Artaxo alertou que o mundo está numa trajetória de aquecimento da ordem de 3 a 4 graus Celsius até o fim deste século — bem acima do limite de segurança de 1,5 a 2 graus Celsius previsto no Acordo de Paris —, e que isso terá consequências gravíssimas para o Brasil. O agronegócio e a matriz energética do País são especialmente vulneráveis, já que dependem intrinsicamente de fatores climáticos para a sua estabilidade.
“A mudança climática não vai afetar Suécia, Noruega, Canadá e Brasil igualmente. Os países tropicais vão ser os mais prejudicados, incluindo nós”, destacou Artaxo. “A saúde humana e a saúde dos ecossistemas vão ser fortemente impactadas. Não há, hoje, qualquer dúvida com relação a essa questão.”
O professor conta que recebeu uma ligação da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, na tarde de domingo, 15 de setembro, convidando-o a participar de uma reunião fechada do conselho político de Lula na manhã do dia seguinte, às 9 horas, no Palácio do Planalto. Estariam presentes o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outros integrantes do núcleo duro do governo.
Artaxo não titubeou: pegou o primeiro voo disponível para Brasília, fez sua apresentação e voltou depois do almoço para São Paulo, com a sensação de missão cumprida. Naquela mesma noite, porém, o telefone tocou de novo. Era a ministra Marina Silva novamente, convidando-o — a pedido de Lula — para voltar a Brasília e repetir sua apresentação na reunião emergencial que o presidente estava convocando para o dia seguinte, com os representantes dos Três Poderes. Assim foi feito.
As imagens da reunião, disponíveis no YouTube (veja o vídeo no final da matéria), lembram uma daquelas cenas clássicas do cinema hollywoodiano, em que autoridades políticas sentadas ao redor de uma grande mesa assistem perplexas a um cientista apresentando gráficos sobre uma catástrofe que está por vir. Do ponto de vista científico, Artaxo não disse nada de novo: mostrou os mesmos dados e argumentos que já apresentou em diversas palestras sobre o assunto nos últimos anos. A diferença é que, dessa vez, a mensagem foi entregue diretamente aos ouvidos e olhos das cabeças mais poderosas do País.
O fato de ele ter sido convocado de volta para a reunião de terça-feira indica que a mensagem que Artaxo entregou ao núcleo do governo no dia anterior surtiu efeito. “Obviamente, a ficha caiu”, avalia ele.
As reuniões foram convocadas em resposta ao agravamento da crise climática no País, que passa por uma sequência calamitosa de enchentes, secas, ondas de calor e queimadas — que podem ter origem criminosa, mas ainda assim são turbinadas pelo tempo seco e quente, que favorece a propagação das chamas. Outro contexto importante é que o Brasil se prepara para hospedar a trigésima Conferência das Partes (COP 30) da Convenção do Clima da ONU, no fim do ano que vem, em Belém (PA), que será ponto de partida para a reformulação das metas do Acordo de Paris.
Lula abriu a reunião de terça-feira reconhecendo que o Brasil não estava “100% preparado” para lidar com a emergência climática. “O que nós estamos percebendo, depois do que aconteceu no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, é que a natureza resolveu mostrar as suas garras. Ela resolveu nos dar uma lição e dizer o seguinte: ou vocês cuidam corretamente de mim ou eu não sou obrigada a suportar tanta irresponsabilidade, tanta coisa errada e equivocada que os seres humanos estão fazendo”, disse o presidente. “Esta reunião aqui é para a gente fazer uma revisão no conceito que cada um tem sobre a questão climática no Brasil. Ela está pior do que em qualquer outro momento.”
Após a reunião, o governo anunciou a liberação de R$ 514 milhões para combate aos incêndios no País e reiterou sua intenção de criar uma Autoridade Climática para coordenar as ações de enfrentamento da crise do clima no Brasil, entre outras medidas.