“Certas questões no ambiente acadêmico devem ser consideradas quando pensamos em promover a interdisciplinaridade. Há uma decisão política a ser tomada pelas agências de fomento. Financie aqueles que desejam trabalhar junto com quem não pertence às ciências naturais. Daí, então, teremos um novo mundo.” O comentário do cronobiólogo Till Roenneberg fechou a conferência Por que a Ciência Precisa Ir Além da Interdisciplinaridade, promovida pelo IEA no dia 19 de julho.
Com formação em medicina, biologia e estudos na área da física, Roenneberg mostra preocupação ao falar da falta de comunicação e de conhecimento mútuo entre as ciências naturais e as humanidades. “Todo o ressentimento e a arrogância entre os campos disciplinares só têm trazido confusão. Sabemos que devemos começar a conversar. A filosofia e a ciência estavam juntas no começo, mas depois se separaram. Precisamos voltar ao início, às perguntas básicas”, disse.
Nós só nos conhecemos através da crítica dos outros. Então se nos livrarmos das ciências humanas, como muitas universidades estão fazendo, os cientistas naturais irão aumentar a ignorância sobre aquilo que estão fazendo”.
Lamentou o fato de muitos humanistas não terem conhecimento sobre questões cruciais da biologia, como os avanços da biologia molecular e a evolução dos seres vivos, por exemplo. “Infelizmente, sem um conhecimento mínimo sobre a importância de tudo isso não dá para construir críticas a respeito. As ciências biológicas hoje dominam a ciência e, portanto, devemos entender esse campo se quisermos colocar seus cientistas no lugar onde deveriam estar”, disse.
Precisamos das humanidades de volta ao barco da ciência, mas não da forma como está acontecendo atualmente. Ela tem de ser mais comunicativa e mais crítica em relação às outras áreas.
Professor e vice-presidente do Instituto de Psicologia Médica da Universidade Ludwig-Maximilians, na Alemanha, Roenneberg diz que o termo interdisciplinaridade não tem sido usado adequadamente.
“A palavra me faz lembrar o Atomium de Bruxelas, em que as esferas estão ligadas umas às outras, mas nada acontece. É como se estivéssemos de mãos dadas, mas sem sairmos do lugar. Gosto de pensar em interdisciplinaridade quando penso no que as bactérias fazem. Elas trocam informações e de fato se contagiam. Temos de mudar essa palavra se esperamos algo mais da interdisciplinaridade. Temos de pensar numa fusão de conhecimento”, disse.
Mas a fusão de saberes que o biólogo propõe não significaria o abandono dos campos disciplinares. “Não é possível todos serem puramente interdisciplinares, pois isso resultaria em ciência ruim. Acredito que todos devem ter suas especialidades, mas também saber compreender e interagir com outros campos”, afirma.
Roenneberg é discípulo do físico, biólogo e fisiologista Jürgen Walther Ludwig Aschoff (1913 – 1998), um dos fundadores da cronobiologia, que estuda o ritmo circadiano, também chamado de relógio biológico ou ciclo circadiano. Trata-se do período de aproximadamente 24 horas sobre o qual se baseia o ciclo biológico de quase todos os seres vivos. Portanto, é um ciclo influenciado pelas variações de luz, temperatura, marés e ventos entre o dia e a noite.
O conferencista passou duas semanas no Brasil desenvolvendo atividades relacionadas a uma pesquisa sobre a qualidade do sono em quilombolas. Os estudos deverão abranger comunidades remotas em diversos Estados brasileiros. O objetivo é aprofundar os achados sobre a influência do ambiente externo e da luz artificial na qualidade do sono.
Segundo o cientista, o homem moderno vive com pouca luz durante o dia ao ficar trancado nos escritórios e exposto a muitos estímulos à noite devido à luz artificial. Isso não só altera a qualidade do sono, como produz o que ele chama de “jet lag social”, ou um desgaste físico e mental provocado pelo desacordo entre o relógio biológico e o relógio social. Os distúrbios do sono são responsáveis por grande parte das doenças da modernidade. “As pessoas fumam mais, bebem mais café, sofrem mais de depressão, de ansiedade, de problemas metabólicos e diabetes”, disse.
Sobre ciência, gênero e cérebro
Na conferência no IEA, Roenneberg retomou os temas que discutiu durante os workshops In Search of Interdisciplinary Dialogue, promovidos pelo Waseda Institute of Advanced Studies (WIAS) da Waseda University, no Japão, realizados no dia 14 de março, em Tóquio, durante a segunda fase da Intercontinental Academia.
Lembrou que independentemente da “caixa de conhecimento” ou área de que tratarmos, todo o empreendimento acadêmico diz respeito aos seres humanos. De um lado temos o Holocausto, a bomba atômica, Fukushima, os eventos terroristas de 2011 e, de outro, a penicilina, a abolição da escravidão, a igualdade de direitos, as células fotovoltaicas, a imunização, enfim, coisas boas e ruins. “Então todos os produtos de cada uma das disciplinas que conhecemos terão impacto sobre os seres humanos. Por isso, a ciência precisa estar sempre atenta para o rumo que está tomando e parece que ultimamente não temos dada a devida atenção a isto”, disse.
Entender os fenômenos produzidos pela ciência requer um tipo de pensamento “fora da caixinha”, disse. “O que existe de central em tudo o que fazemos é o nosso cérebro. Ele é o microscópio, o princípio do nosso pensamento. O mundo é cheio de dados e tudo é processado no nosso cérebro conforme nossas experiências pessoais.”
A reflexão sobre os rumos da ciência leva a um questionamento sobre os atores que comandam a ciência. O entendimento do mundo é feito pelo cérebro e a ciência é dominada por cérebros masculinos, lembrou.
A questão de gênero e equidade é pertinente porque toda a ciência, de modo geral, tem sido feita por homens, disse. “E homens gostam de brinquedos grandes e caros. Talvez isso explique nossa tendência a investir em máquinas grandes e caras. Mas desta forma iremos produzir cada vez mais dados que ainda não somos capazes de analisar adequadamente. Portanto, deveríamos investir em cérebros jovens capazes de inventar algoritmos e estratégias matemáticas inteligentes que nos permitam analisar redes de genes, redes de células do cérebro ou outros elementos interativos. O cérebro é o instrumento mais interativo que existe”, disse.
Roenneberg comparou o comportamento do brasileiro com a atitude de cientistas que insistem em se manter em sua zona de conforto. “Não entendo por que esse enorme país se recusa a falar inglês. Fui a um grande banco e tive dificuldades porque nem o gerente falava inglês. Muitos até sabem, mas são tímidos, não querem sair da zona de conforto porque isso gera angústia. As pessoas em geral e os cientistas precisam sair da zona de conforto e ter coragem de cometer erros”, disse.
Sylvia Miguel/Divisão de Comunicação do IEA