Gel impresso em 3D pode ser opção para pessoas com dificuldade de ingerir alimentos

Técnica melhora textura dos alimentos. Em testes de laboratório, o gel mostrou capacidade de boa absorção de nutrientes pelo organismo e poderia ser tornar uma alternativa de dieta para pessoas com disfagia

 25/07/2023 - Publicado há 1 ano

Texto: Júlio Bernardes
Arte: Carolina Borin Garcia (estagiária)*

Testados em laboratório, os géis impressos em 3D poderão ser futuramente uma alternativa de dieta para pessoas com disfagia, após passarem pela avaliação de médicos e nutricionistas e receberem aprovação pelos órgãos reguladores - Imagem: Arte Jornal da USP

Um trabalho em conjunto de pesquisadores da USP e de universidades da França desenvolveu géis de leite e sucos de frutas para pessoas com disfagia, que têm dificuldade de ingerir alimentos e enfrentam restrições na dieta. A principal inovação da pesquisa é o uso de impressão 3D no processo de produção, melhorando a textura dos alimentos e garantindo boa absorção de nutrientes pelo organismo. Testados em laboratório, os géis poderão ser futuramente uma alternativa de dieta para pessoas com disfagia, após avaliação de médicos e nutricionistas e a aprovação pelos órgãos reguladores. Os resultados do estudo são descritos em dois artigos científicos, publicados nas revistas Innovative Food Science & Emerging Tecnologies e Food Research International.

A disfagia é uma condição onde o paciente possui dificuldades para mastigar e engolir, o que limita a ingestão de determinados alimentos e pode resultar em problemas como desnutrição. “Ela pode ser decorrente de alguma doença, por exemplo, em casos de pacientes que foram intubados e sofreram com determinados cânceres de cabeça e pescoço, ou uma condição associada ao envelhecimento”, aponta ao Jornal da USP Pedro Augusto, ex-professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, um dos responsáveis pelo projeto. “Existem diferentes graus de disfagia e limitação e, muitas vezes, os pacientes apresentam uma queda em sua qualidade de vida”. Atualmente, Pedro Augusto é professor da Université Paris-Saclay, CentraleSupélec, no Centre Européen de Biotechnologie et de Bioéconomie (CEBB), em Pomacle (França).

Pedro Augusto - Foto: ResearchGate

Pedro Augusto - Foto: Reprodução/ResearchGate

A pesquisa estudou o desenvolvimento de alimentos para as pessoas que sofrem de disfagia, um público que possui restrições em sua alimentação. “O objetivo geral é usar a tecnologia de impressão 3D como ferramenta para desenvolvimento de novos alimentos e aplicações biomédicas para melhoria da qualidade de vida da população”, relata a professora Bianca Maniglia, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP. “De forma mais específica, queremos apresentar alternativas para esse público, que poderão ser avaliadas por médicos e nutricionistas e, eventualmente, compor uma dieta disfágica.”

Os cientistas pesquisaram a produção de géis baseados em sucos de frutas e leite. “Estudamos a formação de géis com esses alimentos e demais ingredientes naturais, como açúcares e proteínas, que possam ser impressos em 3D e que possuam a textura adequada para esses pacientes”, observa Bruna Bitencourt, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da Esalq. “Estes são alimentos importantes do ponto de vista de nutrientes e compostos bioativos. Muitos pacientes com disfagia possuem dificuldade em engolir esses líquidos, podendo engasgar ou enviá-los aos pulmões, com graves consequências para a saúde.”

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Componentes do gel são aquecidos, resfriados e deixados em repouso, estando então prontos para impressão em 3D - Fotos: Cedidas pelos pesquisadores

Textura e valor nutricional

Os géis são produzidos misturando ingredientes gelificantes (polissacarídeos e proteínas) com os alimentos, aquecendo-os, resfriando-os e deixando-os em repouso, estando então prontos para serem impressos em 3D. Os polissacarídeos são açúcares de estrutura complexa, que podem ser obtidos em amidos de diferentes fontes (mandioca, milho, batata e trigo), e também de outros polissacarídeos, por exemplo, a carragena, encontrada nas algas. “Diferentes parâmetros de processo são estudados, tais como composição e concentrações, temperaturas e taxas de transferência de calor, de forma a obter um produto com as características desejadas”, descreve a professora do IQSC. “Os géis obtidos são extensivamente avaliados, em função de diferentes características. As mais importantes são a textura dos géis, associada principalmente à capacidade de ser processado via impressão 3D e seu potencial enquanto alimento, também relacionado à textura e à acessibilidade dos nutrientes do produto pronto.”

Géis são produzidos misturando alimentos com ingredientes gelificantes - Foto: Cedida pelos pesquisadores

“A textura é avaliada através de um protocolo internacional exclusivo para dietas disfágicas, utilizando um equipamento chamado texturômetro, onde podemos medir as forças e deformações associadas”, relata Bruna Bitencourt. “O potencial desse alimento é avaliado por um protocolo de digestão in vitro, isto é, realizado no laboratório, simulando o corpo humano, e interação do alimento durante esse processo, com diferentes células. “Assim, podemos estimar, por exemplo, a quantidade de nutrientes capaz de ser absorvida.”

Registro da impressão dos alimentos via impressora 3D - Vídeo: Cedido pelos pesquisadores

Até o momento, foram publicados dois trabalhos sobre os géis, nas revistas Innovative Food Science & Emerging Tecnologies e Food Research International, e há outros artigos em fase de avaliação. “Os pacientes com disfagia possuem dificuldade para se alimentar, e muitas vezes sua dieta é restrita a produtos como purês”, aponta o professor Augusto. “A tecnologia de impressão 3D é a ferramenta chave para o desenvolvimento de alimentos com textura adequada, mais atraentes e com alto valor nutricional para a população disfágica.” Os pesquisadores destacam que os alimentos desenvolvidos na pesquisa devem ser avaliados por médicos e nutricionistas. “Os géis eventualmente poderão compor dietas disfágicas após avaliação e aprovação por órgãos competentes”, afirmam. “Nosso estudo é o primeiro passo rumo à adoção desses alimentos para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, isto é, desenvolvemos alternativas, que precisarão de futuras avaliações, regulamentações e, enfim, adoção.”

O projeto teve início com um edital de Apoio a Projetos Integrados de Pesquisa em Áreas Estratégicas (Pipae), da Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI) da USP e foi ampliado por meio do programa conjunto da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (Capes-Cofecub). Além da Esalq e do IQSC, a iniciativa envolve hoje alunos e professores da Escola Politécnica (Poli), Faculdade de Zootecnia e Engenharia e Alimentos (FZEA), Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), da Université Paris-Saclay (CentraleSupélec e AgroParisTech) e Université de Reims Champagne-Ardenne, na França.

A pesquisa tem bolsas e financiamento da Capes, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (Cofecub) de regiões francesas (Communauté Urbaine du Grand Reims, Département de la Marne, Région Grand Est, FEDER Champagne-Ardenne 2014-2020) e da União Europeia.

Mais informações: e-mails pedro.ed.augusto@usp.br, com o professor Pedro Augusto, biancamaniglia@usp.br, com a professora Bianca Chieregato Maniglia e brunabitencourt@usp.br, com Bruna Sousa Bitencourt


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