*Estagiário sob orientação de Luiza Caires e Fabiana Mariz
**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado
Paciente com pectus excavatum, provocado por crescimento anormal das cartilagens costais que empurram o esterno para dentro – Foto: Max Catmospherique/500px/CC BY 3.0 via Wikimedia Commons
Neste mês de maio, uma técnica cirúrgica para correção de pectus escavatum e pectus carinatum — conhecidos popularmente como “peito de sapateiro” e “peito de pombo” respectivamente — completou 21 anos de implementação e evolução no Brasil. O pectus excavatum acomete 1,2% da população e o carinatum, 0,6%.
Ambas as deformidades são causadas pelo crescimento anormal das cartilagens do tórax, que pode deslocar o osso do peito para dentro, no caso do excavatum, e para fora, no carinatum.
O procedimento conhecido como reparo minimamente invasivo é uma cirurgia que introduz barras metálicas para corrigir as deformidades torácicas e substitui a remoção de cartilagens do método Ravitch, feito através de um grande corte no peito. Semelhante aos aparelhos ortodônticos para correção dos dentes, a cirurgia minimamente invasiva reduz o tempo de internação, tem resultado estético melhor, permite um retorno mais rápido às atividades e deixa menos cicatrizes.
O cirurgião pediátrico Gilson Sawaya foi o primeiro a realizar esse procedimento no Brasil, ainda com material importado, no dia 3 de maio de 2003. Desde então, melhorias foram desenvolvidas no Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) . “Hoje nós temos material produzido aqui. O importado é de aço e o material feito aqui é de titânio”, conta o professor Miguel Tedde, da FMUSP.
Normalmente, os pacientes operados convivem com a barra no peito por 3 anos. “Ele tem uma vida praticamente normal nesse período”, avalia Tedde.
De acordo com Sawaya, a técnica aplicada previa um repouso nos primeiros meses. “Nós pedíamos para o paciente não fazer atividade física por três meses para não ter risco de a barra virar e ter que reoperar”. O sistema de estabilização desenvolvido por Tedde abreviou esse prazo para 30 dias.
Além do metal ser mais adequado para próteses implantáveis, a barra corretiva desenvolvida na USP possui um sistema que a impede de girar acidentalmente e reduz a chance de perfurações cardíacas, como detalha Tedde. “Esse material tem três sistemas diferentes para fixar, sendo que dois deles tornam praticamente impossível que a barra saia do lugar”.
O material nacional começou a ser desenvolvido no Incor há oito anos. “Nós operamos 50 pacientes em dois projetos de pesquisa.” O artigo sobre a primeira parte do estudo foi publicado na revista Interdisciplinary Cardiovascular and Thoracic Surgery (ICVTS).
De acordo com o professor, o material brasileiro está disponível no mercado desde 2022, sendo que o Incor oferece o procedimento pelo sistema público. “Embora o SUS de forma geral ainda não disponibilize essa cirurgia, felizmente no Incor temos conseguido operar pacientes com alguma regularidade”.
Normalmente a cirurgia é recomendada para crianças a partir dos 8 anos. “Mas se uma criança com 5 anos chegar com uma deformidade muito acentuada, nós operamos”, conta Sawaya.
Em adultos, os resultados podem não ser tão satisfatórios. Tedde explica que, quanto mais velho, menor é a expectativa de correção. “À medida que vamos ficando mais velhos, as cartilagens vão calcificando e a flexibilidade do tórax vai diminuindo, quase desaparecendo”.
A mãe de um paciente de 17 anos que realizou a cirurgia minimamente invasiva conversou com o Jornal da USP. Segundo ela, o filho foi atendido inicialmente no Hospital das Clínicas, onde estava supondo realizar a operação no início de 2023. Nesse primeiro contato, no entanto, teve que desistir devido ao preço. “Eu me assustei, porque na internet tinha um valor, que era mais ou menos R$ 70 mil, R$ 60 mil. Quando fiz o orçamento, deu praticamente R$ 130 mil, e eu não tinha o dinheiro completo”.
Após um ano, o professor Tedde a atendeu no Hospital Sabará, instituição privada que possui um centro cirúrgico no bairro de Higienópolis. A família gastou R$ 153.595,00. “Praticamente o mesmo valor”, na avaliação da mãe, que também reconhece que o resultado foi imediato. “Ele já saiu da sala de cirurgia com o peito perfeito”.
Na adolescência, também existe a preocupação com a autoestima e a qualidade de vida nessa época de descobertas sobre si mesmo e sobre o mundo. Um dos indicadores disso é que a performance escolar dos pacientes que fazem o tratamento cirúrgico costuma ser melhor do que os que não tratam a deformidade, conforme estudo com 16 pacientes realizado em 2020.
No caso do pectus carinatum, o paciente pode usar um compressor no peito para fazer com que as cartilagens retornem para sua posição anatômica, mas os pacientes muitas vezes preferem realizar uma cirurgia a se submeter a longo tratamento.
Na cirurgia de Ravitch, ainda hoje utilizada, é preciso fazer um grande corte no peito do paciente para remover as cartilagens, o que deixa uma enorme e visível cicatriz. Além disso, a chance do pectus voltar a se manifestar não é desprezível.
Na opinião do professor Tedde, a alternativa menos agressiva foi criada porque Donald Nuss, um cirurgião pediátrico sul-africano, ficou chocado quando foi apresentado ao procedimento nos Estados Unidos. Esse espanto foi essencial para pensar em uma alternativa. “A técnica só nasceu porque na África do Sul não havia o costume de fazer a cirurgia”.
O inventor notou a flexibilidade e maleabilidade das cartilagens das costelas. Assim, em vez de remover parte das cartilagens, ele propôs um procedimento com base em um orifício lateral muito menor entre os ossos. A proposta era inserir uma barra ortopédica moldada e girá-la, corrigindo a posição do peito.
No Brasil, o trabalho de pesquisa colaborativa entre universidade e indústria médica nacional resultou em um material médico que, além de substituir o importado, tornou o procedimento mais seguro e efetivo. No entanto, muitas pessoas com pectus não sabem que essa intervenção existe.
Mais informações: e-mail tedde@usp.br
Ouça a entrevista com o professor Miguel Tedde, da Faculdade de Medicina daUSP, no Jornal da USP no ar 1ª edição.
(atualizado em 20/5 às 14h10)
*Estagiário sob orientação de Luiza Caires e Fabiana Mariz
**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado