
A Amazônia é, certamente, a região mais rica do País em recursos naturais. E entre as suas diversas riquezas, cientistas estão investigando substâncias antibióticas cujas fontes estão em uma espécie de esponja de água doce chamada Metania reticulata, que integra o filo Porifera. E foi nesses organismos, considerados animais bentônicos sésseis, que os cientistas isolaram cepas bacterianas, mais especificamente uma, do gênero Bacillus, que mostrou atividade antimicrobiana. “Testamos então os extratos deste Bacillus e observamos duas moléculas com atividade semelhante à ciclosporina, droga usada principalmente para inibir a rejeição em transplantes de órgãos”, conta o professor Márcio Reis Custódio, do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências (IB) da USP.
O cientista do IB e outros pesquisadores assinam o artigo Reduction of RBL–2H3 cells degranulation by nitroaromatic compounds from a Bacillus strain associated to the Amazonian sponge Metania reticulata, veiculado no volume do Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom (JMBA) que relata estudos sobre o filo Porifera.

Custódio ressalta que a maioria das esponjas é marinha. “As esponjas que estudamos pertencem a um grupo relativamente pequeno, com algo em torno de 250 espécies de um total de mais de 8 mil descritas no filo Porifera. O Brasil abriga um bom número dessas espécies de água doce, cerca de 50. Mas este número pode ser bem maior, já que o conhecimento ainda é limitado”, adverte o cientista. Ele ressalta que a grande maioria dos trabalhos sobre este grupo no Brasil se deve a uma única pesquisadora, a professora Cecília Volkmer-Ribeiro, da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. “É pouco para um país com uma diversidade biológica como o nosso.”
Trabalho preliminar
Segundo Custódio, o trabalho ainda é bastante preliminar e foi feito mais como uma prova de conceito, partindo de alguns pontos já conhecidos. Um deles é o fato de que alguns antibióticos (macrolídeos) podem afetar o sistema imune e respostas inflamatórias, e talvez as esponjas pudessem ter algumas dessas substâncias. “Verificada a presença destes compostos, como foi feito, as possibilidades são amplas”, comemora.
“Falta caracterizar melhor estes compostos e seu modo de ação, além de identificar melhor o microrganismo responsável pela sua produção”, adverte. Contudo, ele ressalta dois pontos que considera de interesse especial: um é o fato de que os extratos de esponjas em geral sempre mostram alguma atividade antibiótica, e esses extratos poderiam ser testados também para detectar novos compostos capazes de alterar as respostas de nosso sistema imune; outro é o fato de ser uma esponja da Amazônia, o que reforça o potencial biotecnológico daquela região e a necessidade de mais estudos.
De acordo com o cientista, não há ainda a utilização pela indústria farmacêutica de substâncias produzidas pelas esponjas amazônicas. “Até onde sabemos, este é o primeiro artigo relatando a obtenção de compostos bioativos a partir de uma esponja da região [ou de sua microbiota]. Assim, ainda há muito a ser explorado”, afirma.
Custódio explica que as esponjas e a sua microbiota são bem conhecidas por produzirem substâncias antibióticas e que, apenas no Estado de São Paulo, existem cerca de 160 espécies registradas, marinhas e de água doce, que poderiam ser testadas quanto à presença de imunossupressores. “Mas isso certamente demandaria uma estrutura mais adequada do que a que temos no momento. Já existe uma boa base de dados a respeito de compostos bioativos, obtida a partir do trabalho de um grupo da USP, em São Carlos, do professor Roberto Berlinck, que poderia servir de ponto de partida.”
Cooperação

A Metania reticulata foi coletada no rio Negro, bem próximo a Manaus e da embocadura do igarapé do Tarumã-Açu, num projeto em cooperação com cientistas da Universidade do Estado da Amazônia, liderados pelo professor José Rodrigues. Custódio conta que naquela área são muito abundantes e facilmente encontradas presas aos galhos da vegetação próxima aos rios ou em áreas que ficam inundadas no período de cheia.
“No período de seca, elas ficam expostas e para coletá-las nem precisa entrar na água. Existem relatos também que esses animais são muito comuns em várias outras áreas na região amazônica, em especial em rios e lagoas de ‘águas negras’, que não têm muita suspensão.”
O professor lembra de outro fato curioso em relação ao animal. A maioria das pessoas nesses locais conhece esses organismos, principalmente devido às reações alérgicas que causam em contato com a pele, e os chamam de “cauxí” (ou “cauixí”). “Mas não sabem que é uma esponja, ou mesmo que é um animal. Aparentemente, essas reações na pele são causadas pelas espículas, elementos microscópicos de sílica do esqueleto das esponjas e que formam um pó fino quando o organismo está seco, não por algum composto químico específico produzido pelo animal”, descreve.
Mais informações: email mcust@usp.br, com o professor Márcio Reis Custódio