Neste episódio da série Mulheres e Justiça, o processo de reescrita em perspectiva jurídico-feminista é de uma decisão que evidencia os embricamentos das relações de gênero, classe, raça e território. A reescrita abordada neste episódio é a Ocupação Mulheres Guerreiras: reescrita de decisão judicial de um despejo urbano em João Pessoa, sobre a reintegração de posse da Ocupação Mulheres Guerreiras, em João Pessoa, Paraíba, que em 2018 sofreu um despejo em virtude da decisão proferida pelo juízo da 3a Vara Federal. A convidada da professora Fabiana Severi para falar da reescrita desta semana é Ana Lia Almeida, professora da UFPB, que trabalhou com as discentes Maria Eduarda Rodrigues dos Santos Pessoa e Renata Alves de Oliveira Barbosa, ambas da UFPB.
A reescrita ocorreu no âmbito do projeto de pesquisa interinstitucional Julgamentos em perspectiva crítica feminista: reescrevendo decisões judiciais do Nordeste brasileiro, que envolveu pesquisadoras, professoras e estudantes da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Instituto Federal da Paraíba (IFPB) e Universidade Federal do Semiárido (Ufersa) – da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Durante o curso do projeto foram feitas outras reescritas no âmbito da Região Nordeste brasileira, considerando aspectos como raça/etnia, classe, territorialidade, gênero e sexualidade.
Gênero e território
Sobre a escolha da reescrita que envolve a decisão judicial de um despejo urbano, Ana Lia afirma que é oportuno levantar como as relações de gênero também estão presentes nos conflitos urbanos e rurais. “Também estão presentes questões como raça e classe, mas uma demarcação de gênero é importante na visibilidade desses conflitos, não são conflitos simplesmente por disputa de moradia, de território, são conflitos generificados também, pois essa ocupação urbana era protagonizada por mulheres.”
Ao reescrever essa decisão judicial típica, dentro de uma ação possessória, ela confirmava uma liminar que reintegrava a posse de um imóvel sem a oitiva das partes. Na reescrita as pesquisadoras garantiram a propriedade do titular, a Caixa Econômica Federal, no caso um imóvel destinado à construção de um programa habitacional no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida. “Reconhecemos na sentença que a titularidade da propriedade é da Caixa, no entanto, a reintegração só é autorizada desde que aquelas famílias chefiadas por mulheres estejam alocadas em novas habitações destinadas pelo poder público.”
Segundo Ana Lia, as pesquisadoras levantaram na reescrita toda a discussão do direito de propriedade, regulamentação nacional e internacional em torno do direito à moradia e também algumas associações que já se faz, no âmbito normativo, entre direito à moradia e gênero. “Usando a generificação dos fatos na análise, concluímos que essas famílias só seriam despejadas quando estivessem com os seus imóveis devidamente alocados em projetos habitacionais. Pensamos que, com isso, o direito à moradia, especialmente, nesse caso era um direito conquistado por mulheres.” A condução da reescrita, diz a pesquisadora, “acabou por articular gênero, território, classe e, ainda, raça, tendo em vista que as Mulheres Guerreiras eram notadamente mulheres pretas.”
Para finalizar, a pesquisadora diz que os resultados mostram a articulação entre gênero, raça, classe e território. “A luta territorial é mobilizada pelo antagonismo entre as classes e as classes populares são generificadas, racializadas e territorializadas.”
A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira -
Apoio:acadêmicas Juliana Cristina Barbosa Silveira e Sarah Beatriz Mota dos Santos-FDRP
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