Bagaços de laranja e buriti ativam crescimento de probiótico em iogurtes e leites fermentados

Produtos lácteos mal armazenados e em longos períodos de prateleira perdem propriedades probióticas, comprometendo eficácia no equilíbrio da flora intestinal e fortalecimento do sistema imunológico

 Publicado: 25/02/2025 às 8:00     Atualizado: 06/03/2025 às 13:36

Texto: Ivanir Ferreira
Arte: Moisés Dorado

Colher de sobremesa, de metal, cheia de iogurte cremoso, de cor branca.

O aumento de L. acidophilus é importante porque garante que o probiótico se mantenha em níveis adequados por mais tempo no produto, potencializando, assim, seus efeitos benéficos para a saúde das pessoas.  Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Uma pesquisa realizada no Laboratório de Microbiologia Quantitativa de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em colaboração com a USP, verificou que a adição de subprodutos de laranja (bagaço) e da polpa de buriti, fruta nativa da Amazônia, em iogurtes e leites fermentados aumenta o crescimento do L. acidophilus – um dos principais probióticos presentes nesses produtos lácteos, que contribuem para o equilíbrio da flora intestinal e o fortalecimento do sistema imunológico.

O professor Anderson de Souza Sant’Ana, orientador e supervisor da pesquisa na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, explicou que o objetivo inicial do estudo era expor bactérias probióticas presentes em iogurtes e leites fermentados a condições estressantes, a fim de alterar positivamente o perfil de compostos bioativos e aumentar sua biodisponibilidade, ou seja, a capacidade de serem absorvidos pelo organismo, resultado confirmado pela pesquisa. Além disso, os pesquisadores observaram que, ao serem expostas a essas condições, as bactérias apresentaram aumento no crescimento do L. acidophilus. De acordo com Sant’Ana, esse crescimento é importante, pois garante que o probiótico se mantenha em níveis adequados por mais tempo nos produtos lácteos, potencializando, assim, seus efeitos benéficos para o organismo

Homem branco, calvo, de barba, vestido de paletó e camisa escuros, esboçando um leve sorriso.

Professor Anderson de Souza Sant’Ana (Unicamp/supervisor da pesquisa) – Foto: Arquivo pessoal

Os resultados foram publicados na Food Microbiology, sob o título Impacto do estresse de pré-exposição no crescimento e viabilidade de L. acidophilus em produtos lácteos fermentados de polpa de buriti e subprodutos de laranja, de autoria do professor Anderson de Souza Sant’Ana, da Unicamp; Juliana Silva da Graça, da Unicamp (autora da pesquisa e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp); Mariana M. Furtado, da Unicamp; Luisa Freire, da Unicamp; e Ramon da Silva Rocha, do Centro de Pesquisa de Alimentos (ForC) da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.

Perda de viabilidade dos probióticos

Segundo o estudo, a perda de viabilidade dos probióticos em iogurtes e leites fermentados representa um desafio na produção dos produtos lácteos. Isso ocorre especialmente quando eles são armazenados de forma inadequada ou por longos períodos nos supermercados, o que resulta na diminuição significativa da quantidade de lactobacilos vivos, comprometendo sua eficácia no organismo, condição já sabida pelos pesquisadores.

Para que os produtos lácteos ofereçam benefícios à saúde, como o equilíbrio da flora intestinal e a modulação do sistema imunológico, é fundamental que uma quantidade mínima de L. acidophilus vivos sobreviva ao processo digestivo. “É necessário que os alimentos contenham entre 8 e 9 logs de unidades formadoras de colônias (UFC/ml) por porção diária recomendada, o que equivale a um bilhão de células viáveis”, relata o professor Rocha.

“Ao serem consumidos, produtos lácteos probióticos com baixa contagem desses microrganismos apresentam ainda mais chances de não cumprirem sua função benéfica para a saúde. Isso ocorre por diversos motivos, seja perda de viabilidade durante o processamento e armazenamento do produto, e também ao passar pelo trato gastrointestinal, os probióticos enfrentam condições adversas, como variações de temperatura, baixo pH e a ação de enzimas, que dificultam sua sobrevivência e comprometem sua viabilidade”, relata Rocha.

Homem branco e cabelo castanho. Usa óculos de sol e camiseta branca. Esboça leve sorriso.

Professor Ramon da Silva Rocha (pesquisador USP) – Foto: Arquivo pessoal

Bactérias "estressadas"

As análises foram realizadas em amostras de iogurtes e leites fermentados com os L. acidophilus expostos a três condições de estresse, com ou sem a adição de polpa de buriti e bagaço de laranja. Também foram avaliadas amostras controle, compostas de iogurtes e leites fermentados adquiridos em supermercados, sem os ingredientes adicionais. O estudo simulou o armazenamento dos produtos por até 21 dias.

Os L. acidophilus foram ativados a uma temperatura de 37°C, por 10 horas. Em seguida, a cepa foi exposta ao estresse ácido, oxidatvo e osmótico (mudança brusca na concentração de substâncias dissolvidas), com amostras coletadas após 0, 4, 6, 8 e 10 horas. Em seguida, tanto a polpa de buriti quanto os subprodutos de laranja foram incorporados ao iogurte e ao leite fermentado, com ou sem a cepa probiótica exposta ao estresse. No total, foram preparadas 27 formulações, incluindo formulações controles sem esses ingredientes. Após a fermentação, os iogurtes foram armazenados a 4°C, por 21 dias e avaliados a cada 7 dias (0, 7, 14 e 21 dias) para verificar a viabilidade dos microrganismos.

O professor Sant’Ana explica que a exposição dos L. acidophilus ao estresse desencadeia reações nos microrganismos que adotam estratégias de adaptação para garantir sua sobrevivência. Esse processo pode causar alterações em diversos mecanismos biológicos, “algumas das quais podem ser aproveitadas de forma vantajosa na indústria de laticínios”.

Resultados

Segundo o professor Rocha, houve aumento da viabilidade de L. acidophilus nas amostras de iogurtes que continham subprodutos de laranja e expostos ao estresse ácido e oxidativo, mesmo após 21 dias de armazenamentos. Esse resultado foi observado em comparação aos iogurtes controle, ou seja, as amostras que não receberam adição de nenhum ingrediente. O iogurte com poupa de buriti teve a viabilidade do L. acidophilus aumentada comparado às amostras controle. O iogurte apenas com poupa de buriti e exposto ao estresse oxidativo também teve aumento dos L. acidophilus após 21 dias de armazenamento.

Quanto ao leite fermentado, nas amostras adicionadas com subproduto de laranja ou poupa de buriti e L. acidophilus exposto ao estresse ácido, oxidativo e osmótico, também houve aumento dos probióticos até o 21º dia de armazenamento, ao ser comparado com o leite fermentado controle que não recebeu adição de ingredientes.

De acordo com o professor Sant’Ana, os resultados da pesquisa são promissores porque indicam a viabilidade de aprimorar a disponibilidade de nutrientes essenciais para a alimentação e nutrição humana por meio de fontes provenientes da biodiversidade brasileira. A opinião também foi compartilhada pelo professor Rocha, que diz que o processo envolve práticas alimentares sustentáveis que aproveitam subprodutos agroindustriais ricos em nutrientes e que antes eram descartados.

Na USP, o professor Rocha busca estudantes que tenham interesse em trabalhar em sua linha de pesquisa, nos níveis de iniciação científica, mestrado e doutorado, utilizando tecnologias emergentes como ferramenta para exposição a condições de estresse (condições subletais) de diferentes probióticos de importância na saúde pública e possíveis aplicações em alimentos. Os interessados devem entrar em contato pelo e-mail ramonrocha@usp.br.

O artigo Impact of pre-exposure stress on the growth and viability of Lactobacillus acidophilus in regular, buriti pulp and orange byproduct fermented milk products está disponível neste link.

Mais informações: Anderson S. Sant’Ana (Unicamp), email and@unicamp.br; e Ramon Rocha (USP) ramonrocha@usp.br.

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