Estudo aponta evidência de rearranjo genético do vírus influenza A (H2) em aves brasileiras

Pesquisa identificou o potencial de mistura entre linhagens de vírus da gripe aviária das Américas do Norte e do Sul, ressaltando importância da vigilância ativa contra futuras pandemias

 Publicado: 05/07/2024
Estudo levanta preocupações sobre o possível potencial pandêmico de novas cepas. Na imagem, revoada de maçaricos no Parque Nacional da Lagoa do Peixe, Rio Grande do Sul – Foto: Luciano Thomazelli

 

Os vírus da influenza A do subtipo H2 podem representar uma ameaça significativa à saúde animal e humana devido à falta de imunidade prévia das populações. Agora, um estudo recente conduzido por uma equipe de pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP lança luz sobre o potencial rearranjo desses vírus em aves limícolas brasileiras, levantando preocupações sobre o surgimento de novas cepas com potencial pandêmico.

O estudo, intitulado Evidência de rearranjo de vírus da gripe aviária (H2) em aves limícolas brasileiras, investiga as sequências genômicas de dois vírus da gripe isolados de maçaricos-de-sobre-branco (Calidris fuscicollis) capturados na natureza. Essas descobertas, publicadas em uma edição recente da revista científica PlosOne, revelam insights intrigantes sobre a diversidade genética e a distribuição geográfica dos subtipos H2 na região.

Um dos vírus, identificado como A(H2N1), foi descoberto em uma ave saudável capturada no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (PNRJ), localizado no Estado do Rio de Janeiro. O segundo vírus, identificado como A(H2N2), foi isolado de uma ave também saudável capturada no Parque Nacional da Lagoa do Peixe (PNLP), situado no Rio Grande do Sul.

Luciano Thomazelli, virologista do Laboratório de Virologia Clínica e Molecular do ICB e primeiro autor do estudo, explica: “Essas descobertas destacam a importância dos esforços de vigilância na compreensão da dinâmica dos vírus da gripe aviária na América do Sul, particularmente em regiões como o Brasil, onde as informações são escassas. Vigilância essa que já fazemos há mais de 20 anos aqui no Laboratório de Virologia, chefiado pelo professor Edison Luiz Durigon”, acrescentou.

O sequenciamento genômico e a análise filogenética dos vírus isolados revelaram subtipos distintos, com o vírus A(H2N1) apresentando uma relação mais próxima com cepas norte-americanas, enquanto o vírus A(H2N2) exibiu uma origem mais diversa, com sequências genéticas semelhantes a cepas provenientes da América do Norte, América do Sul e da Islândia.

Notavelmente, o estudo identificou evidências de rearranjo local dentro de um dos vírus, indicando o potencial de mistura genética entre linhagens de vírus da gripe aviária das Américas do Norte e do Sul. Este fenômeno, observado no extremo Sul do Brasil, poderia contribuir significativamente para a diversidade geral dos vírus influenza que circulam na região.

Principais rotas migratórias das aves, com destaque para a rota atlântica que passa pelos locais de coleta marcados no mapa. Parque Nacional da Lagoa do Peixe (PNLP) no Rio Grande do Sul e Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (PNRJ) no Rio de Janeiro – Imagem: reprodução do artigo

 

“Compreender os mecanismos que impulsionam o rearranjo viral é crucial para a detecção precoce e mitigação de ameaças emergentes à saúde animal e pública”, enfatiza o professor Jansen de Araujo, autor correspondente e pesquisador principal do projeto, também do ICB.

À medida que a comunidade global enfrenta o desafio contínuo da preparação contra a gripe, estudos como este fornecem informações importantes sobre a dinâmica complexa dos vírus da gripe aviária, e sublinham a importância da vigilância proativa e dos esforços de investigação na salvaguarda contra futuras pandemias. “Sabe-se que cepas da influenza aviária de baixa patogenicidade são precursoras de vírus altamente patogênicos, por meio de seus rearranjos”, conclui Araujo.

Apesar do subtipo H2N2 isolado não ter relação direta com o vírus humano causador de uma das maiores pandemias da história — a Gripe Asiática, há mais de meio século (1957-1968) —, subtipos do tipo H2 continuam circulando em aves silvestres ao redor do globo, possibilitando o risco de transbordamento interespécies. Sobretudo numa época em que o avanço das cidades e da agricultura exerce cada vez mais pressão sobre as áreas verdes.

*Por Luciano Matsumiya Thomazelli, editado por Nucom/ICB

Mais informações: e-mails jansentequila@usp.br e lucmt@usp.br


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