“Ela vê alguém mexendo no celular, ela para na frente da pessoa e fica esperando bater foto”, conta Lana Liz Perce Gomes, sobre sua cachorrinha Mel Gomes, da raça Yorkshire Terrier, de dez anos, que só sai da pose quando ouve o “cliquezinho que bateu a foto”, comportamento que, afirma a dona, não lhe foi ensinado. Além de praticar atividades normais de cães, Mel toma banho semanalmente para não enrolar os pelos, usa roupas no inverno, faz caminhadas, passeia de carro, frequenta shopping, acampa e também comemora o aniversário todos os anos, ações que não contradizem sua vontade, segundo Lana.
Mel também recebe alimentação natural e balanceada devido a problemas estomacais e intestinais; e o sobrenome do animal, conta sua dona, é para diferenciá-la em suas idas à clínica veterinária, já que possui nome comum. Lana afirma respeitar as condições e necessidades de Mel, entendendo o risco da humanização dos animais de estimação.
O que é humanização dos animais?
Segundo Adroaldo José Zanella, professor do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) de São Paulo da USP, o termo “humanização” vem do antropomorfismo para atribuir características humanas aos animais. Para o especialista, tratar os animais como filhos, organizar festas de aniversários e vesti-los com roupas em períodos quentes é ignorar as características biológicas e comportamentais dos animais, argumenta, atribuindo as dos humanos, o que é negativo, ainda que sejam com boas intenções.
Mas quem também recebe carinho e atenção de sua dona Rita Lemes é a cachorrinha Raylla, de três anos, que pode dormir no sofá e na cama, o que é criticado por conhecidos de Rita. “Sempre vão falar que eu estou exagerando, que cachorro não é para ficar dentro de casa”, conta, afirmando que também divide pedaços de sua comida com a cachorra, “para ela não ficar com vontade”. Como outros tutores e animais domésticos, Rita chama Raylla de filha, dando muito amor ao animal, pois, diz, é o que também recebe em troca e não se importa com “o que as pessoas vão falar”.
Já para o jovem Victor Daniel Baratto, dono de quatro cachorros, os quais também são tratados com conforto e carinho, os animais não possuem as mesmas necessidades físicas e emocionais que os humanos, o que exclui eventos sociais e a utilização de roupas em momentos desnecessários, que poderiam incomodá-los, argumenta. “Eu não trato eles como seres humanos, mas eu trato eles como um ser humano trataria um animal”, preocupando-se com as “necessidades deles”, como ambiente limpo e adequado, alimentação de qualidade, acompanhamento médico veterinário e lazer para diversão, sem exageros.
Problemas da humanização dos animais
Patrícia Ferreira Monticelli, etóloga e professora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, argumenta que “faz mal qualquer coisa que evite ao indivíduo exibir todos os comportamentos de sua espécie”. No caso dos cães, a especialista cita, como exemplo, consequências ruins como obesidade, infelicidade, dermatites e ansiedade. E a situação, assim como a dos animais de rua, também preocupa, já que, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, estima-se que quase 48 milhões de lares brasileiros tenham cães e gatos.
Doutoranda em Psicologia na FFCLRP, Ana Paula Mucha Tonetto afirma que há controvérsias sobre a humanização dos animais de estimação, mas que a “antropomorfização” não é novidade e já se apresentava no Egito antigo. Segundo a psicóloga, inconscientemente ou não, as pessoas projetam crenças, valores e aspectos da personalidade no contato com os animais. Por isso, afirma que, às vezes, é mais fácil demonstrar sentimentos pelos animais do que por outra pessoa. Mas, esclarece que, mesmo sendo positivo o contato com os animais para crianças e adultos, é preciso “tomar muito cuidado para não se ligar mais aos animais do que aos humanos”.
A decisão de se tornar tutor de um animal de estimação, segundo o professor Zanella, deve se basear na “apreciação” das características próprias da espécie e não no quanto ela é próxima ao ser humano. Segundo o especialista, conhecer e aprender sobre o comportamento e biologia dos animais são maneiras de evitar humanizá-los. Para os animais já humanizados, o professor afirma ser possível reverter o processo. “Quando você enriquece a vida de um animal, dando caminhadas diárias, coisas para brincar, coisas para que ele possa utilizar o olfato, e um ambiente social que ele consiga participar”, como o cachorro, por exemplo, “com certeza você vai conseguir mudar o bem-estar de um animal”, esclarece.