Foi como um fio d’água que se transforma em um rio caudaloso e se espraia pelas várzeas, regando plantas aparentemente adormecidas. Assim nasceu a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, documento surgido na Faculdade de Direito da USP, já em circulação, mas que será lançada oficialmente no próximo dia 11 de agosto, data tradicional de comemoração do Dia do Advogado, com, até agora, três mil assinaturas de apoio de juristas, empresários, artistas e de demais representantes da sociedade civil. Nesta terça, 26, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Josué Gomes da Silva, anunciou o apoio da entidade à inciativa.
“Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições”, diz a carta atual no início de seu parágrafo final. E continua: “Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições. Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado de Direito Sempre!” (leia a íntegra da nova carta aqui).
Por que a referência inicial neste texto ao fio d’água que se transforma em rio caudaloso? Segundo o professor Floriano de Azevedo Marques Neto, ex-diretor da Faculdade de Direito da USP, ele e Celso Fernandes Campilongo, atual diretor, foram procurados por antigos mestres da escola que lhes fizeram a pergunta:
Por que não revivemos a Carta aos Brasileiros?, um manifesto a favor da liberdade naqueles tempos de ditadura, lida em concorrida manifestação na frente da faculdade em 1977, pelo professor Goffredo da Silva Telles Jr., um dos então luminares das Arcadas paulistas – ato que colaborou para o fortalecimento da organização da oposição ao então regime ditatorial, cujo presidente, na época, era o general Ernesto Geisel. O governo militar terminou apenas oito anos depois, no governo do general João Batista Figueiredo que, ungido por Geisel, o sucedeu.
Dizia um dos trechos da carta de Silva Telles: “Proclamamos que o Estado legítimo é o Estado de Direito, e que o Estado de Direito é o Estado Constitucional. O Estado de Direito é o Estado que se submete ao princípio de que Governos e governantes devem obediência à Constituição. Bem simples é este princípio, mas luminoso, porque se ergue, como barreira providencial, contra o arbítrio de vetustos e renitentes absolutismos. A ele as instituições políticas das Nações somente chegaram após um longo e acidentado percurso na História da Civilização. Sem exagero, pode-se dizer que a consagração desse princípio representa uma das mais altas conquistas da cultura, na área da Política e da Ciência do Estado” (leia a íntegra da carta de 1977 aqui).
O fato é que, a partir da proposição inicial dos antigos professores das Arcadas, a ideia evoluiu para um documento, novo e atualizado, que, ao longo de sua preparação, ganhou uma caudalosa adesão de setores da cidade civil, incluindo importantes empresários, banqueiros e artistas.
A circulação pública da carta, anterior à sua leitura oficial, que será em 11 de agosto próximo, ocorreu dias após o recente discurso, em Brasília, do presidente Bolsonaro para dezenas de embaixadores e representantes deles. O discurso foi repleto de críticas negativas e desabonadoras ao funcionamento do sistema eleitoral brasileiro, cujas urnas eletrônicas serão os receptáculos dos votos na eleição presidencial, em outubro próximo. Entidades de todos o País, incluindo oficiais como a Polícia Federal e subprocuradores da República, e países como os Estados Unidos protagonizaram um forte coro de discórdia e contestação às opiniões sem provas apresentadas pelo presidente da República, manifestando confiança no processo eleitoral brasileiro.