A fascinante jornada musical de Bach: tecendo harmonias

Por Sérgio Carvalho, pianista do Coral da USP

 Publicado: 13/06/2024
Sérgio Carvalho – Foto: Arquivo pessoal

 

 

Continuamos a descrição dos principais tipos de obras para órgão de Bach inspiradas nos corais luteranos, os prelúdios-corais.

Segundo período: Weimar (1708-1717).

Encontramos aí os seguintes modos de arranjo coral (Choralbearbeitungen):

a) Harmonização coral com interlúdios.

A melodia coral geralmente é harmonizada em quatro vozes, ou seja, é colocada no soprano e apoiada pelas outras vozes, contralto, tenor e baixo, sendo assim utilizada no canto da congregação. Nesta forma de arranjo coral para órgão, cada linha da harmonização do coral é separada por interlúdios, breves passagens de escalas rápidas e arpejos, que ligam as diversas frases e preparam as modulações de tom. Podemos citar como exemplo Herr Jesu Christ, dich zu uns wend BWV 726 (Senhor Jesus Cristo, inclina-te a nós).

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b) Fughetta coral: o tema do coral é exposto com imitações, ou respostas nas outras vozes, em intervalos de quartas e quintas, como na fuga, mas sem apresentar os divertimenti, que são passagens que ligam as exposições do tema. A forma fughetta foi muito usada por Bach para os temas de Advento e Natal, como, por exemplo, Herr Christ, der einig Gottes Sohn BWV 698 (Senhor Cristo, o único filho de Deus). Podemos encontrar também a Fuga completa, como o extenso Chorale Fuga sopra il Magnificat BWV 733.

c) Coral cantus firmus: podemos identificar cincos modalidades.

1) Moteto coral: o coral é apresentado em notas longas de cantus firmus. Cada linha coral é preparada por  imitações em notas mais curtas – um fugato – inclusive usando como tema a linha coral seguinte. Como exemplo de Moteto coral podemos citar Vom Himmel hoch BWV 700 (Dos altos céus).

2) Paráfrase coral: o contratema, ou melodia que acompanha o tema, parafraseia o cantus firmus, produzindo grande coesão estrutural à peça. Como exemplo, Nun freut euch, lieben Christen g’mein BWV 734 (Alegrai-vos agora, amada comunidade cristã).

3) Ornamentação coral: a melodia coral é intercalada por notas vizinhas, tocadas rapidamente, chamadas de ornamentos, como trilos, mordentes, grupetos; como exemplo, Wir glauben all’ an einen Gott BWV 740 (Todos nós cremos num só Deus), peça particularmente difícil tecnicamente pois apresenta duas vozes na pedaleira, exigindo movimentos independentes dos pés.

4) Bicinium coral: como o nome indica, é uma peça escrita a duas vozes, em que comumente o cantus firmus encontra-se na voz superior, sendo acompanhado pela voz inferior em figurações rápidas, como por exemplo, Allein Gott in der Höh sei Ehr BWV 711 (Apenas a Deus seja dada toda a Glória).

5) Melodia Coral: o cantus firmus é apresentado sem ornamentações, podendo aparecer em qualquer das vozes. Como exemplo, o belíssimo Erbarm dich mein, o Herre Gott BWV 721 (Apieda-te de mim, ó Senhor Deus), em que a melodia coral, colocada no soprano, é acompanhada por acordes de harmonia densa.

Como ápice da produção para órgão de Bach em Weimar, temos os 45 prelúdios corais que compõem Das Orgelbüchlein BWV 599-644 (Pequeno Livro de Órgão). Esta obra utiliza principalmente a ornamentação coral (modalidade citada em c3), mas também outras maneiras de emoldurar o coral, como o cânone, que detalharemos no próximo artigo. Provavelmente escrito por Bach para seu filho mais velho, Wilhem Friedmann Bach (1710-1784), Das Orgelbüchlein é muito importante na literatura de órgão, pois além de mostrar várias possibilidades de tratamento contrapontístico da melodia coral, abarca também as principais figuras de movimentação da pedaleira. Para citar o prefácio escrito pelo próprio autor:

Pequeno Livro de Órgão, no qual o estudante de órgão é instruído sobre como desenvolver de diversas maneiras um coral e, ao mesmo tempo, adquirir experiência no uso do pedal, o qual, em cada um desses corais, é tratado como inteiramente obbligato.

Para a Glória de Deus nas Alturas e a instrução dos concidadãos por Johann Sebastian Bach, pro tempore regente de Sua Alteza, o Príncipe de Anhalt-Cöthen.

No próximo artigo relacionaremos algumas peças de Das Orgelbüchlein, para em seguida abordar os dois últimos períodos criativos de Bach, de Köthen e de Leipzig.

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