Pesquisa propõe indicadores para sistemas de logística reversa de eletroeletrônicos no Brasil

Os indicadores de monitoramento vão ajudar órgãos ambientais a avaliar o cumprimento da responsabilidade do setor produtivo quanto à coleta e destinação adequada dos resíduos eletroeletrônicos descartados, por meio de sistemas de logística reversa

 Publicado: 25/07/2024

Arte: Olívia Rueda*

Foto: Freepik                    

Em 2022, o Brasil produziu 2,4 milhões de toneladas de resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos (REEE). Os números são do Instituto das Nações Unidas para Formação e Pesquisa (Unitar) e incluem itens como pilhas, baterias, lâmpadas fluorescentes, computadores, refrigeradores, secadores de cabelo e celulares. Uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP propõe indicadores de monitoramento para que órgãos ambientais brasileiros possam avaliar ações e programas de logística reversa, legislações que exigem que fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de equipamentos elétricos e eletrônicos (EEE) implantem sistemas para a coleta e destinação adequada dos resíduos gerados por seus produtos.

De acordo com o estudo, a maioria dos equipamentos descartados no País é coletada junto com os resíduos sólidos e enviada para aterros sanitários ou lixões. As substâncias tóxicas e metais pesados podem contaminar o solo, a água e os alimentos, prejudicando o meio ambiente e a saúde humana. Além disso, a recuperação de minerais como ouro, cobre, prata, zinco e estanho desses resíduos apresenta um potencial econômico. “Esses fatores indicam a necessidade de soluções integradas para promover a gestão eficiente dos resíduos como sistemas de logística reversa”, relata Raissa Silva de Carvalho Pereira em sua pesquisa.

A engenheira ambiental explica que, para que a logística reversa de resíduos eletroeletrônicos seja efetiva, é necessário não somente o investimento por parte dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, mas a governança e gestão pelo poder público, além do engajamento dos consumidores. “Daí a importância de promover, por meio do uso de indicadores, a transparência das informações sobre o desempenho dos sistemas de logística reversa e o controle social”, diz.

Os resultados desse trabalho fizeram parte da dissertação Logística Reversa de Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos: Proposta de Indicadores de Monitoramento para Órgãos Ambientais, defendida na FSP por Raissa Silva de Carvalho Pereira, sob a orientação da professora Wanda Maria Risso Günther.

Raissa Silva de Carvalho Pereira (autora da pesquisa) - Foto: arquivo pessoal

Indicadores

Os indicadores propostos pela pesquisa para avaliar a aplicação ou a efetividade da gestão de resíduos de eletroeletrônicos (REEE) foram baseados em estudos bibliográficos e na avaliação de indicadores e modelos de gestão de REEE, além de sistemas de logística reversa de países da Europa, do Japão e de duas entidades gestoras do Brasil. Raissa Pereira fez uma análise comparativa dos conjuntos de indicadores para que, a partir desses e dos encontrados na literatura, fosse obtida uma proposta que poderia ser aplicada aos sistemas de logística reversa brasileiros.

O conjunto sugerido incluiu cinco parâmetros básicos e 31 indicadores, agrupados em seis dimensões:

  • Abrangência geográfica: refere-se à quantidade de municípios atendidos, onde há pontos de coletas itinerantes ou domiciliares;
  • Representatividade: empresas participantes que fabricam ou importam equipamentos eletroeletrônicos;
  • Parcerias: distribuidores, comerciantes, prefeituras e cooperativas de catadores;
  • Coleta:  refere-se à quantidade coletada de resíduos;
  • Destinação e disposição final dos resíduos: quantidade de material destinado à reutilização/exportação/reciclagem/aterros e destinação adequada de resíduos perigosos e gases;
  • Custos e investimentos: custos por peso de REEE coletado e investimentos em ações de comunicação, divulgação e pesquisas.

Segundo a pesquisadora, as três primeiras dimensões são estratégicas e mensuram variáveis que impactam os resultados do sistema de logística reversa de eletroeletrônicos, como a quantidade coletada de resíduos, a destinação adequada, as categorias de eletroeletrônicos abrangidas, os pontos de coleta, municípios atendidos e a participação dos atores da cadeia produtiva e das parcerias estabelecidas. As três últimas dimensões são operacionais e focam no fluxo de coleta e na destinação dos eletroeletrônicos, além de avaliar o desempenho técnico, econômico e ambiental do sistema.

Economia circular/novo padrão produtivo

Raissa diz que a implementação de políticas públicas de responsabilização do setor produtivo pela gestão adequada dos resíduos, alinhada ao conceito de economia circular, tem sido destaque internacional, especialmente em países da Europa e o Japão. O conceito prevê o retorno dos resíduos ao ciclo produtivo, interrompe a lógica do descarte e instaura um novo padrão de produção a partir do desenvolvimento de produtos que utilizem menos matérias-primas virgens e menos substâncias perigosas.

No Brasil, o tema ganhou relevância com a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em 2010, mas a efetivação dessa legislação variou entre os estados brasileiros, relata a pesquisadora. São Paulo se destacou pelo pioneirismo ao introduzir, já em 2006, uma Política Estadual de Resíduos Sólidos (PERS), além de adotar estratégias complementares às iniciativas federais, o que incluiu a implementação de regulamentações específicas e a celebração de acordos e termos de compromisso com o setor privado.

A legislação nacional estabelece responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, determinando que fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes são responsáveis por estruturar e implementar sistemas de logística reversa (SLR) para retorno de seus produtos e ou embalagens após o uso pelos consumidores.

Segundo a engenheira ambiental, houve avanços significativos na implementação da logística reversa paulista, principalmente nos últimos anos. “De 2018 a 2021, o número total de pontos de entrega de resíduos eletroeletrônicos aumentou em 37,4 vezes e a quantidade de resíduos coletados quase quadruplicou.”

Em 2018, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) incluiu um adendo à lei, vinculando a emissão ou a renovação de licenças ambientais para fabricantes, importadoras, distribuidoras e comerciantes de eletroeletrônicos ao cumprimento das obrigações de estruturação e implementação de sistemas de logística reversa.

De acordo com Raissa, “após esse avanço regulatório, houve aumento nas metas de coleta dos resíduos e no número de empresas participantes, o que revela a importância dos mecanismos de fiscalização para a efetividade dos resultados de logística reversa”, declara.

A professora Wanda Günther enfatiza a relevância de desenvolver pesquisas acadêmicas que atendam às demandas das políticas públicas ambientais em desenvolvimento no Brasil. Ela destaca que os indicadores propostos para instrumentalizar políticas públicas ambientais em São Paulo, com potencial de replicação nacional, são essenciais para orientar o planejamento, monitoramento e avaliação da implementação da logística reversa de resíduos eletroeletrônicos. “Essas iniciativas também são fundamentais para promover a transição para a economia circular”, diz.

Mais informações, Raissa Silva de Carvalho Pereira, e-mail raissascp@gmail.com e Wanda Maria Risso Günther, e-mail wgunther@usp.br

*Estagiária supervisionada por Moisés Dorado


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.