Uma proposta da Agenda 2030 para a educação e a ciência paulistana

Por Ergon Cugler, pesquisador da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP

 18/03/2021 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 24/03/2021 às 13:01
Ergon Cugler – Foto: Arquivo pessoal
Após meses de discussão pública e mais de 8.600 colaborações diretas da sociedade civil na construção da Agenda 2030 em São Paulo, o plano que organizamos via Comissão Municipal dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), inspirado pela Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), conta com 135 metas municipalizadas e mais de 600 indicadores distribuídos pelas 400 páginas do documento.

Dentre as metas, a proposta de fortalecimento das políticas de permanência estudantil no combate à evasão e de valorização da Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) com bolsas para estudantes e pesquisadores de baixa renda. Sendo tais responsabilidades de fomento à CT&I historicamente federais e estaduais, como, então, o município pode entrar em campo?

Resgate histórico

No centro das reivindicações de longa data do movimento estudantil e de diversos setores da comunidade científica, a pauta do fortalecimento de bolsas esteve historicamente voltada para o fomento de políticas em nível federal (exemplo a Capes e o CNPq) e pela manutenção e qualificação de recursos em nível estadual (exemplo a Fapesp e demais órgãos em respectivas unidades da federação), além da permanência estudantil atrelada às universidades e institutos.

No Estado de São Paulo, por exemplo, o Diretório Central dos Estudantes da Fatec (DCE Fatec) e a União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP) alertam, desde 2014, para o fato do Centro Paula Souza (autarquia mantenedora das Fatecs e Etecs) ser a única instituição sem qualquer política de permanência estudantil, mesmo com uma das maiores taxas de evasão por estudantes de baixa renda no Estado. No entanto, mesmo após pressão pela aprovação de uma lei que prevê um Programa Bolsa Permanência (Lei Estadual 16.919/2018) e previsão orçamentária por três exercícios fiscais consecutivos, tais bolsas ainda não saíram do papel.

Mais recente, com os cortes de bilhões de reais em programas de fomento à ciência no nível federal e a tentativa de confisco de recursos da Fapesp e das universidades públicas no Estado de São Paulo, o tema volta a ganhar destaque na mídia. Não à toa, pois durante a pandemia da covid-19, a comunidade científica esteve lado a lado dos profissionais da saúde na linha de frente para o enfrentamento do coronavírus. Mesmo assim, quando mais a ciência e o País precisavam do financiamento e da valorização, os cortes vieram.

Mesmo nesse contexto de desmonte da CT&I, a Comissão dos ODS de São Paulo aprovou por uma votação apertada dentre suas metas municipalizadas, “até 2030, ampliar substancialmente o número de bolsas de estudo e iniciação científica ofertadas por iniciativas da Prefeitura para estudantes residentes no município matriculados no ensino superior, técnico, tecnólogo e em programas científicos, fomentando a produção científica e tecnológica ao combater, via apoio e auxílio-permanência, a evasão de estudantes de baixa renda”, propondo duas modalidades de bolsas municipais inéditas, uma de auxílio-permanência para estudantes de baixa renda; e outra de iniciação científica para estudantes pesquisadores, também de baixa renda.

Em meio às mobilizações, a aprovação da pauta na Agenda 2030 de São Paulo representa um importante e inicial avanço, pois o plano, inspirado nas metas ONU, passa a orientar a construção do planejamento orçamentário municipal, tal como o Plano Plurianual (PPA), a Lei Orçamentária Anual (LOA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Plano de Metas. Ainda assim, resta o desafio do desenho e regulamentação da proposta. Mas como implementar? Existem experiências viáveis?

Olhar para o futuro

Municípios como Campos dos Goytacazes (RJ), Paudalho (PE), Santa Fé do Sul (SP), Goiatuba (GO) e muitos outros já contam com programas municipais de bolsas de iniciação científica. Inclusive, municípios como Serra (ES) contam com um Fundo Municipal de Apoio à Ciência e à Tecnologia. Outro caso que vale destaque é o da Prefeitura de Canãa dos Carajás (PA), onde o Executivo oferta bolsas municipais com foco em projetos para elaboração de políticas públicas que são utilizadas pela própria Prefeitura – isto é, viabilizando a ciência, a universidade e a educação como aliadas no processo de construção das decisões públicas que impactam na realidade local.

Ainda que no pacto federativo as atividades voltadas para o ensino superior estejam prioritariamente sob responsabilidade da União, tal prioridade não significa exclusividade, mais ainda em um contexto do maior município da América Latina, como São Paulo, este com potencial e capacidade técnica, tecnológica e científica, contando com campi das universidades que mais produzem ciência em todos o País – tal como a USP, Unesp, Unifesp, IFs, 79 campi da Etec e 7 campi da Fatec apenas no município. Não à toa, a Prefeitura de São Paulo já oferta passe livre e meio-passe estudantil para além da rede municipal, promovendo integração por meio de política pública no combate às desigualdades e à evasão escolar nas diversas modalidades e etapas de ensino.

Portanto, não se trata de transferir a responsabilidade federal ou estadual de financiamento da Ciência, Tecnologia & Inovação, mas de somar esforços em nível local pelo fortalecimento de estratégias que possam propiciar inovações científicas e tecnológicas e realmente, além de qualquer frase de efeito, valorizar a educação.

Em resumo, existem experiências diversas em municípios de contextos diferentes na oferta de bolsas municipais tanto para contribuir com a permanência e formação estudantil quanto para o fomento da produção científica. Mais ainda, constituir programa que valorize a ciência pode potencializar a produção científica no município e em seu entorno, além de atrair mentes brilhantes para intercâmbio científico no nível local.

Mesmo que seja um passo inicial e uma adaptação pela inovação de uma pauta histórica, uma vez aprovado pela Comissão e influindo na construção do orçamento municipal, resta o desafio do desenho da política pública – de seu alcance, de suas limitações, de sua proposta de implementação e da efetivação para que saia do papel -, e este precisa ser construído coletivamente em diálogo com a sociedade civil.

Ainda assim, na contramão dos cortes na ciência e de todas as barreiras que as desigualdades socioeconômicas dificultam no acesso e na permanência estudantil, valorizar – literalmente com valor e com recursos empenhados no orçamento – é a resposta que podemos dar para todo o empenho que a ciência e as universidades realizam diariamente. Até porque, sem acesso à educação e CT&I, qual futuro nos restaria enquanto sociedade?


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