Pneumologista ainda acredita na vitória da ciência para o tratamento da covid-19

O médico Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), acredita que haverá bom senso do Ministério da Saúde para adotar normas com bases científicas para tratar a covid-19. Enfático, ele diz: “Não me considero vencido”!

 25/02/2022 – Publicado há 3 anos     Atualizado: 03/03/2022 às 13:57

O pneumologista Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho comanda a UTI Respiratória do Incor, criada por ele há 40 anos – Foto: Marcos Santos/Reprodução

Em meio a uma pandemia que já dura dois anos, o governo brasileiro ainda não tem uma recomendação oficial com um conjunto de procedimentos de como tratar pacientes de covid-19. Mas o conhecimento para tal existe! A prova disso está nos protocolos de tratamento desenvolvidos pelo professor Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), e por um grupo de especialistas por ele coordenado. “É um conjunto de recomendações sobre como os profissionais de saúde devem atuar no atendimento a pacientes com covid-19, desde a internação até a alta”, descreve o médico, destacando que o grupo congrega professores das melhores universidades do País. Em março do ano passado, Carvalho recebeu o convite do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para assumir uma espécie de “secretaria especial” para o combate à covid-19. “Foi numa visita que ele fez ao Complexo do HC. Eu não conhecia o ministro. Disse a ele que não poderia aceitar o convite devido a diversos compromissos aqui em São Paulo, mas me coloquei à disposição para auxiliar da melhor forma possível”, conta Carvalho ao Jornal da USP.

 Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho, aos 68 anos, possui uma história respeitável à frente da Divisão de Pneumologia do Incor – Foto: Marcos Santos/Reprodução

Meses depois, em julho de 2021, o então secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, solicitou a Carvalho um protocolo de tratamento ambulatorial para a covid-19. O protocolo contendo as diretrizes de tratamento foi aprovado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).

Mesmo considerando toda essa situação como “absurda”, Carvalho diz: “Não me considero vencido!”

Mas a reviravolta veio em janeiro deste ano, quando Angotti divulgou um extenso documento que continha uma nota técnica comparando tecnologias de combate à doença e citando a hidroxicloroquina como eficaz e segura. A mesma nota dizia que as vacinas não eram “nem eficazes nem seguras”. Dias depois, ainda em janeiro (24), Angotti assinou uma nova versão do documento retirando a nota técnica, mas citando que as recomendações elaboradas pelo grupo coordenado por Carvalho careciam de comprovações científicas.

A reação

No último dia 4 de fevereiro, Carvalho apresentou um recurso administrativo contra a decisão ministerial de não dar publicidade oficial às diretrizes elaboradas por sua equipe e aprovadas pela Conitec. O recurso também contém recomendações contra a prescrição do “kit covid” a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Em nova reviravolta, desde o dia 16, Angotti não é mais o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde. Ele foi designado a assumir a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, no lugar de Mayra Pinheiro. Para o lugar de Angotti, assumiu a diretora do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos, Sandra de Castro Barros. Como ressalta Carvalho, “enquanto Angotti ‘caiu pra cima’ a decisão ‘caiu no colo de Queiroga’”. O médico da FMUSP acredita que o ministro da Saúde aprove o documento. “Confio que ele honre o compromisso. Afinal, Queiroga tem um histórico respeitável”, destaca Carvalho.

Chegamos a ‘pilotar’ 20 UTIs monitorando uma média de 500 pacientes por dia

Mesmo considerando tudo “muito desgastante”, Carvalho mostra a mesma disposição de seus tempos de residente do curso de Medicina da FMUSP. “Nossa equipe se reuniu quase que diariamente, mesmo em finais de semana. E tudo isso de forma voluntária e em prol da população”, destaca o médico. Mesmo considerando toda essa situação como “absurda”, Carvalho diz: “Não me considero vencido!”.

A história

O que levou Carvalho a ser convidado por Marcelo Queiroga para colaborar com o Ministério da Saúde foi a sua respeitável história e desempenho à frente da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da FMUSP. Lá, ele comanda a UTI Respiratória, criada por ele mesmo há cerca de 40 anos.

 Fachada do Incor HCFMUSP – Foto: USP Imagens/Reprodução

Ele lembra do primeiro caso de covid-19 no Hospital Albert Einstein, em fevereiro de 2020. Em março daquele ano, foram iniciados os preparos na UTI do HC. “Foi quando fizemos diversas interlocuções com profissionais de quase todo o mundo sobre a utilização de protocolos específicos contendo procedimentos para o tratamento da doença”, conta. Esses procedimentos foram então apresentados à Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo e passaram a ser oficiais no Estado. “Desenvolvemos até um aplicativo para celular gratuito que apresentava o protocolo de ventilação mecânica para o tratamento da doença”, destaca Carvalho. “Chegamos a ‘pilotar’ 20 UTIs monitorando uma média de 500 pacientes por dia.”

UTI é para quem gosta de emoções. Imagine você ter de atender dez leitos em emergências. Eu ficava muitas vezes sozinho como responsável pelo plantão

A experiência de Carvalho em UTI vem desde sua luta para a instalação de uma UTI em pneumologia, ainda nos tempos de sua residência médica. “A Pneumologia não tinha UTI. Em 1979, eu e meu colega Alexandre de Oliveira Ribeiro abrimos uma UTI respiratória”, recorda-se. Nesta primeira investida, Carvalho estava no segundo ano de sua residência médica. Contudo, a unidade passou por problemas e foi fechada algumas vezes, até que em 1982 a UTI foi reaberta e não mais fechou. “Alexandre morreu há dois anos”, lamenta Carvalho.

Em toda essa história, Carvalho sobrevivia com a bolsa de residência médica e com ganhos obtidos em plantões nos finais de semana em hospitais privados. “Entrava no sábado à noite e deixava o plantão no domingo, também à noite. Eram cerca de 70 a 80 horas semanais de trabalho”, contabiliza o médico. E foi depois do sexto ano do curso de Medicina que Carvalho optou por especializar-se em Terapia Intensiva. Ele sempre considerou aquela “adrenalina” interessante. “UTI é para quem gosta de emoções. Imagine você ter de atender dez leitos em emergências. Eu ficava muitas vezes sozinho como responsável pelo plantão”, lembra.

Na década de 1990, Carvalho e seu colega Marcelo Amato foram os pioneiros num estudo que ganhou o mundo. “Em 1995 fui orientador de Marcelo em sua tese de doutorado, que trazia inovações na ventilação mecânica aplicada em pacientes que necessitavam do procedimento”, conta. O título da pesquisa é Uma nova abordagem de ventilação mecânica na S.D.R.A.: efeitos sobre a função pulmonar e mortalidade. Carvalho lembra que somente em 1998 foi publicado o artigo científico no The New England Journal of Medicine. “Demorou para que os revisores se convencessem de que alguns ‘malucos’ e desconhecidos aqui do Brasil tivessem desenvolvido uma técnica de ventilação tão eficiente”, recorda. O fato é que a doença conhecida como Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) passou a ter uma técnica de tratamento que foi adotada como padrão em todo o mundo.

Aposentadoria?

Os papéis da aposentadoria de Carvalho estão engavetados por enquanto. Seria hora? “Pretendo me aposentar antes de atingir a idade compulsória.” As contas para se aposentar começaram a ser feitas em 2019, após, em 2018, ter passado por um problema de saúde, uma dissecção de aorta, que o afastou por quatro meses de suas atividades.

Carvalho considera a “adrenalina” de uma UTI como interessante e para quem gosta de emoções – Foto: Marcos Santos/Reprodução

Carvalho trabalha desde os 13 anos, quando seu pai João Fernandes de Carvalho conseguiu para ele um emprego de office-boy. “Ele achava que eu precisava aprender a me virar”, lembra. Das memórias da infância, o médico, que sempre residiu na capital paulista, fala do período em que residiu na Avenida Doutor Ricardo Jafet, ainda sem asfalto e às margens do Rio Ipiranga, no bairro do mesmo nome. “Aconteciam as enchentes e aquilo para nós era uma diversão! Quebrava a rotina e eu adorava ajudar os vizinhos a mudar os móveis de lugar”. O garoto Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho tinha então entre 7 e 8 anos. Sequer imaginava um futuro na medicina.

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Mas ele lembra quando, aos 3 ou 4 anos, viu sua mãe, dona Dulce Ribeiro de Carvalho, deitada numa cama, acometida por uma grave doença. “Eu ficava ‘pendurado’ no lençol e brincava dizendo a ela que ia ser médico para curá-la”. Apesar dessa “profecia” de criança, o interesse de fato pela medicina surgiu quando um primo, Natanael Ribeiro de Melo, vindo de Uberaba, ficou hospedado em sua casa para estudar Medicina na USP. “Isso aconteceu nos anos 1960. Comecei a frequentar, junto com Natanael, a Atlética da Medicina. Já em 1971, prestei meu primeiro vestibular para o curso de Medicina. Reprovado, tentei novamente no ano seguinte, quando fui aprovado e ingressei na faculdade.”

Carvalho tem uma irmã chamada Mirtes. “Minha mãe teve sete gravidezes, mas somente eu e ela ‘vingamos’. Sou o caçula da família”, diz o esposo de Heloisa Andrade Carvalho, também médica e professora livre-docente de Radioterapia no Instituto de Radiologia do HCFMUSP. E a medicina segue na família com a filha Luciana, que é psiquiatra. Paula, a outra filha, preferiu a comunicação. Formou-se em Jornalismo e em História.


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