Apesar de repleta de riquezas, mordomias e histórias para lá de picantes, a vida dos imperadores romanos sempre esteve por um fio, suscetível às mais terríveis traições e tragédias que se repetiam ao longo do tempo. A maioria deles sofria morte violenta nos anos iniciais de reinado. Foi o que revelou uma pesquisa utilizando modelo estatístico do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, baseada na trajetória de 175 imperadores romanos.
O professor Francisco Rodrigues, do ICMC, é um dos autores do artigo Power laws in the Roman Empire: a survival analysis (Leis poderosas no Império Romano: uma análise de sobrevivência, artigo inédito ainda não revisado por pares), elaborado em parceria com o professor Francisco Louzada, também do ICMC, com o pós-graduando Pedro Ramos e com o professor Luciano Costa, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC).
“Ao examinar o tempo até a morte violenta dos imperadores, observamos que o risco é alto quando o imperador assume o trono. Esse achado pode estar relacionado às dificuldades para lidar com as demandas que o cargo exige e à falta de habilidade política do novo imperador. Nosso modelo sugere que o risco diminui sistematicamente até atingir 13 anos de governo e, em seguida, aumenta rapidamente”, escrevem os pesquisadores no artigo. Calígula e Nero tiveram um reinado curto, sofrendo uma morte violenta. Por outro lado, Augustus governou por mais de 40 anos e morreu de forma natural; a chance disso ocorrer é estimada em torno de 24%.
Há várias hipóteses que podem explicar esse ponto de mudança, em que a possibilidade de uma morte violenta volta a crescer. Por exemplo, após esse ciclo de 13 anos, é provável que os antigos inimigos do imperador tenham se reagrupado ou que novos inimigos tenham surgido. O interessante é que o estudo mostra também que, após esse ponto de mudança, o risco volta a diminuir.
Esse padrão encontrado pelos pesquisadores, apesar de parecer aleatório, está relacionado a outros fenômenos como terremotos, flutuações nos preços das ações e ramificações em galhos de árvores. É como se houvesse uma espécie de “lei” regendo a vida e a morte dos imperadores: os reinados curtos são a regra; a exceção é a ocorrência de um reinado longo.
“Esse comportamento é semelhante ao observado em muitos sistemas, incluindo terremotos, pois grandes terremotos são eventos raros. O resultado sugere que o tempo de vida de um imperador romano até a morte violenta não tem uma escala típica. O Império Romano é, então, um exemplo de sistema que apresenta invariâncias de escala, tal como ocorre com a distribuição de renda na sociedade, o tamanho das empresas e da população nas cidades, bem como a frequência com que palavras aparecem em um texto”, afirmam os autores.
Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o estudo contribui para lançar um novo olhar para as antigas civilizações, costumeiramente analisadas por historiadores, antropólogos e cientistas sociais, mostrando que essas sociedades também podem ser compreendidas quantitativamente, por meio de modelagem matemática e computacional. “As antigas civilizações são exemplos de um sistema complexo composto por agentes que interagem, colaboram e competem por poder e recursos”, conforme explicam os pesquisadores.
Talvez, futuramente, esses tempos em que hoje vivemos também possam ser fruto de estudos quantitativos. Que tipo de padrão os cientistas de amanhã encontrarão na nossa civilização? Será preciso esperar milênios para encontrarmos respostas ou as análises do passado também nos servirão, em breve, para prever nossa sobrevivência? Como a ciência é movida mais por perguntas do que por respostas, só podemos afirmar, com certeza, que ainda há muito o que pesquisar para compreendermos as leis que regem nosso mundo.
“O que se pode afirmar é que, tal como nas civilizações antigas, os padrões de comportamento de um grupo podem ser previsíveis e surgem a partir das ações imprevisíveis dos indivíduos. As interações e decisões individuais influenciam a coletividade, criando padrões que afetam todo o sistema”, conclui o professor Rodrigues.
Mais informações: e-mail comunica@icmc.usp.br ou (16) 3373-9666 (WhatsApp)
Denise Casatti / Assessoria de Comunicação do ICMC
Texto disponível no site do ICMC: www.icmc.usp.br/e/a573d