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Além da perda de controle do poder público frente ao crime organizado, a superpopulação nos presídios brasileiros é um dos fatores que levam a massacres como os vistos na primeira semana do ano na região norte do País, quando mais de 90 detentos foram assassinados. Tal lotação é, também, manifestação de um problema maior: a má gestão do sistema carcerário. É o que diz Cláudio do Prado Amaral, juiz de direito, professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP e coordenador do Grupo de Estudos Carcerários Aplicados (Gecap) da USP.
Amaral conduziu com o Gecap uma pesquisa em 2016 para verificar quanto cada estado do Brasil gasta com um preso de regime fechado do sexo masculino. O estudo teve como base uma norma promulgada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), a resolução número 06/2012, que determina que cada ente federado deve comunicar ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen), mensalmente, os gastos com os presos de acordo com as especificações dadas, como despesas com energia elétrica, pessoal, alimentação, material de limpeza e água.
Após enviar um e-mail para o Depen solicitando essas informações, referentes a cada mês do ano de 2015, os pesquisadores receberam uma resposta que, segundo Amaral, deixou-os perplexos: o órgão não recebia os dados dos estados.
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“Embora sejam importantes, as normas estabelecidas pelo CNPCP não são vinculativas, isso é, não devem obrigatoriamente ser cumpridas, pois o órgão é de caráter deliberativo, e não resolutivo. Mesmo assim, não há motivo para que os estados não cumpram a resolução 06, ela não prejudica de maneira nenhuma seu trabalho. Mas o Depen não possuía os dados, então nos sugeriu que contatássemos diretamente os estados, e foi o que fizemos”, explica o professor.
Os pesquisadores, então, encaminharam e-mails para os órgãos responsáveis em cada unidade federativa pela administração do sistema carcerário, estipulando um prazo de 30 dias para o envio das informações. Das 27 UFs, somente três responderam: Paraná, Rio Grande do Sul e Rondônia. Contudo, os dados disponibilizados não seguiam as determinações da resolução do CNPCP.
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Estados | No. de presos* | Custo Mensal por recluso (R$) |
Média simples (R$) |
Média ponderada (R$) |
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1 | Paraná – PR | 28.702 | 2.393,00 | 2.397,63 | 2.206,49 |
2 | Rio Grande do Sul – RS | 28.059 | 1.799,89 | ||
3 | Rondônia – RO | 7.631 | 3.000,00 |
Fonte: GECAP * dados não informados pela UFs. Fonte DEPEN-2014
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“Além de somente 3 estados terem retornado, estes enviaram dados com os quais não é possível trabalhar, pois não havia documentação contábil ou fonte para validação”, diz Amaral. “Mesmo assim, por boa vontade, fizemos uma média ponderada com os valores que nos foram apresentados, mas ela não é confiável, pois representa uma parcela muito pequena da população carcerária do Brasil e se baseia em dados imprecisos.”
Além dos estados que enviaram as informações, Amapá e Pará acusaram recebimento da solicitação do Gecap, porém não encaminharam os dados. Outros cinco, Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba e Roraima, possuíam erros nos endereços eletrônicos fornecidos e não receberam a mensagem. Os demais sequer deram resposta.
“Não conseguimos sequer iniciar o protocolo científico pois o órgão que deveria custodiar as informações de que precisávamos, o Depen, não é alimentado com elas. Primeiro, precisaríamos das informações oficiais, para depois verificá-las, checando estado por estado se os valores informados eram reais. Mas faltam dados básicos para o sistema”, lamenta o pesquisador.
Segundo ele, isso não se restringe apenas aos valores de gastos com os presos.
Os próprios números referentes à população carcerária no Brasil estão defasados no tempo. Não temos certeza de quantos presos há hoje no País. A conclusão a que chegamos com isso é que o sistema não é transparente, ele faz questão de ser opaco.
Para Amaral, um país que opta por uma cultura de encarceramento em massa, como fizeram Brasil e Estados Unidos, precisa de transparência. “É uma opção problemática, mas nada impede um Estado de fazê-la. Porém, o Brasil faz o oposto do que deveria ao negligenciar e esconder essas informações. Nosso sistema não é democrático e não é republicano, pois não se submete a questionamentos, que são a base da democracia.”
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Além disso, o professor qualifica o sistema carcerário brasileiro como contraproducente, pois impede seu próprio aprimoramento no sentido da ressocialização dos detentos. “Qualquer política pública implementada nesse âmbito está fadada a um alto risco de erro, pois ela não tem dados primários nos quais se basear.”
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Ao não disponibilizar publicamente esses dados, os estados descumprem não só a resolução do CNPCP, mas também a Lei de Acesso à Informação. “Um órgão como o Ministério Público, ou mesmo eu, na condição de juiz, poderia obter esses dados, pois eles existem. Mas veja a dificuldade que tivemos ao solicitá-las para um pesquisa.”
“Se o sistema poderia e deveria ser transparente, mas não é, é porque há a intenção de ocultar algo errado, um mau desempenho, e impedir que esse mau desempenho seja medido. Normalmente, quando é ocultado nessa escala, esse mau desempenho é de um grau muito elevado, basta ver os índices de reincidência e a ausência de políticas públicas eficientes”, diz Amaral.