

“Compreender correlações dessa dinâmica é fundamental, uma vez que a obesidade é um fator de risco para reincidência de vários tipos de cânceres, inclusive o de mama, além de contribuir para o agravamento da covid-19”, explica ao Jornal da USP Patricia Chakur Brum, professora de Fisiologia do Exercício do Departamento de Biodinâmica, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP e coordenadora da pesquisa.
Os resultados encontrados confirmam outros estudos da área que mostram que o distanciamento social aumentou a inatividade física e o comportamento sedentário entre a população em geral e, de forma mais profunda, entre as pessoas com risco aumentado, como idosos e pessoas que possuem doenças crônicas não transmissíveis.
“A inatividade física pode exacerbar comorbidades entre idosos, incluindo doenças cardiovasculares, câncer e respostas inflamatórias disfuncionais”, exemplifica.
A professora Patrícia, juntamente com uma equipe de pesquisadores, orientandos e profissionais da EEFE, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), do Instituto Lucy Montoro e do Centro de Práticas Esportivas (Cepeusp) da USP, realizaram um estudo de acompanhamento de 41 mulheres que passaram pelo tratamento do câncer de mama pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no Icesp, e que, depois de reabilitadas, começam a remar na Raia Olímpica da USP.
O grupo Remama, como é conhecido, desde 2013 acolhe mulheres nessas condições, mantendo-as ativas de forma que encontrem novas perspectivas de vida após terem passado pelo câncer. Muitas fizeram mastectomia (retirada parcial ou total das mamas), quimioterapia e/ou radioterapia. A monitoria e a supervisão do grupo são realizadas por profissionais de educação física e professores da USP. Além de se manterem ativas remando duas vezes por semana na raia, elas levantam a bandeira da prevenção do câncer de mama (feito por meio da realização de exames periódicos).
Elas foram convidadas a participar da pesquisa de inquérito sobre o impacto da pandemia nos níveis de atividade física na remissão do câncer de mama. Das 41 mulheres, 37 responderam aos questionários da pesquisa. A média de idade das voluntárias é de 57 anos. Vinte e duas (59%) relataram aumento de massa corporal e os sintomas mais apontados foram dor de cabeça, mialgia, tosse e dor de garganta. Embora três remadoras tenham sido hospitalizadas, nenhuma desenvolveu complicações graves da doença, relata Aline Rachel Bezerra Gurgel, primeira autora do artigo e pesquisadora visitante do Laboratório de Fisiologia Celular e Molecular do Exercício da EEFE.
Segundo Aline, o único fator associado à dificuldade de se manterem fisicamente ativas e de engajamento nas atividades foi o fato de algumas delas terem realizado mais de três tratamentos contra o câncer – cirurgia, quimio e radioterapia. As mulheres submetidas a esses procedimentos encontraram mais dificuldades em manter os níveis de atividade física preconizados pela Organização Mundial da Saúde (pelo menos 150 minutos de atividade de intensidade moderada por semana).
A partir desse dado, Aline explica que é possível fazer uma correlação entre a dificuldade que elas encontraram e os efeitos colaterais de longo prazo da terapia do câncer, que incluem a fadiga, a insônia e o linfedema (inchaço dos braços), dentre outros.

Para as remadoras, o desestímulo veio da perda do contato com as colegas, mulheres que vivem condições idênticas de enfrentamento da neoplasia, da falta do ambiente agradável e do ar livre que a Raia Olímpica lhes proporcionava, e da inexistência de supervisão dos exercícios físicos, além, claro, dos aspectos negativos que a pandemia lhes impunha: o desemprego, a perda de renda (a maioria das mulheres era autônoma), o distanciamento físico, as incertezas e o risco de contaminação por um vírus sobre o qual ainda se conhece muito pouco.
Para a infectologista Anna Sara Levin, professora do Departamento de Infectologia e coordenadora do Grupo de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o nível de exposição ao SARS-CoV-2 que as mulheres, em potencial, enfrentaram durante a pandemia foi um dos fatores que poderiam ter levado à doença. E, de fato, no auge da pandemia, em julho, agosto e setembro, 60% das mulheres estavam usando transporte público para ir ao trabalho e garantir a renda familiar, diz o estudo.
O fato de elas estarem mais expostas ao vírus pelo uso do transporte público poderia impactar no índice de contágio; já fazer parte do grupo de risco, seja pela idade ou por terem tido câncer de mama, e ter aumentado o ganho de massa corporal são fatores que influenciam no curso da doença, explica a infectologista.
Aulas on-line

Segundo Patrícia, os achados da pesquisa foram fundamentais para o desenvolvimento de uma estratégia que levasse as participantes a reduzir os níveis de inatividade física durante a pandemia e recuperar os ganhos obtidos desde o começo do programa Remama, em 2013: a criação de um programa, com aulas estruturadas, síncronas e de forma on-line, com a participação de pesquisadores, alunos de pós-graduação e da graduação (bolsistas do programa PUB-extensão universitária). Desde novembro, as voluntárias treinam duas vezes por semana e recebem orientação individualizada.
Desta forma, voltaram a se encontrar no ambiente virtual. Os professores e os monitores tentam compensar a distância reforçando os estímulos durante as aulas. “É importante que haja engajamento de todas. A atividade física melhora a qualidade de vida e a eficácia das terapias, mitigando potenciais efeitos adversos inerentes à terapia contra o câncer e à toxicidade medicamentosa”, conclui.
Mais informações: e-mail pcbrum@usp.br, com Patricia Chakur Brum, e-mail anna@usp.br, com Anna S. Levin e e-mail aline.rachel.yahoo.com.br, com Aline Rachel Bezerra Gurgel