Voltado para as micro e pequenas empresas (MPEs), incluindo os micro empreendedores individuais (MEI), o Simples Nacional é um regime criado para reduzir a burocracia e os custos de pequenos empresários com um sistema unificado de recolhimentos de tributos e simplificação de declarações, entre outras facilidades. Apesar das inúmeras vantagens, muitas vezes ele pode representar uma barreira ao crescimento desses empreendimentos. Em sua pesquisa de mestrado O lucro real como instrumento de emancipação fiscal das pequenas empresas, o pesquisador Tiago Lucena Figueiredo desvendou as principais causas dessa dificuldade de prosperar, apresentando uma alternativa ao sistema tributário vigente.
A pesquisa, apresentada na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, propõe uma revisão do Lucro Real como alternativa ao sistema vigente.
“O Lucro Real é um método de apuração do Imposto de Renda que determina que a pequena empresa faça as devidas análises da sua contabilidade para apurar os tributos, consiga compreender melhor como está a saúde financeira da empresa e possibilita a essa empresa que ela tome melhores decisões na hora de investir, na hora de ditar os rumos do negócio, na hora de atender os clientes, na hora de atender ao mercado”, explica o pesquisador.
Figueiredo conta que se interessou pelo tema já na graduação quando identificou alguns entraves entre o ICMS e o Simples Nacional e decidiu aprofundar os estudos para “tentar proporcionar às pequenas empresas uma forma de tratamento tributário diferenciado e favorecido” condizente com a realidade destas e que, efetivamente, propiciasse crescimento. Para tanto, realizou análise de diversas publicações jurídicas e pesquisas contábeis sobre o Simples Nacional e a tributação da renda, além de obras internacionais sobre a tributação da renda das pequenas empresas fora do Brasil.
Como resultado, concluiu que o Sistema Tributário Nacional foi estruturado para garantir a arrecadação em grandes empresas e não para contemplar a realidade das MPEs. Figueiredo segue dizendo que “a opção política do País foi a de manter o regime geral complexo e focado nas grandes empresas, ao mesmo passo que foi instituído um regime especial paralelo para as MPEs: o Simples Nacional”.
Na avaliação de Figueiredo, “as pequenas empresas não conseguem recolher seus tributos pelos regimes normais de tributação, como o Lucro Real ou Presumido, já que atualmente estes são muito burocráticos. Então, acabam tendo de optar quase que obrigatoriamente pelo Simples Nacional. Porém, de acordo com os dados levantados na pesquisa, o Simples Nacional não é a melhor forma de se dispensar tratamento diferenciado e favorecido às pequenas empresas”.
Regimento do Simples Nacional
Segundo o Ministério da Fazenda, o Simples Nacional é um regime tributário criado em 2006 pela Lei Complementar 123, destinado às micro e pequenas empresas – inclusive os microempreendedores individuais. Ele foi criado com o objetivo de desburocratizar o recolhimento de tributos pelos pequenos empreendedores por meio de um sistema unificado e simplificado de arrecadação.
Um dos principais atrativos do Simples Nacional é a junção dos principais tributos incidentes sobre a atividade empresarial (IRPJ, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, IPI, ICMS, ISS e a Contribuição para o INSS) em uma só guia de recolhimento, a DAS, facilitando a vida do empreendedor que consegue pagar todos de uma vez só.
Entretanto, para poder optar pelo Simples Nacional, as empresas devem se adequar a algumas regras, como, por exemplo, ter um receita bruta anual de, no máximo, R$ 4,8 milhões, fazer concessões onerosas e não ter débitos com as Fazendas Públicas. Além disso, não são todas as empresas que podem optar pelo regime, já que a opção está vedada para algumas atividades, como fabricantes de refrigerante.
Problemáticas do Simples Nacional
Figueiredo explica que “a Constituição Federal de 1988 garante às pequenas empresas um tratamento tributário diferenciado e favorecido. Por isso, o legislador tinha a tarefa de ajustar o Sistema Tributário Nacional para facilitar a apuração pelos pequenos empreendedores”.
No entanto, continua Figueiredo, “dentre as diversas formas possíveis para se favorecer a pequena empresa, o legislador acabou criando o Simples Nacional que conhecemos hoje”. Apesar das benesses este regime “está longe de ser o ideal, já que as pequenas empresas devem abrir mão de certos direitos e garantias para optar pelo Simples Nacional”.
Em algumas situações, continua o pesquisador, “a pequena empresa paga mais tributos no Simples Nacional do que outra empresa não optante pelo regime especial. Como o Simples Nacional está pautado no modelo de tributação presumida, bastando faturar para pagar tributos, a pequena empresa acaba pagando mesmo que não tenha lucro ou até em situação de prejuízo, diferentemente do lucro real”.
Além disso, o regime especial é limitado para as empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões. “Muitas empresas, assim que saem do Simples, por não ter um período de transição de um regime para o outro, não conseguem manter a atividade e acabam quebrando. Ou, ainda, acabam se dividindo artificialmente em mais de uma pequena empresa só para ter acesso ao regime especial, o que é péssimo para o ambiente de negócios”. Em verdade, “os pequenos empreendedores ficam reféns do sistema”.
“Um regime tão simplificado em obrigações acessórias, como o Simples Nacional, acaba dificultando o acesso a informações contábeis e dados fidedignos sobre a empresa. Assim, o dono do negócio, muitas vezes, desconhece a realidade da própria empresa e sequer sabe se está tendo lucro”, completa Figueiredo.
Proposta para reformulação
Para o pesquisador, “as MPEs devem atingir sua emancipação fiscal. Isto é, terem autonomia para apurar e recolher tributos, sem dependerem de um regime especial como o Simples Nacional, que é repleto de armadilhas e condições onerosas”.
Baseado nessas afirmativas, a pesquisa propõe uma reflexão: “repensar, fora da lógica do Simples Nacional, a forma de se dispensar tratamento diferenciado e favorecido para as pequenas empresas. Ou seja, reformar os regimes normais de tributação para que as pequenas empresas consigam recolher seus tributos por eles”.
Apesar de reconhecer a importância da reforma dos regimes gerais de tributação de todos os tributos, pela extensão do trabalho, Figueiredo faz um recorte temático para análise do Imposto de Renda devido pela Pessoa Jurídica. “É um método de apuração do imposto de renda que enseja a profissionalização da pequena empresa, que passa a contabilizar todos os seus resultados e a tomar decisões mais acertadas.” Para ele, está no lucro real, o potencial emancipador idealizado pelo trabalho.
Entretanto, reconhece que, atualmente, o lucro real não comporta as MPEs devido às alíquotas de impostos mais altas e algumas burocracias acessórias que podem gerar custos para o empreendedor. Por isso, apresenta alternativas para que as pequenas empresas possam efetivamente optar por este regime: “Para o custo do imposto, poderia haver faixas de tributação menores, assim como existe no imposto de renda das pessoas físicas. E, quanto às obrigações acessórias, o próprio governo poderia simplificar a legislação e disponibilizar softwares que facilitassem a vida do empreendedor.”
Impacto na vida do empreendedor
Segundo o Ministério da Fazenda, no ano de 2022, cerca de 70% dos empregos gerados foram pelas MPEs. Ainda segundo o Ministério, 99% de todas as empresas em funcionamento no Brasil são micro ou pequenas empresas; das 20 milhões de empresas abertas no país, 14 milhões são microempreendedores individuais (MEI).
No Brasil, atualmente existem três propostas de reforma tributárias, a PEC 45/2019, a PEC 110/2019 e a PL 3887/2020. Todas estão travadas na Câmara dos Deputados ou Senado Federal e nenhuma contempla diretamente as pequenas empresas.
A pesquisa de mestrado de Figueiredo, O lucro real como instrumento de emancipação fiscal das pequenas empresas, foi apresentada em 2022, sob orientação do professor Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, e está disponível para consulta na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.
Ouça no player abaixo a entrevista do pesquisador Tiago Lucena Figueiredo à Rádio USP.
Mais informações: e-mail tiago.lucena.figueiredo@gmail.com