Pesquisadores encontram agrotóxicos em águas ribeirinhas da Amazônia

Estudo analisou 21 praguicidas de uso comum no Brasil em área de proteção ambiental; amostras continham substância proibida na União Europeia

Grupos de risco, como crianças, idosos e gestantes, podem estar sujeitos a possíveis efeitos adversos da ingestão direta da água analisada – Foto: Cedida pelos pesquisadores

 Publicado: 24/02/2025 às 12:23     Atualizado: 07/03/2025 às 19:23

Texto: Carolina Castro*
Arte: Moisés Dorado

USP Sustentável

 Pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP detectaram 13 praguicidas em concentrações consideráveis em amostras de águas urbanas e de comunidades ribeirinhas. O material foi coletado em uma área de proteção ambiental, na Bacia Amazônica. Ao todo, a equipe analisou a presença de 21 agrotóxicos de uso comum por produtores brasileiros.

Segundo a pesquisa publicada na revista científica Environmental Research, o composto mais detectado foi o inseticida fenitrotion, com uma taxa de detecção de 78%, seguido da cipermetrina, com 63%. Outro destaque foi o fipronil, encontrado acima dos limites em até 33% das amostras; este praguicida foi banido da União Europeia e países de outros continentes devido a sua alta toxicidade ambiental (principalmente às abelhas) e preocupação com a saúde humana.

Foto: Cedida pelos pesquisadores

Em contrapartida, 18% das amostras analisadas foram consideradas “limpas”, ou seja, comparadas às outras, elas apresentaram apenas um composto detectado. Segundo os pesquisadores, isso não as isenta de riscos ao ambiente e aos seres humanos. “É importante ressaltar que a área em que o estudo foi aplicado é habitada por diferentes comunidades ribeirinhas da Amazônia. É por isso que nós também avaliamos o risco, não cancerígeno, desses indivíduos desenvolverem algum efeito tóxico”, afirma Gabriel Neves Cezarette, responsável pelo estudo.

Segundo o pesquisador, o estudo utilizou diversos parâmetros na quantificação dos riscos à exposição desses agentes intoxicantes. No caso da concentração de praguicidas na água, usaram a dose de referência (limite aceitável para o consumo humano) do guia da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e também o índice da massa corporal de um humano adulto. Apesar de não terem identificado riscos das concentrações de praguicidas para o consumo de água pela população local, Cezarette lembra que os testes não levaram em consideração grupos de risco como as crianças, os idosos e as gestantes, por exemplo. Essa população não foi avaliada e pode estar sujeita a possíveis efeitos adversos quando expostos aos mesmos compostos químicos.

Foto: Arquivo pessoal

Gabriel Neves Cezarette – Foto: Arquivo pessoal

Para além da ingestão direta da água, outras formas de consumo podem aumentar esse risco. “É importante ressaltar que neste caso nós avaliamos somente uma fonte de exposição. Os indivíduos provavelmente também estão expostos a esses mesmos pesticidas através de outras fontes como a alimentação”, lembra o pesquisador.

Uso amplo e controverso de agrotóxicos

Para controlar, prevenir ou exterminar pragas da agricultura, os praguicidas são amplamente utilizados em lavouras em todo o mundo. No Brasil, 719,5 mil toneladas de venenos contra pestes foram utilizados em 2021, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o que coloca o País como líder no uso de agrotóxicos.

O excesso de praguicidas, também conhecidos como agrotóxicos, pode resultar em perda de biodiversidade, aumento da resistência de pragas-alvo e danos à saúde humana. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2023, a agricultura da região Norte tem como principais produtos a soja e o milho. Embora os pesticidas utilizados nessas plantações sejam aplicados no solo, eles podem ser transportados por longas distâncias através de fenômenos que ocorrem durante o ciclo ambiental, como a evaporação dos compostos, escoamento para águas superficiais de rios e lagos, ou infiltração no solo, atingindo aquíferos. 

Além disso, os diversos rios da região amazônica são fundamentais no transporte do escoamento agrícola, incluindo resíduos de pesticidas. Como mostra a pesquisa, eles estão se tornando depósitos dessas substâncias que se acumulam e podem gerar reações adversas em conjunto tanto para o meio ambiente quanto para a população.

Com a falta de dados sobre essas substâncias na Floresta Amazônica brasileira, pesquisadores da FCFRP coletaram amostras de águas de dois rios da região, o Rio Tapajós e o Rio Amazonas. Ao todo foram 27 pontos de coleta próximos à cidade de Santarém, no Pará, em uma área de proteção ambiental em que o uso de praguicidas em plantações está proibido.  As águas, com origem em outros rios, podem carregar essas substâncias por longas distâncias, avalia a professora Marília Cristina Oliveira Souza, umas das orientadoras do estudo, sobre a contaminação dos rios estudados.

Foto: Arquivo pessoal

Marília Cristina Oliveira Souza – Foto: Arquivo pessoal

“O uso de pesticidas é frequentemente controverso porque, apesar da sua capacidade de melhorar a produção de alimentos, a maioria desses compostos são resistentes à degradação e podem bioacumular no ambiente e biomagnificar [aumentar sua concentração] na cadeia alimentar”, afirma a professora Marília.

Na pesquisa, 21 pesticidas de uso comum pelos produtores brasileiros foram analisados, incluindo herbicidas, produtos destinados ao controle de plantas indesejadas, como a trazina e 24D, e cinco classes diferentes de inseticidas, das quais fazem parte organofosforados, carbamatos, piretroides, neonicotinoides e fipronil.

Quanto ao fipronil, um dos pesticidas mais detectados no estudo – e que está banido em toda a União Europeia e em outros países pela alta toxicidade -, Gabriel Cezarette lembra que os impactos não são apenas ambientais, mas também econômicos. O interesse de exportar um produto que foi tratado com “fipronil ou qualquer outro pesticida de uso proibido no exterior pode ter a exportação vetada”.

Foto: Cedida pelos pesquisadores

Bioinsumos x pesticidas

Em dezembro de 2024, o Governo Federal sancionou a Lei 15.070 que dispõe sobre a produção, a importação, a exportação, o registro, a comercialização, o uso, entre outros aspectos relacionados a bioinsumos. Ao destacar a importância da legislação para o desenvolvimento sustentável brasileiro, Cezarette alerta para o fato da origem natural não isentar os bioinsumos de apresentar algum efeito tóxico. Ao contrário, é também “necessário monitorá-los tanto na produção quanto posteriormente, no ambiente”.

O pesquisador informa que, diferentemente dos pesticidas sintéticos, os bioinsumos são produtos e tecnologias de origem biológica utilizados na agricultura para melhorar a produtividade e a sustentabilidade. Incluem, por exemplo, microrganismos, extratos vegetais, biofertilizantes, biodefensivos e bioestimulantes, que atuam tanto no controle de pragas e doenças quanto na nutrição do solo e melhoria do desenvolvimento das plantas.

Apesar das ressalvas, tanto Cezarette quanto a professora Marília concordam que os bioinsumos são alternativas mais sustentáveis para as lavouras. “O Brasil pode ser um dos maiores produtores agrícolas do mundo e tem grande potencial para liderar a adoção de bioinsumos, reduzindo os impactos ambientais e aumentando a competitividade global”, diz a professora.

Os resultados deste estudo integram a pesquisa de doutorado de Gabriel Neves Cezarette, que trabalha sob orientação do professor Fernando Barbosa Júnior e da equipe de pesquisadores orientados pela professora Marília Cristina Oliveira Souza, ambos da FCFRP.

O artigo Levels and health risk assessment of twenty-one current-use pesticides in urban and riverside waters of the Brazilian Amazon Basin está disponível neste link.

Mais informações: mcosouza@usp.br, com a professora Marília Cristina Oliveira Souza

*Estagiária sob supervisão de Rita Stella


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