Mídia representa pessoas em situação de rua de forma negativa

Sem-teto são associados à degradação urbana, violência e drogas, além de não terem espaço para falar, diz pesquisa

 29/01/2018 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 21/02/2018 às 16:18
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Pesquisa investiga vivências de mulheres sem moradia e sugere como jornalismo pode contribuir nesse cenário – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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O número de pessoas em situação de rua tem aumentado nas principais capitais do Brasil. No Rio de Janeiro, essa população quase triplicou em três anos: em 2016 foram contabilizadas 14,2 mil pessoas nessa condição, segundo
a Secretaria Municipal de Assistência Social. Em um cenário hostil, as mulheres ainda enfrentam maiores dificuldades. É o que aponta a pesquisadora Suzana Rozendo Bortoli. Em sua tese de doutorado defendida na USP ela se propôs a chamar a atenção para as vivências de mulheres invisibilizadas e apontar possibilidades para que a imprensa modifique a forma de retratá-las.

A jornalista entrevistou 15 mulheres adultas que vivem nas ruas e estavam em Casas de Reinserção Social do município do Rio de Janeiro. Os depoimentos foram coletados em 2014 e revelam o medo da violência física e sexual nas ruas. Além da insegurança, as maiores dificuldades relatadas foram a falta de alimentos, a preocupação com a higiene e o preconceito sofrido.

 

“Homem não precisa se esconder, entendeu? Homem vive de qualquer jeito lá, acho que assim na rua ele dá um jeito, ele sabe se defender. A mulher, a violência e o estupro na rua é frequente”- relato de uma mulher em situação de rua

 

Ao contrário do que está presente no imaginário do senso comum, a maioria das entrevistadas disse não fazer uso de drogas. Os motivos que as levaram a essa situação são os mais diversos: a violência doméstica praticada por companheiros ou familiares,  o desemprego e até a fuga de milícias.

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A representação feita pela mídia

Além de dar voz a pessoas marginalizadas, um dos objetivos da pesquisa era descobrir se essas mulheres concordavam com a forma como eram retratadas na mídia. Para isso, Suzana analisou matérias publicadas nos jornais cariocas Extra e O Globo e concluiu que jornalistas eram parciais em suas narrativas. Alguns exemplos mostram que os periódicos não traziam pluralidade de fontes, ao divulgar somente a versão dos que se queixavam das pessoas nas ruas de seus comércios e casas. Também os associavam à degradação urbana, à violência e ao uso de drogas.

O jornalista precisa ouvir os dois lados da história. O repórter não pode ser parcial e divulgar as ‘vozes oficiais’, ele precisa ter contato com aquela pessoa em situação de vulnerabilidade”, afirma a pesquisadora.

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Jornais associam população de rua com a degradação urbana, a violência e o uso de drogas – Arte: Jornal da USP

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Apenas duas mulheres apontaram críticas às matérias, argumentando que são criminalizadas e retratadas de forma sensacionalista e desrespeitosa. Quanto às outras, apesar de terem se identificado, Suzana notou que não tinham acesso a tantas notícias sobre o assunto. “Nos locais onde estavam não tinha uma biblioteca, um jornal diário que todos pudessem ler ou onde pudessem assistir aos jornais que quisessem. Concluo que, pela falta de acesso, elas nem puderam expressar suas opiniões adequadamente.”

Para ampliar a visão sobre o tema, a jornalista também conversou com profissionais que trabalham com esse público, como médicos, psicólogos, assistentes sociais e policiais. De maneira geral, eles criticaram o viés policial utilizado em notícias sobre essa população, a falta de notícias específicas sobre as mulheres adultas em situação de rua na cidade do Rio de Janeiro e a ausência de apuração sobre o que acontece com essas pessoas após serem retiradas das ruas.
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Para pesquisadora, jornalistas podem desmistificar estereótipos sobre os moradores de rua – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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A pesquisadora comenta como jornalistas podem contribuir para desmistificar estereótipos atrelados a essas pessoas: “E
le [jornalista] também tem que ouvir as entidades que apoiam esse público, como as instituições públicas, religiosas e as ONGs. Deve divulgar serviços de atendimento a essa população, serviços que podem melhorar a qualidade de vida, e fazer denúncias quando encontram algo errado”. Em sua pesquisa, cita o trabalho de páginas como a Rio Invisível e a São Paulo Invisível, que divulgam histórias de pessoas em situação de rua.

A doutora em Comunicação estuda sobre essa população desde o seu trabalho de conclusão de curso (TCC), no qual fez um documentário sobre pessoas em situação de rua em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Para ela, o assunto é quase inesgotável: “A universidade é um ambiente rico para os alunos trabalharem com esse público, criarem jornais, entrevistas e documentários. É importante mostrar o outro lado dessa população, não só aquele que estamos acostumados a ver nas grandes mídias, com relatos parciais, cheios de estereótipos, de estigmas e preconceitos”.  

A tese Mulheres adultas em situação de rua e a mídia: histórias de vida, práticas profissionais com a população de rua e representações jornalísticas foi apresentada na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em 2017, sob orientação da professora doutora Alice Mitika Koshiyama.

Mais informações: e-mail suzanarozendo@usp.br, com Suzana Rozendo Bortoli


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