Casos de estupro só aumentam e refletem a cultura desse tipo de crime no Brasil

Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer acredita ser essencial valorizar a palavra da vítima: “É muito difícil que uma mulher exponha sua intimidade, corpo e privacidade só para aparecer”

 04/12/2020 - Publicado há 4 anos
Por
Logo da Rádio USP

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, 66.041 estupros foram registrados no Brasil em 2018, o maior número já assinalado. Isso dá uma média de 180 estupros por dia. A doutora em Antropologia Social e professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, explica que “o crime de estupro é um daqueles que têm a maior distância entre os casos que efetivamente ocorrem e os casos que chegam a julgamento. A maioria dos casos sequer chega à notificação policial”. 

Casos recentes de julgamento de estupro, como o da Mariana Ferrer, aumentaram a visibilidade do tema. Nesse episódio, a influenciadora digital Mariana Ferrer acusou o empresário André de Camargo Aranha por estupro, que acabou sendo absolvido por falta de provas de que teve intenção de cometer o ato. Para Ana Lúcia, esse caso é um reflexo da cultura do estupro no Brasil: “É um caldo de valores que pauta comportamentos que, no caso de crimes sexuais, faz com que a vítima seja criminalizada tanto ou mais do que o réu”. Também acredita que a resolução do caso de Mariana “desestimula outras mulheres vítimas de estupro a recorrerem judicialmente”.

Mariângela Gama de Magalhães Gomes, professora de Direito Penal da Faculdade de Direito (FD) da USP, acredita que o caso ocorrido com a blogueira é uma “oportunidade de repensar a violência de gênero de maneira ampla”, destacando que o Judiciário brasileiro e a sociedade, muitas vezes, naturalizam o comportamento de agressores que saem impunes. Também pontua que, em muitos crimes de cunho sexual contra mulheres, há uma “tentativa de desvalorização do comportamento da vítima para tentar  justificar o comportamento do agressor”, discutindo-se práticas da vítima como as fotos que ela posta ou o tipo de roupa que ela veste.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre os meses de março e maio de 2020, foram registrados 1.462 estupros de vítimas mulheres apenas no Estado de São Paulo. Ana Lúcia aponta a importância de se valorizar a palavra da vítima: “É muito difícil que uma mulher exponha sua intimidade, corpo e privacidade só para aparecer”. Para ela, a solução primordial para que haja uma diminuição nos casos de violência se dá por meio de uma educação ampla de ensino de direitos humanos e questões de gênero.

Para denunciar um caso de assédio sexual, ligue para o Disque-Mulher (180) ou para a Polícia Militar (190).


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.