Fotografia e sensibilidade do olhar são fundamentais na formação do antropólogo

Em artigo na revista “Saúde e Sociedade”, a professora da USP Sylvia Caiuby Novaes defende a sensibilização do olhar do antropólogo e a importância da fotografia na formação desse profissional

 06/04/2021 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 09/04/2021 às 19:32

Artigo valoriza a sensibilidade do olhar como essencial na formação do antropólogo, pois ela possibilita uma mudança de foco: do verbo para o comportamento, o corpo, os gestos e outros detalhes sobre os quais nem sempre é possível falar – Foto: Pasja1000/ Pixabay,

 

Por Margareth Artur


Qual a relação entre antropologia e fotografia? O antropólogo, como cientista social, tem como material principal de estudo leituras e conhecimento de conceitos teóricos aprendidos em livros de especialistas e professores da área. Um antropólogo não prescinde “
do verbo” e, assim, as palavras exercem uma função básica na formação do cientista social – palavras, textos pertinentes à reflexão antropológica que abordam diferentes culturas, que registram os aspectos raciais, étnicos, econômicos e diversidades.

No artigo Por uma sensibilização do olhar – sobre a importância da fotografia na formação do antropólogo, publicado na revista Saúde e Sociedade, a professora Sylvia Caiuby Novaes, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, considera que, como antropóloga, essa formação é fundamental. 

A autora mostra no artigo um novo foco revelado a ela quando na Escola de Arte Brasil: o estudo da antropologia ao lado da fotografia. A partir das experiências vivenciadas na Escola de Arte Brasil, a autora fala sobre a sensibilização do olhar, a necessidade de criar repertórios e a oportunidade que a fotografia oferece de mudar o foco – do verbo para o comportamento, o corpo, os gestos, os detalhes sobre os quais nem sempre é possível falar. 

A Escola de Artes Brasil, experimental, responsável pela escolha de Sylvia Caiuby Novaes pela dedicação à Antropologia Visual, mostrou a ela a arte como espaço de liberdade interdependente com a vida real. Ali, a educação estética era ensinada pelo estímulo à sensibilidade, pois o processo criativo é o principal objetivo da aprendizagem e não seu resultado.

Contando com novas formas e meios de “fazer arte”, os alunos aprendiam a desenhar por método de observação, desenhar sem olhar o que estava sendo desenhado. Grandes artistas como Wesley Duke Lee e Claudia Andujar frequentavam a escola, que ousava propor novas peculiaridades e contextos artísticos. O apuro da observação era tão considerado que, segundo a professora, seu grupo fotografava “sem nenhuma câmera“: com os indicadores e o polegar das duas mãos fazíamos o melhor enquadramento do que estava sendo observado”. 

Foto: Shutterbug75/ Pixabay

 

O artigo valoriza a sensibilidade do olhar como essencial na formação do antropólogo, já que é preciso ousar “sair dos livros, […], descobrir ângulos nunca pensados”, observar os detalhes pormenorizados de nossa vida e da sociedade à nossa volta, usufruir de espaços que se fecharam há muito tempo: o prazer de andar nas ruas, olhar as lojas, abrir os vidros dos carros, habitar mais casas e não tanto apartamentos, observar crianças brincando nas ruas e adolescentes não se enclausurando com micros em quartos trancados – lembrando que o enclausuramento existe muito antes da pandemia, mas ela piorou muito a situação. 

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O texto destaca que a bagagem de nossos conhecimentos e experiências é que determinará nosso olhar para o ato de fotografar pois, citando o filósofo francês Henri Bergson, “o olho só vê o que a mente está preparada para conhecer”, e nosso olhar se dilata de acordo com nosso “repertório” de vida, que varia de pessoa para pessoa. “A imagem frequentemente demonstra a insuficiência da palavra como documento da consciência social e como matéria-prima do conhecimento.

Nas pesquisas de campo, a fotografia se mostra um retrato mais fiel e verdadeiro para registro da sociedade, dos costumes, da cultura, enfim, de um grupo, de uma comunidade, do que as entrevistas e questionários, por exemplo, do momento em que a imagem capta, conta e relata melhor o corpo, os gestos, o comportamento dos indivíduos, da cultura ou situação do que se quer pesquisar.

Dentre as Ciências Sociais, afirma a professora, é a antropologia “que mais se aproxima do lado sensível da realidade social em que todas se debruçam” e a que mais se relaciona com as artes, pois os antropólogos estão mais dispostos a imergirem mais profundamente, quando também se valem das artes, nos diferentes universos que as culturas nos proporcionam. A proposta é de observar a imagem como linguagem, a complementar o trabalho do registro antropológico, visto que “ninguém fotografa a realidade ou a sociedade”, mas a fotografia permite, para a pesquisa, um “mergulho que é, ao mesmo tempo, sensível e inteligível”, que a autora sugere aos colegas praticarem e inserirem a fotografia como meio colaborativo e esclarecedor para a disciplina da antropologia.

Artigo

 NOVAES, Sylvia Caiuby. Por uma sensibilização do olhar – sobre a importância da fotografia na formação do antropólogo. GIS – Gesto, Imagem e Som – Revista de Antropologia, São Paulo, v. 6, n. 1, e-179923. ISSN: 2525-3123. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2525-3123.gis.2021.179923. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/gis/article/view/179923. Acesso em: 10 fev. 2021.

Contato

Sylvia Caiuby Novaes  Antropóloga, professora titular no Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, coordenadora do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia – Lisa e do Grupo de Antropologia Visual -Gravi e pesquisadora da Fapesp e do CNPq. scaiuby@usp.br


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