Cientista fala de tipo de morte celular pouco conhecido

Morte das células em processo que envolve íons de ferro é tema de seminário do Cepid Redoxoma no Instituto de Química

 08/05/2018 - Publicado há 7 anos
Evento no Centro de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma) abordará temas recentes de pesquisa relacionados à morte celular por ferroptose – Foto: Pixabay/CC

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A morte de uma célula pode ocorrer de uma forma “suave”, programada pelo próprio organismo para manutenção do seu equilíbrio, ou então por processos acidentais, como infecção, substâncias tóxicas e falta de oxigênio. Ainda pouco conhecida, a ferroptose é um tipo de morte celular não programada que envolve a participação do ferro, na forma de íons, e está ligada à degradação de lipídeos (gorduras) por um processo conhecido como peroxidação lipídica.

O que acontece é que membranas biológicas, como as que envolvem as células, são formadas principalmente por lipídeos. E os íons de ferro catalisam, isto é, facilitam as reações de decomposição das gorduras, gerando compostos tóxicos para a célula, além de outros capazes de promover modificações em moléculas importantes para a vida.

No próximo dia 15 de maio, um seminário do Centro de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma) abordará temas recentes de pesquisa relacionados à ferroptose. O palestrante é o pesquisador José Pedro F. Angeli, do Rudolf Virchow Center for Experimental Biomedicine, University of Wursburg, na Alemanha, que dará o seminário Ferroptosis: Metabolic regulation of a cell death pathway marked by lipid peroxidation.

Angeli foi aluno de doutorado do professor Paolo Di Mascio e trabalhou por um tempo com as professoras Marisa de Medeiros e Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química da USP e do Cepid Redoxoma, estudando mecanismos envolvendo produtos que se formam na degradação de membranas biológicas.

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Ferroptose

O cientista explica que as células podem morrer de várias formas, e cada tipo de morte celular tem um impacto diferente no organismo. Por exemplo, a chamada morte por apoptose (programada) em geral não ativa o sistema defesa do organismo. Já as mortes não programadas, em sua maioria, ocorrem quando as membranas celulares ficam desorganizadas e extravasam os componentes que estavam dentro da célula. Estes, por sua vez, são reconhecidos pelo sistema imunológico e ativam uma cadeia de reações que podem continuar propagando os danos.

Em determinados tecidos, diz ele, a ferroptose pode desencadear um processo de inflamação crônica que vai estimular mais morte e mais inflamação, gerando um ciclo vicioso, que pode estar envolvido em algumas doenças. Mas nem tudo é prejuízo. “Mortes como a ferroptose podem ser vistas como um benefício, por exemplo, em terapias para alguns tipos de câncer, porque elas podem reativar o sistema imunológico”, conta o pesquisador, citando assim exemplos em que é possível aplicar o conhecimento gerado por pesquisas básicas e tão específicas como essa.

Vários aspectos envolvidos nesse tipo de morte celular, no entanto, ainda não foram esclarecidos. O que dispara a ferroptose? Que fatores determinam a suscetibilidade das células a esse tipo de morte? Por que a enzima GPx4 é tão especial/essencial para a sobrevivência celular? Como inibir a ferroptose?

Essas são algumas das perguntas que os pesquisadores vêm explorando utilizando modelos celulares e animais, além de uma grande variedade de ferramentas de análise clássicas e avançadas de bioquímica e biologia molecular.

Diagrama de uma típica célula animal – Foto: Kelvinsong via Wikimedia Commons – CC

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Enzima protetora

Em seu pós-doutorado no grupo de Marcus Conrad, do Institute of Developmental Genetics, Helmholtz Zentrum Munchem, o pesquisador participou de vários estudos importantes, publicados em revistas de alto impacto, os quais evidenciaram o papel essencial de uma enzima específica para a sobrevivência celular, chamada GPx4. Ela atua na proteção dos lipídeos das membranas biológicas, e estudos liderados por Conrad demonstraram que a inibição ou a destruição desta enzima induz à morte celular por ferroptose.

“No pós-doutorado acabei me envolvendo mais com a engenharia genética para gerar novos modelos para estudar a peroxidação lipídica [degradação das gorduras]. E, por sorte, foi nessa época que surgiu uma técnica de edição genética, a CRISPR-Cas9, que facilitou muito o trabalho”, conta Angeli, que atualmente lidera seu próprio grupo de pesquisa na University of Wursburg.

Em dois trabalhos publicados recentemente na revista Nature Chemical Biology, eles mostraram que a suscetibilidade das células à ferroptose depende da composição de lipídeos das membranas celulares.

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200 anos de selênio

Ao longo da evolução, utilização de selenocisteína pode ter permitido que as células tolerassem condições estressantes sem que ativassem a ferroptose – Imagem: Domínio Público via Wikimedia Commons

Mais recentemente, em um trabalho publicado na prestigiada revista Cell, com a colaboração do grupo da professora Sayuri Miyamoto, foi demonstrado o papel essencial do selênio, elemento que compõe a enzima GPx4 na forma de uma substância chamada selenocisteína. Por coincidência, o trabalho foi publicado no ano em que se comemoram os 200 anos da descoberta do selênio pelo químico sueco Jöns Jacob Berzelius.

“Este trabalho mostrou, pela primeira vez, o papel crucial da enzima GPx4 e o papel fundamental do selênio no desenvolvimento de uma classe específica de neurônios”, afirmou Miyamoto. Além disso, os dados dão suporte à teoria de que o selênio no sítio ativo da enzima confere resistência à degradação da mesma, evitando assim sua inativação e, consequentemente, o desencadeamento do processo de ferroptose em determinadas condições.

Para a pesquisadora, as descobertas também apontam para os mecanismos evolutivos que levaram alguns organismos – mamíferos, peixes, aves, alguns vermes e bactérias – a optar por uma maneira aparentemente mais custosa e menos efetiva de sintetizar proteínas contendo selenocisteína.

Segundo Angeli, “é surpreendente que, durante a evolução, tenha sido mantida a maquinaria de incorporação do selênio na enzima GPx4”. É provável que a utilização de selenocisteína tenha permitido que as células tolerassem condições estressantes sem que ativassem a ferroptose. “Possivelmente, a utilização do selênio foi necessária para a evolução de membranas lipídicas mais complexas.”

O seminário será realizado no dia 15 de maio, às 12 horas, no Anfiteatro Paschoal Senise (Cinza), bloco 6 superior, no Instituto de Química da USP (Av. Prof. Lineu Prestes, 748, Cidade Universitária, São Paulo), e será transmitido por videoconferência para as instituições participantes do Redoxoma.

Com informações de Maria Célia Wider, da Assessoria do Cepid Redoxoma

Texto original: http://redoxoma.iq.usp.br/paginas_view.php?idPagina=882#.WvDWH_nwaJA

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