Um grupo de pesquisadores do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP é pioneiro ao mostrar o envolvimento da proteína DVL-2 no processo de envelhecimento. A diminuição desta proteína na célula favorece a vulnerabilidade dos neurônios e contribui para a manutenção da inflamação crônica do sistema nervoso. A chamada neuroinflamação, tão comum em idosos, parece ser um dos principais fatores para o surgimento de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson.
Os resultados estão descritos no artigo Age-related neuroinflammation and changes in AKT-GSK-3β and WNT / β-CATENIN signaling in rat hippocampus publicado no último mês de dezembro na Revista Aging. O trabalho é parte da dissertação de mestrado da pesquisadora Ana Maria Marques Orellana, realizada sob a orientação do professor Cristoforo Scavone.
Várias substâncias, entre elas enzimas, proteínas, aminoácidos e receptores, estão envolvidas na manutenção do equilíbrio do organismo. Elas atuam através das chamadas vias de sinalização celular, que são “caminhos” onde elas interagem entre si e com outras substâncias a fim de manter esse equilíbrio. Porém, como o envelhecimento, isso é modificado. Duas principais vias de sinalização interagem e influenciam este processo: a WNT / β-catenina e a via do glutamato.
Alguns grupos de pesquisa já mostraram o papel da WNT / β-catenina para o envelhecimento e sua diminuição nessa fase. “Neste estudo, nosso grupo de trabalho também confirmou esses dados. Entretanto, a maior contribuição foi descobrir que a chave está na proteína DVL-2″, destaca o professor Scavone.
A função da WNT / β-catenina é ir para o núcleo da célula ativar genes associados com a sobrevivência celular. Para isso, ela conta com a ajuda da DVL-2, proteína utilizada pela WNT para impedir a ação de uma quinase, a GSK3β. Essa quinase fosforila a β-catenina, ou seja, transfere para ela um grupo fosfato (PO4). Ao ser fosforilada, ao invés de ir para o núcleo da célula ativar genes, ela vai para a degradação. “Por isso, quanto mais a DVL-2 estiver diminuída, mais a GSK3β vai fosforilar e, consequentemente, menos β-catenina chegará no núcleo”, esclarece.
O professor relata que a diminuição da DVL-2 está associada à alteração da expressão de genes que a regulam e também à degradação decorrente do próprio ciclo celular. “Existe ainda a hipótese de que o aumento da neuroinflamação leva à diminuição desta proteína”, lembra.
De acordo com Scavone, os resultados deste e de outros trabalhos do grupo apontam para a possibilidade da criação, na farmacologia, de compostos que tenham o potencial de aumentar a DVL-2 nas células.
Glutamato e NF-kB
Há ainda outros fatores que precisam ser levados em conta. O estresse crônico aumenta os glicocorticoides no organismo, substância que, em níveis normais, atuam como anti-inflamatório. “Mas em níveis elevados e crônicos, eles desregulam a sinalização entre as células do sistema nervoso central levando à hiperatividade da glia”, esclarece. A glia é formada por células que tem a função de dar suporte ao sistema nervoso.
Quando o organismo está em equilíbrio, a glia protege os neurônios e remove o excesso de glutamato, neurotransmissor que, em excesso, pode se tornar tóxico e matar as células neuronais. “A glia remove o excesso de glutamato, mas quando está hiperativada, produz muitos mediadores que irão aumentar ainda mais a produção de glutamato. Tanto o estresse crônico como os glicocorticoides são estímulos interpretados como lesivos ao sistema nervoso e levam à neuroinflamação”, diz.
Dados na literatura sugerem a existência de uma interação entre a via de sinalização da WNT / β-catenina e a ativação do NF-kB, um fator de transcrição que modula genes anti e pró inflamatórios. Se o NF-kB for ativado no neurônio, ele atua como protetor e vai modular genes que irão proteger esses neurônios. Mas no envelhecimento, com a glia hiperativada, o NF-kB vai modular genes pró-inflamatórios e pró-apoptóticos (que podem levar a morte neuronal).
Dentre os fatores modulados pelo NF-kB estão as citocinas, TNF-α e interleucina 10. A TNF-α é um mediador pró inflamatório que no envelhecimento está aumentada favorecendo um aumento do glutamato no cérebro. Já a interleucina 10 exerce uma função anti-inflamatória, mas no envelhecimento ela está diminuída.
“Esses dados mostram que, com o envelhecimento, o cérebro torna-se mais suscetível aos efeitos deletérios da inflamação crônica, por meio dos glicocorticoides e da via NF-kB. É preciso ainda levar em conta a diminuição de vias potencialmente benéficas, como a da WNT”, aponta Scavone.
Entender como a DVL-2 influencia esse quadro será muito importante para ajudar na compreensão das doenças neurodegenerativas associadas ao envelhecimento.
O projeto contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, e do Nucleo de Apoio à Pesquisa em Neurociência Aplicada (NAPNA). O estudo teve como colaboradores Andrea Rodrigues Vasconcelos, Jacqueline Alves Leite, Larissa de Sá Lima, Diana Zukas Andreotti, Carolina Demarchi Munhoz, e Elisa Mitiko Kawamoto, todos do ICB.
Valéria Dias / Agência USP de Notícias
Mais informações: cristoforo.scavone@gmail.com, com o professor Cristóforo Scavone