As reações redox são um grupo de reações químicas fundamentais que podem ser definidas como reações de transferência de elétrons – ou de oxirredução, uma combinação de oxidação e redução. Elas estão presentes em todos os organismos vivos, onde produzem a energia necessária à manutenção da vida. Também estão em processos industriais e em objetos do nosso dia a dia, como pilhas e baterias. Apesar disso, essas reações são consideradas difíceis de ensinar e de aprender. Procurando entender os obstáculos enfrentados por professores e estudantes no aprendizado de eletroquímica, um grupo sediado no Instituto de Química (IQ) da USP está investigando o conhecimento de química no ensino de reações redox.
Quem está à frente do grupo é Carmen Fernandez, coordenadora de Educação e Difusão do Conhecimento do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um centro de pesquisa, inovação e difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sediado no IQ, e professora do Departamento de Química Fundamental do IQ. Ela explica que o maior problema no estudo da química, e não apenas da eletroquímica, é exigir dos alunos a capacidade de lidar com três níveis representacionais: o macroscópico, dos fenômenos visíveis; o submicroscópico, dos conceitos abstratos; e o simbólico, da linguagem química.
Ela reconhece que a química não é muito popular entre os estudantes, por ser considerada difícil e abstrata. E, pior, boa parte dos conceitos químicos aprendidos na escola não faz sentido para um número significativo de estudantes. Para tornar a química mais atraente, uma possibilidade seria integrar o ensino de química e biologia. “A química pela química é muito árdua e facilmente relacionada a coisas negativas, como poluição e agrotóxicos, o que desestimula os estudantes. Por isso o apelo da bioquímica de entender a vida por meio da química é muito interessante, especialmente para adolescentes”, diz a docente.
No caso das reações redox, as dificuldades encontradas por estudantes podem estar associadas à complexidade dos conceitos, à terminologia usada pelos professores e mesmo à linguagem imprecisa e, às vezes, inapropriada utilizada em livros didáticos. Obstáculos verbais e informações equivocadas tendem a reforçar concepções alternativas de professores e alunos.
As concepções alternativas não são simples erros. Elas têm consistência interna, são universais, persistentes e generalizadas, sendo encontradas tanto em professores como em estudantes de todos os níveis. E, evidentemente, representam um obstáculo à aprendizagem.
Estratégias e representações
Nos últimos três anos, o grupo de Fernandez ministrou cursos e oficinas para 277 professores de química do ensino médio. Alguns deles participaram de um curso de formação continuada, realizado no primeiro semestre deste ano, que abordou as dificuldades em relação ao conteúdo de reações redox e as estratégias para superá-las. O curso foi ministrado por dois alunos de doutorado. Os participantes eram professores de escolas públicas.
Para desenvolver o curso, a pesquisadora Luciane Fernandes de Goes fez um levantamento das principais concepções e dificuldades relatadas na literatura ao longo de dez anos e verificou as estratégias de sucesso utilizadas. Ela analisou as representações de reações redox em livros didáticos, para ver como as imagens se relacionam com o texto. Também passou um ano na Alemanha, onde acompanhou professores e constatou que eles têm dificuldades semelhantes às dos professores brasileiros em relação ao ensino de reações redox.
Os participantes também responderam um questionário que aborda cinco aspectos relacionados ao ensino: como o professor organiza os conceitos de um currículo, quais as dificuldades que percebe no ensino, quais as dificuldades dos alunos, como escolhe as representações e quais estratégias conceituais utiliza. Tanto na avaliação do curso quanto nos resultados obtidos com o questionário, que já foi respondido por mais de 100 professores, os pesquisadores apontam que as principais dificuldades dos professores de química são a elaboração de estratégias de ensino e a escolha de representações.
“Quando submetidos à TALP, Técnica de Associação Livre de Palavras, quase todos os professores de química que participaram dos cursos e oficinas associam reações redox a pilhas e baterias, quase nunca aparece fotossíntese ou respiração, por exemplo”, observa Pablo Castro, que ministrou o curso junto com Luciane Goes.
Algumas dificuldades de se trabalhar o conteúdo redox podem vir das representações nos próprios livros, como explica a mestranda Anike Araujo Arnaud. Ela analisa livros de química utilizados no ensino fundamental 1 e 2 e no ensino médio, principalmente os que foram aprovados pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD).
Segundo Arnaud, os livros didáticos aprovados para o ensino médio em 2018 seguem um padrão: definem os termos das reações redox, ensinam a calcular o número de oxidação e a fazer balanceamento. Depois entram com células eletrolíticas, pilhas e eletrólise. Esses conteúdos muitas vezes são dados em anos diferentes. Embora a fotossíntese seja apresentada a crianças no ensino fundamental, os livros não trabalham com termos ligados às reações redox.
Todos esses estudos são um pano de fundo para a investigação do Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (PCK, na sigla em inglês) dos professores de química sobre processos redox. O PCK representa o conhecimento que os professores utilizam no processo do ensino, distinguindo o professor de uma dada disciplina de um especialista. Segundo Fernandez, o estudo do PCK é importante para compreender o desenvolvimento profissional e, especialmente, para contribuir para a formação dos professores. “Para ensinar não basta saber o conteúdo, é preciso rechear esse conteúdo com uma série de circunstâncias, de atividades e de estratégias para chegar ao aluno e conseguir contornar as concepções alternativas que ele vai ter daquele conteúdo”, afirma a docente do IQ.
Nas pesquisas, Fernandez e seu grupo procuram também identificar as principais concepções alternativas sobre reações redox e entender como elas são formadas e reforçadas.
Com informações de Maria Célia Wider/Assessoria de comunicação do Redoxoma