Lei marcial decretada por Vladimir Putin legaliza o saque de obras de arte na Ucrânia

O professor Martin Grossmann fala sobre o esvaziamento que vem acontecendo há meses nos museus dos territórios ucranianos ilegalmente anexados pela Rússia

 14/12/2022 - Publicado há 2 anos
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Há um desejo da Rússia de ser mais europeia, o que a levaria querer se apropriar de obras de arte Foto: Kremlin via Fotos Públicas
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Em 19 de outubro, o presidente Vladimir Putin decretou uma lei marcial que atinge as quatro regiões que foram “anexadas” pela Rússia durante a atual guerra: Kherson, Zaporizhzhia, Donetsk e Luhansk. Entre outras coisas, essa lei dá direito ao saque de obras de arte, objetos culturais e artefatos históricos da Ucrânia, usando da premissa de que isso estaria protegendo as obras.

Isso, porém, começou muito antes do decreto. Desde maio, os museus de Kherson, conquistada em 2 de março, estão sendo saqueados ou esvaziados de suas coleções preventivamente. Alegadamente, foram levados cerca de 15,000 objetos do Shovkunenko Regional Art Museum (Museu de Arte de Kherson) e monumentos históricos ucranianos da época soviética estão sendo desmantelados. Até os restos mortais mumificados do príncipe Grigory Potemkin, amante da Catarina, a Grande, foi exumado da Catedral de St. Catarina e levado a um local desconhecido. 

Martin Grossmann – Foto: Arquivo pessoal

As obras foram localizadas no Museu Central de Táurida, em Simferopol, na Criméia. O próprio diretor do museu, Andrei Malgin, confirmou que as obras estão lá por motivos de segurança até serem retornadas a seus devidos proprietários. Outros museus nessa região também foram saqueados. No dia 3 de novembro, a polícia de Kherson abriu uma investigação contra esses saques, alegando crime de guerra.

Uma questão histórica

Algo semelhante aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, quando o Partido Nazista, sob o comando de Hitler, praticou aquilo que ficaria conhecido como “pilhagem nazista”, na qual, além do roubo, houve também a destruição de muitos artefatos. 

Segundo Martin Grossmann, professor titular da Escola de Comunicações e Artes e colunista do Jornal da USP, essas ações – tanto de Hitler como de Putin – têm a ver com o colecionismo de arte e a onda totalitária que assola alguns países atualmente: “A questão da gente analisar essa relação entre colecionismo e guerra se dá muito nesse âmbito de que você tem um objeto que é cobiçado. É um objeto que pertence a alguém, então tem esse fetiche da posse, da coleção. Quando você entra em guerra, você quer possuir o outro.”

Não se trata apenas de um ganho material e monetário, mas caracteriza uma vitória acima dos bens simbólicos de uma nação. Para Putin, isso vai mais longe. De acordo com Grossmann, há um desejo da Rússia de ser mais europeia, o que a levaria a querer se apropriar dessas obras de arte. “Essa relação é mesmo conflituosa. É uma admiração, é uma incorporação. Então, você quer também ser o outro, você quer buscar no outro essa inspiração e, obviamente, ter um ganho com isso. Você acrescenta a esse teu poder histórico valores outros que vem dessas outras culturas”, diz o professor. 

Crimes de guerra

O ministro da Cultura ucraniano pediu ajuda à Unesco para que os saques parassem e alegou crime e violação de leis internacionais de guerra. Desde 2017, a Resolução 2347 da Unesco condena a destruição de artefatos históricos, heranças culturais e espaços religiosos por grupos terroristas, com possibilidade de configurar crime de guerra. A própria diretora-geral da organização chegou a usar a expressão “genocídio cultural”, que é quando há uma “aniquilação da cultura e tudo o que ela representa”. 

O que aconteceu com os países europeus durante a Segunda Guerra Mundial, com o Iraque, o Irã e muitos outros, e o que está acontecendo com a Ucrânia agora pode ser explicado nesses termos. Não é simples explicar quais são as motivações para o roubo de arte durante períodos de guerra. Em termos simbólicos, as obras e artefatos caracterizam um povo, representando sua cultura e sua história. Roubá-los, portanto, pode  descaracterizar os moradores e enfraquecer a moral de um país.


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