Análises feitas em pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) revelaram pela primeira vez a existência de dois tipos de vírus em amostras de tecidos relacionados com aneurismas intracraniano (AIs), uma dilatação nas artérias do cérebro. As avaliações em pacientes com aneurismas detectaram o material genético do herpes vírus humano (HHV) e do torque teno vírus (TTV) e um estudo de caso encontrou a presença de DNA viral nas artérias cerebrais dos aneurismas. Os resultados do trabalho podem contribuir para os estudos sobre a influência das infecções por vírus na formação dos aneurismas, cuja ruptura provoca hemorragias cerebrais, as quais elevam muito as chances de morte do paciente, sendo por isso um evento temido pelos médicos.
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A hemorragia subaracnóidea (HSA) causada por aneurisma intracraniano (AI) pode causar, aproximadamente, 50% de mortalidade entre pacientes entre 18 e 60 anos de idade. “A fraqueza estrutural do vaso arterial e sua ruptura ainda são fenômenos pouco compreendidos. Fatores de riscos para formação dos aneurismas são classificados como modificáveis e não modificáveis”, relata o neurocirurgião Nicollas Nunes Rabelo, que realizou o trabalho. “Recentes avanços na detecção de DNA viral e a associação de vírus com doenças vasculares fomenta a hipótese de correlacionar a presença de DNA viral na parede do vaso arterial e o AI”.
O vírus torque teno vírus (TTV), apesar de descrito recentemente, possui alta prevalência na população mundial. “Este vírus, além de se replicar na corrente sanguínea, está associado a diversas infecções em estados de imunossupressão do paciente, como sepse e transplante”, descreve o pesquisador. “Por outro lado, o pan-herpes vírus humano (pan-HHV), também é muito prevalente. A presença de vírus pode levar a uma resposta inflamatória crônica silenciosa, consequentemente, fragilizando a parede dos vasos arteriais sistêmicos a longo prazo”.
A paciente analisada no estudo era uma mulher de 61 anos, tabagista, hipertensa e que tomava medicamentos para controlar a pressão arterial. “Quando foi hospitalizada, estava há quatro dias com dor de cabeça intensa e diminuição do nível de consciência, o que os familiares relataram não ter acontecido anteriormente”, aponta Rabelo. “Na avaliação, apresentava pressão alta, hemorragia com necessidade de intubação, e também foi constatado déficit neurológico”.
No caso analisado, o exame radiológico revelou a presença de dois tipos de aneurismas e um edema cerebral moderado. “A paciente foi submetida à microcirurgia, com craniotomia e clipagem temporária de três artérias, sem complicações cirúrgicas, mas a tomografia computadorizada de crânio revelou a manutenção de desvio em um dos aneurismas, com hérnia central, sem possibilidade de evolução para extubação”, relata o neurocirurgião. “Houve piora da função renal, leucocitose e aumento de PCR, com agravamento do quadro clínico, impedindo qualquer nova intervenção. A paciente morreu depois de 21 dias de internação”.
A análise da virologia molecular pela análise de DNA por PCR foi realizada para verificar a possível presença de um dos oito tipos de herpes vírus no aneurisma operado da paciente. “Todas as amostras foram adequadas para avaliação da amplificação de DNA por meio de controle interno. A quantidade (real-time) de reação em cadeia da polimerase (qPCR) com indicadores específicos para TTV e uma sonda foi utilizada”, afirma Rabelo. “O resultado positivo do direcionamento de PCR foi obtido para o vírus Epstein barr vírus (EBV), com carga viral de 12.163 cópias / mL no fragmento do aneurisma”.
Na continuação do estudo, foram analisadas amostras de aneurismas de 35 pacientes, e em 16 deles (46%) foi constatada a presença de vírus. Desses pacientes, 15 apresentavam o HHV e um deles o TTV. “Esta é a primeira descrição na literatura que estabelece a presença de infecção por EBV e TTV em amostras de tecidos de Ais”, ressalta o pesquisador. “Estes achados mostraram que a infecção por vírus pode contribuir para a fisiopatologia da formação, progressão e ruptura de AI ao modular fatores inflamatórios e imunológicos da parede do vaso”.
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Segundo o neurocirurgião, a população brasileira ainda apresenta condições sociais de baixa renda, escolaridade e problemas sociais que corroboram a hipótese de que pode aumentar o contágio de vírus e, consequentemente, favorecer sua cronicidade e todas as alterações citadas no estudo. “Populações com riscos sociais apresentam maior predisposição à redução da imunidade, consequentemente, maior presença de vírus na corrente sanguínea. Estudos multicêntricos são necessários para comparar estas hipóteses entre as populações”, destaca. “Os resultados deste estudo destacam também a importância de ampliar o entendimento e esclarecer as relações entre inflamação, reação imunológica e aneurismas cerebrais e, com o avanço da tecnologia, a desenvolver técnicas de detecção do vírus como biomarcador para diagnóstico precoce e vacinas”.
“Já existem fatores de risco para desenvolvimento do aneurisma cerebral conhecidos como fatores modificáveis, como hipertensão, uso de drogas, tabagismo, e fatores não modificáveis como genética, história de já ter tido aneurisma que rompeu, tamanho do aneurisma, e síndromes associadas”, afirma Rabelo. “Porém existem pacientes que não apresentam os fatores de risco conhecidos que expliquem totalmente o porque que em alguns pacientes manifestam a doença aneurismática. Isso torna necessário pesquisas como essa para buscar outros fatores de risco para desenvolvimento do aneurisma”. A pesquisa faz parte da tese de doutorado ddo Dr Nícollas Nunes Rabelo, realizada no programa de pós-graduação em neurologia da FMUSP. O estudo foi orientado pelo professor Eberval Gadelha Figueiredo e teve como co-orientador o professor Paulo Henrique Braz da Silva.
Mais informações: e-mail nicollasrabelo@hotmail.com, com Nícollas Nunes Rabelo