No Sistema Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça cerca de 5 mil crianças e adolescentes estão à espera para serem adotados no Brasil. Surpreendentemente, existem mais de 35 mil pretendentes à adoção, o que significa que para cada criança que espera ser adotada há quase sete famílias desejando adotar. No entanto, o trâmite e a burocracia no processo de adoção no Brasil são complicados e demorados.
Todo o processo pode durar cerca de um ano para ser concluído, isso quando o perfil do adotante se encaixa na verificação disponível das diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA. Quando há problemas no decorrer do processo de adoção, o tempo médio fica em torno de três anos e meio, segundo o portal jusbrasil.com.br.
Para a especialista em Direito Civil Marta Maffeis, professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, a complexidade do sistema frequentemente causa frustração entre os pretendentes à adoção. Por isso, ela gosta de citar o Sistema Nacional de Adoção, todo o conjunto de normas e procedimentos que orientam o processo.
Ela destaca que todas as partes burocráticas que regem o Sistema Nacional de Adoção foram criadas pela legislação do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como as diretrizes pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ.
A professora ainda ressalta a importância de compreender todo o processo de adoção, desde a solicitação de interesse até as visitas realizadas para familiarizar a criança com a família adotiva. “O processo começa no Fórum, na Vara da Infância e Juventude, onde o adotante deve levar documentos pessoais e realizar o cadastro, com qualificações, dados pessoais e o perfil da criança ou do adolescente desejado”, comenta Marta.
Ela continua afirmando que, após análise pelo cartório, o documento é encaminhado ao Ministério Público, onde se inicia a avaliação por uma equipe interdisciplinar composta de psicólogos e assistentes sociais. “Essa equipe realiza entrevistas e avaliações para entender as motivações dos candidatos à adoção.”
Segundo a professora, aqueles considerados habilitados são obrigados, pelo ECA, a participar de um programa de preparação para adoção, no qual o objetivo é fornecer um conhecimento efetivo sobre adoção, corrigindo ideias muitas vezes incompatíveis com a realidade.
“Depois que o casal está habilitado, inicia-se uma aproximação lenta com a criança ou adolescente, pois muitas vezes eles nunca se viram antes. Então não se pode simplesmente adotar, pegar a criança e levar ela para casa, não é simples; é um processo que requer cuidado e tempo”, enfatiza a professora.
Mas, apesar da demora, para Marta a burocracia por trás do processo desempenha um papel crucial, não apenas garantindo a proteção da criança ou adolescente, mas também evitando arrependimentos futuros.
“A adoção cria um vínculo eterno entre pais e filhos, e é necessário ter uma visão realista da situação. Já houve casos de pessoas que adotaram e depois se mostraram muito arrependidas e devolveram a criança para o sistema de adoção. Então é um ato bastante importante e que tem que ser feito com bastante cautela, e dentro do que a lei exige”, exemplifica Marta.
Para a mãe solo, Maria Aguilar, a adoção não foi um processo simples, mas a maternidade fez toda a demora valer a pena. Ela explica que conheceu Fernanda quando ela tinha 2 anos e que na época passava por uma situação delicada, porque, apesar de sempre sonhar em ser mãe, não podia engravidar.
“Entrei na fila de adoção, mas o processo não era tão simples. Como eu tinha previsto, tive que fazer um cadastro no Fórum de Ribeirão Preto através do ECA, seguido de uma série de entrevistas e palestras. No início também não podia levar a Fernanda para passear e muito menos para minha casa, então a visitava todos os finais de semana”, relata Maria.
Contudo, para Maria, todo o esforço valeu a pena quando Fernanda começou a confiar nela para acompanhá-la em passeios por Ribeirão Preto, como no Curupira, ou para ir tomar sorvetes de casquinha. “O momento mais tocante foi quando Fernanda, pela primeira vez, me chamou de mamãe. E agora, com 5 anos, Fernanda é o girassol mais bonito de meu jardim”, conta Maria.
A professora Marta também ressalta que todo processo de adoção é gratuito e que qualquer pessoa pode adotar, independentemente do seu estado civil, “a única questão imposta pela lei é que haja uma diferença de 16 anos entre a pessoa que vai adotar e aquela que será adotada”.
Outras demoras
Marta Maffeis destaca que a demora no processo de adoção muitas vezes é agravada pela seleção criteriosa feita pelos pretendentes. “Às vezes, as pessoas escolhem no cadastro o tipo de criança que desejam. Elas podem especificar que não querem crianças com nenhuma doença, como o vírus HIV, e também fazem escolhas relacionadas à cor da pele, tipo de cabelo, sexo e idade. Isso pode dificultar a busca por uma criança que atenda ao perfil desejado”, explica a professora.
Ela ressalta que a preferência por bebês é predominante. São 36.437 pessoas interessadas em adotar uma criança, mas 83% das crianças têm acima de 10 anos e apenas 2,7% dos pretendentes aceitam adotar acima dessa faixa etária, segundo cálculos do Conselho Nacional de Justiça. “É um fenômeno que ocorre com frequência e contribui para a demora no processo, já que a oferta de bebês disponíveis para adoção é menor em comparação com crianças mais velhas”, acrescenta Maffeis.
Ademais, o cenário de lentidão e burocracia acaba levando ao envelhecimento das crianças nos abrigos e dificultando a concretização dos procedimentos adotivos, pois quanto maior a idade, menor é a chance de adoção.
A situação é complexa, e o Poder Judiciário do Estado de São Paulo tem algumas propostas no Congresso para melhorar e acelerar o processo de adoção, como, por exemplo, uma cláusula que estipula o prazo máximo de um ano para a conclusão do procedimento de adoção, depois de iniciado o estágio de convivência. Outro projeto aguardando análise define punições aos adotantes que desistem da guarda para fins de adoção ou devolvem a criança ou o adolescente depois do trânsito em julgado da sentença de adoção.
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