Dengue, zika e chikungunya precisam ser controladas de forma integrada

Desenvolvimento de vacinas, controle do Aedes aegypti e redirecionamento de fármacos, entre outras estratégias, são eficazes no controle dessas arboviroses quando feitas de forma simultânea

 30/01/2024 - Publicado há 10 meses     Atualizado: 01/02/2024 às 15:05

Texto: Fabiana Mariz

Arte: Joyce Tenório*

A integração entre políticas de controle é essencial para fortalecer defesa global contra doenças transmitidas por mosquito - Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Wagner France 3D Design/Freepik e Reprodução/Freepik

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP apontam que as estratégias para o controle de arboviroses  – doenças causadas por vírus transmitidas principalmente por mosquitos, como dengue, zika e chikungunya –  já adotadas em países da América Latina funcionam bem, e que iniciativas como redirecionamento de fármacos, desenvolvimento de vacinas, controle do vetor e programas de vigilância, quando integrados, fortalecem coletivamente a defesa no planeta. 

Em um artigo publicado na Frontiers in Immnulogy, eles afirmam que uma frente unificada não só impede surtos, mas também define políticas para lidar com futuros desafios. “O artigo faz um levantamento do que a gente já tem [de iniciativas] para combater essas arboviroses que causam tanto problema em vários países, o que poderia melhorar e o que que ainda está faltando”, explica Nelson Côrtes de Oliveira, biomédico, pesquisador do ICB e primeiro autor do artigo. Nelson de Oliveira trabalha, eu seu doutorado, na produção de uma vacina para tratar o zika utilizando a plataforma VLP (do inglês virus like particles), que imita a estrutura geral das partículas virais, mas não contém o material genético infeccioso. 

Para o estudo, publicado em dezembro de 2023, os pesquisadores analisaram 121 trabalhos sobre as arboviroses mais prevalentes na América Latina. Na primeira parte, foram abordados temas como a estrutura do vírus, a morfogênese (que é o desenvolvimento das formas e estruturas características de uma espécie), além da patogenicidade (capacidade de um agente biológico causar doenças em um hospedeiro suscetível) e da resposta imune. As perspectivas para o desenvolvimento de estratégias de controle também foram colocadas em pauta.

A distribuição dos arbovírus DENV, ZIKV e CHIKV ao redor do mundo: o gráfico apresenta as áreas de distribuição do risco de DENV pelo mundo (A), as áreas de risco de ZIKV (B) e as áreas de risco de CHIQV (C). As incidências de DENV, ZIKV e CHIIKV nos estados brasileiros são apresentadas respectivamente por (D), (E) e (F) - Gráfico: reprodução do artigo

Aline Lira, que divide a primeira autoria do trabalho com Nelson de Oliveira, lembra que, depois do pico da pandemia de covid-19, essas doenças voltaram a causar preocupação. “A incidência de arbovírus aumentou, principalmente a chikungunya. Então, é sempre importante falar sobre esse assunto porque, mesmo tendo muitos casos, ainda são doenças negligenciadas”, explica a pesquisadora

Várias frentes

Ainda não há terapia específica contra as infecções causadas por arbovírus, mas algumas drogas antivirais têm sido usadas para reduzir os sintomas. Aline Lira, que faz seu doutorado em biotecnologia no ICB e investiga meios de produzir uma vacina contra chikungunya utilizando a plataforma VLP, disse ao Jornal da USP que ficou surpresa com a quantidade de estudos em andamento. “Eu não sabia que tinha tantos medicamentos assim em testes, como a cloroquina, ou até componentes naturais que têm esse poder antiviral”, relata.

O artigo mostrou os avanços atingidos em certos tratamentos, tais como a cloroquina, a niclosamida e derivados da isatina. Estudos em células e em modelos animais reduziram, de forma significativa, as taxas de transmissão de arboviroses.

Aline Lira - Foto: Arquivo pessoal

O controle do vetor também é citado como uma estratégia bastante eficaz para diminuir a incidência dessas doenças. A implementação de políticas de prevenção envolve educação e a sensibilização dos indivíduos para eliminar água acumulada em plantas, potes e tanques de água. Somado a isso, o uso de inseticidas é essencial para eliminar larvas e mosquitos adultos.

Um exemplo bem-sucedido citado pelos autores é o Programa de Controle de Doenças por Arbovírus do Estado de Victória, na Austrália, administrado pelo Departamento de Saúde e implementado por meio de conselhos locais, que atuam para reduzir as doenças transmitidas por mosquitos.

Os vírus mais comuns transmitidos por mosquitos aos humanos naquele local são os vírus Ross River e Barmah Forest. As infecções causadas por encefalite japonesa, encefalite de Murray Valley e vírus do Nilo Ocidental (Kunjin) são raras, mas têm potencial para causar doenças graves. As ações do programa envolvem vigilância semanal e monitoramento das populações de insetos, tratamento de água parada para evitar que larvas de mosquitos se transformem em mosquitos adultos; em situações de risco, tomam-se medidas proativas para lidar com surtos, como a orientação da comunidade, utilização de spray de barreira (envolve a aplicação de inseticidas diretamente em possíveis áreas de repouso do mosquito para criar uma barreira protetora que impede a entrada desses insetos em uma área específica) e nebulização (técnica em que os inseticidas são dispersos como uma névoa fina ou neblina sobre uma grande área onde os mosquitos adultos estão voando ou descansando).

Nelson Côrtes de Oliveira - Foto: Currículo Lattes
Nelson Côrtes de Oliveira - Foto: Currículo Lattes

Outro método adotado por vários países envolve a Wolbachia, uma bactéria presente em 60% dos insetos (mas não no Aedes aegypti) e que bloqueia o desenvolvimento dos vírus da dengue, zika e chikungunya no vetor. 

Na prática, o que acontece é que são liberados Aedes aegypti “contaminados” com Wolbachia no ambiente, que se reproduzem com os Aedes aegypti locais.  Aos poucos, uma nova população destes mosquitos surge,  reduzindo a transmissão e combatendo diretamente as arboviroses.

No Brasil, o Método Wolbachia é conduzido pela Fiocruz, com financiamento do Ministério da Saúde, em parceria com os governos locais. Atualmente, as ações são feitas nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói, em Campo Grande (MS), Belo Horizonte (MG) e Petrolina (PE). Em Niterói, dados preliminares já apontam redução de até 77% dos casos de dengue e 60% de chikungunya nas áreas que receberam os Aedes aegypti com Wolbachia, quando comparado com áreas que não receberam.

Vacinas

Produzir um imunizante capaz de induzir a uma resposta imunológica equilibrada e sem muitos efeitos colaterais é um dos desafios que a comunidade científica enfrenta.

No Brasil, a Qdenga, uma vacina feita com vírus atenuado contra os quatro sorotipos existentes (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4), foi aprovada pela Anvisa em 2023. Recentemente, o Ministério da Saúde anunciou sua incorporação ao Programa Nacional de Imunização (PNI) a partir de 2024. 

A Dengvaxia era o único imunizante disponível até 2023. Ela é vendida na rede privada e recomendada para pessoas de nove a 45 anos que vivem em áreas endêmicas e já tiveram dengue. 

Quando o artigo foi escrito, em agosto de 2023, não havia vacinas disponíveis para tratar a zika e a chikungunya. Mas em dezembro do ano passado, o Instituto Butantan solicitou o registro definitivo de um imunizante que apresentou 98,9% de eficácia para tratar a chikungunya.

Panorama

+ Mais

A escalada da chikungunya nas Américas: 3,7 milhões de casos em uma década

Vídeo mostra curiosidades sobre vilão da saúde pública, o Aedes aegypti

A dengue é a doença causada por arbovírus mais prevalente no mundo: é encontrada em mais de 100 países tropicais e subtropicais. Como reportado pela Organização Pan-Americana da Saúde (PAHO), em 2002, mais de 2,8 milhões de casos de dengue foram registrados nas Américas, com 4.697 casos graves e 1.292 mortes. É estimado que metade da população mundial encontra-se em risco de contrair a doença.

Em 2023, foram registrados 1.530.940 casos prováveis de dengue no País, e incidência de 753,9 casos para cada 100 mil habitantes. Esses números representam um aumento de 16,5% no número de casos quando comparado com o mesmo período do ano anterior.

Os casos prováveis de chikungunya notificados foram 143.739 no País (taxa de incidência de 67,4 casos/100 mil habitantes), redução de 41% no número de casos prováveis quando comparado com o mesmo período de 2022.

Houve ainda 8.425 casos prováveis de zika em 2023, ou seja, 4,1 casos por 100 mil habitantes (um aumento de 21% no número de casos em relação a 2022). Não foram confirmados óbitos por zika.

Diante de todo esse panorama, Aline Lira reitera que o controle do vetor ainda é o que realmente funciona, mas sua implementação esbarra na dificuldade de adesão da comunidade. “[Há ainda] alguns medicamentos que estão entrando – que não são diretamente para o arbovírus, mas tem essa função de inibir a replicação viral – , além do controle da transmissão do vírus em determinadas regiões, isso é algo novo e acho que vale muito a pena também.”

O artigo científico está disponível neste link.

Mais informações: com Nelson Côrtes de Oliveira, e-mail nelson.cortes@usp.br, e Aline Lira , e-mail aline.llira@usp.br


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.