Teatro da USP estreia peça que revisita clássico de Álvares de Azevedo

A peça “MACÁRIO do brazil” revisita sua única obra pensada para teatro. A trama relata um encontro entre Satã e um estudante, a partir do texto dramatúrgico do autor de “Noite na Taverna”

 01/08/2024 - Publicado há 7 meses     Atualizado: 20/08/2024 às 15:27
Por

Dirigido por Carlos Canhameiro, o espetáculo MACÁRIO do brazil faz uma releitura de Macário, único texto dramatúrgico de Álvares de Azevedo (1831-1852), expoente do Ultrarromantismo no Brasil. Contemplado pela 18ª Edição do Prêmio Zé Renato da Secretaria Municipal de Cultura, o trabalho estreia em 2 de agosto, sexta-feira, na sala Maria Antônia do Teatro da USP (Tusp). A temporada gratuita segue até 1º de setembro de 2024, em sessões de quintas a sábados, 20h, e domingos às 18h.

Às sextas-feiras, a peça ganha um formato diferenciado, com a inserção de palestras de pesquisadores e artistas entre sua primeira parte e o final. Nos dias 9, 16, 23 e 30 de agosto, Janaina Leite, Andréa Sirihal Werkema, Ave Terrena e Welington Andrade apresentam falas de 30 minutos sobre literatura, teatro e contemporaneidades da cena brasileira.

A ideia da montagem é colocar em cena a força jovem do texto século 19 com os dilemas da juventude e da teatralidade contemporâneas. Sua trama se divide em dois episódios: no primeiro, o jovem estudante Macário chega em uma taverna para passar a noite e começa a conversar com um estranho sobre as várias concepções de amor e da poesia. Ele descobre que seu interlocutor é Satã, e com ele parte para a cidade de São Paulo. Depois, a narrativa segue para outro ambiente, na Itália. O protagonista deseja morrer e encontra seu apaixonado amigo Pensaroso (que nesta versão será Pensarosa), com quem trava diálogos sobre o amor, a filosofia e a literatura. Macário é por fim levado pelo Satã para uma orgia em uma taverna – no que o crítico literário Antonio Candido identificou um prenúncio da Noite na Taverna (1855), obra mais famosa de Álvares de Azevedo.

Foto: Ligia Jardim

A peça revisita um clássico – obra inacabada, única do autor pensada para teatro, e publicada postumamente, em 1855 – de um escritor que morreu com apenas 20 anos. Seus textos, poesias e dramaturgias, escritos na juventude, foram publicados apenas depois de sua morte. Ter 20 anos é ser ainda muito jovem. Em MACÁRIO do brazil, para dar corpo e voz à juventude do autor e do próprio Macário, 20 atores e atrizes com idade de 20 anos foram selecionados para participar da montagem, com a formação do Coro dos Vinte Anos. São em sua maioria estudantes de teatro das diferentes escolas, cursos técnicos e universidades da cidade de São Paulo e região.

Além deles, figuram no elenco Alitta (ex Blackyva), primeira atriz travesti preta indicada ao Prêmio Shell por sua performance em Chega de Saudade; Danielli Mendes, artista da dança; José Roberto Jardim, que recentemente concorreu ao Prêmio APCA pela direção da peça PAWANA; e Nilcéia Vicente, cantora e atriz fundadora do Grupo 59 de Teatro, totalizando em cena quase 30 artistas – número bastante significativo para produções teatrais independentes.

Assim como aconteceu no trabalho anterior de Canhameiro, xs CULPADXS, que teve sua estreia no Tusp Butantã, a música tem bastante importância em MACÁRIO do brazil. A criação musical tem a participação dos cantores Paula Mirhan e Yantó, e do Quarteto À Deriva, formado por Beto Sporleder (saxofone e flautas), Daniel Muller (piano, acordeão e sintetizadores), Guilherme Marques (bateria e percussão) e Rui Barossi (baixo acústico, cordas em geral e tuba), que toca brasilidades que vão desde o sertanejo da dupla Cascatinha & Inhana ao pop americanizado de Pepê e Neném. Instalados no cenário a 1,5m de altura do palco, músicos e cantores trazem à cena uma sonoridade brasileira contemporânea e instrumental com muita música, canto, dança e, claro, teatro.

Em vez de debater com o passado, a encenação prefere justamente colocar o texto de Álvares de Azevedo em diálogo com manifestações estéticas contemporâneas. “Não se trata de nova roupagem para um texto do séc. 19 e sim o que pode o teatro contemporâneo fazer com esse texto. O tempo não é uma medida estável como gostaríamos que fosse. Por isso quis em cena diferentes referências temporais desde a morte do autor até hoje”, pontua o encenador.

Para viabilizar isso, o figurino assinado por Anuro e Cacau Francisco e o cenário, criação de José Valdir Albuquerque, trazem a mesma ousadia fragmentária da peça. No primeiro episódio, o público encontra um quarto de hotel muito bem definido. Depois, a cama se transforma em uma piscina, na qual o elenco permanece dentro. Já a banda fica em uma estrutura mais alta, próxima da cabeceira. “Pensei em criar uma experiência cênica coletiva e poderosa. São 30 pessoas em cena e uma equipe externa de mesmo tamanho. Cenário, figurino, luz, música, vídeo, tudo para potencializar ao máximo a teatralidade e a juventude de Álvares de Azevedo”, diz Canhameiro.

O projeto quer colocar Macário em cena, mas quer ir além de resgatar um texto do séc. 19 de um autor extremamente jovem e de verve anárquico-romântica. “Há algo na forma, na matéria dramatúrgica de Macário, que pode ser melhor compreendida ou melhor elaborada em cena hoje, no 21. A aposta deste projeto é colocar no palco o texto de Álvares de Azevedo em diálogo com  manifestações estéticas contemporâneas, juntando o jazz livre e a MPB, o pós-dramático e o musical, o teatro-documentário e a dança. Em uma certa ousadia de ressignificar o passado, MACÁRIO é, possivelmente, a primeira obra pós-dramática brasileira”, afirma Canhameiro. “Não há em MACÁRIO personagens bem elaborados, narrativa progressiva, drama em forma bem apurada. O que poderia ser apontado como defeito, é virtude”, conclui.

O diretor Carlos Canhameiro é um artista múltiplo – ator, diretor, dramaturgo e escritor que trafega por diversas linguagens com desenvoltura. É integrante da Cia. LCT e da Cia. De Feitos, além de participar como artista convidado em diversos coletivos. Tem livros de poesia, dramaturgia, infantis publicados pela Editora Mireveja, 7Letras e Lamparina Luminosa. Como diretor e dramaturgo, soma mais de 20 anos de criações em São Paulo, com mais de 30 peças no currículo. Em 2023 venceu o Prêmio Shell 2023 de Melhor Dramaturgia com xs CULPADXS e o Prêmio APCA de Melhor Espetáculo Infantil com a peça A Grande Questão.

MACÁRIO do brazil | 2 de agosto a 1º de setembro de 2024, de quinta a sábado, às 20h, e, aos domingos, às 18h
TUSP – Rua Maria Antônia, 294 – V. Buarque | Ingressos gratuitos, 1h antes de cada sessão | 95 min. | 14 anos


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.