A Cracolândia surgiu a partir da década de 1990. Alguns pesquisadores acreditam que dois motivos coincidentes permitiram a formação da Cracolândia: o antigo Terminal Rodoviário da Luz já era um ponto de venda de drogas tradicional da cidade, um comércio acobertado por policiais civis locais, de modo que havia alta oferta dos produtos. O crescimento da região deu-se por chacinas nas periferias de São Paulo, que forçaram os consumidores, chamados de “noias”, a se exilar no centro, um ponto seguro. A região não é localizada em apenas uma rua da capital. Ela se localiza nas imediações das Avenidas Duque de Caxias, Ipiranga, Rio Branco, Casper Líbero, Rua Mauá, Estação Júlio Prestes, Alameda Dino Bueno e da Praça Princesa Isabel, áreas onde historicamente se desenvolveu intenso tráfico de drogas e prostituição.
Sobre esse assunto, o professor associado de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC, Arthur Guerra, especialista no tema álcool e drogas, discorre sobre a região e conta histórias de sua vivência lá. “Qual o problema crônico da Cracolândia? Por que as ações de saúde no local nunca deram certo? A região do centro de São Paulo, assim chamada Cracolândia, existe há mais de 40 anos, sempre com uma dificuldade muito grande em termos de ações… Porque é um ambiente muito complexo”, explica.
“Então, nós temos problemas de saúde, problemas de segurança, uso de drogas, temos um problema ligado à habitação, o pessoal que não tem onde morar, temos problemas ligados à cultura, ao urbanismo, tem pessoas que moram lá, tem os sem-teto, problemas ligados à educação, têm crianças que precisam de programas de prevenção, têm situações ligadas a direitos humanos, obviamente, à justiça, porque se discute se pode ser feita internação contra a vontade ou não. Então, é um problema multifacetado”, acrescenta Guerra.
Políticas públicas ineficazes?
Segundo os especialistas, um dos principais problemas na manutenção da Cracolândia é a falta de políticas públicas contínuas. Arthur Guerra comenta a ineficácia dos governantes e critica o egoísmo daqueles que não dão a devida atenção à região. “Muitas vezes, na função de coordenador, eu chegava para um usuário da Cracolândia e oferecia para ele ir para um hospital, para um atendimento melhor, especialmente nos dias frios. E eu recebia respostas elegantes, educadas. ‘Doutor, você me desculpe, eu não quero ir para o hospital.’ ‘Meu amigo, você está sofrendo aqui’. ‘Eu estou sofrendo aqui, mas o hospital não vai ser o meu ambiente.'” “É difícil, é uma situação complexa”, adiciona.
O pesquisador ainda conclui exemplificando maneiras de combater o problema social e de saúde da Cracolândia. “Então, cada novo prefeito que chega quer colocar uma digital sua lá. Por fim, eu acho que o problema da região está ligado não só a políticas municipais, estaduais ou federais, mas está ligado também à responsabilidade de cada um, como cada um pode auxiliar nessa situação, como a gente pode ter programas de prevenção via educação, basicamente via informação, para que não tenha novos usuários ou uma população crescente na região central de São Paulo”, desenvolve.
Abordagem sociológica do problema
Com problemas não apenas de saúde pública, mas também sociais, é necessário outra visão sobre maneiras de lidar com a Cracolândia. A esse respeito, Marcos César Alvarez, sociólogo professor Livre Docente no Departamento de Sociologia da USP, apresenta a sociologia da violência como maneira de estudo para melhorar as políticas públicas da região do centro de São Paulo. “A sociologia da violência como uma área de pesquisa, uma área científica, o que ela vai é fornecer elementos para a gente poder dirigir as políticas públicas. A primeira ideia é que não teríamos como solucionar isso sem integrar políticas de saúde, políticas sociais, também questões de segurança e tomar também aquela população como sujeito, não uma visão higienista de tirá-los de lá, eu acho que esse é o aprendizado praticamente das últimas décadas”, discorre o especialista.
Assim como o psiquiatra Arthur Guerra, Alvarez também concorda que um dos maiores problemas da região da Cracolândia é a descontinuidade de ações públicas. O professor explica que o Estado precisa se envolver mais com maneiras diferentes de pensar sobre a região, priorizando o bem estar e a saúde de seus moradores. Ele conclui ressaltando a importância de ações de longo prazo: “O Estado vai agir de forma segmentada, o importante seria articular essas diferentes possibilidades e pensar justamente isso, também tem a questão da cidade, da nossa desigualdade, das formas de urbanização”.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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