, as próximas etapas da pesquisa já estão em desenvolvimento no doutorado de Natalia e envolvem testes de concentração de resíduos e de quitosana, a identificação dos compostos fenólicos e a análise de sua atividade antimicrobiana. Além disso, será estudada a viabilidade econômica do processo. Além da Embrapa, o projeto conta com a colaboração do professor Severino Matias de Alencar, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. O trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e com apoio financeiro da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de SP (processo n. 2019/23171-1).

Mais informações: e-mail natalia.cristina.silva@usp.br, com Natalia Cristina Silva ou mmartelli@usp.br, com a professora Milena Martelli Tosi.


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