


Foi um encontro cercado de expectativas, não só de minha parte, mas de todos que participaram. Enquanto no primeiro encontro − no dia 4 de setembro deste ano − fiz questão de salientar que lá estava na condição de jornalista e repórter, desta vez ousei em me colocar como mediador de uma roda de conversa sobre racismo e educação. E neste encontro contei com as participações de meu colega de redação, o jornalista Roberto C. G. Castro, doutor em Educação e subeditor de Cultura do Jornal da USP; Valdenor dos Santos Silva, mestre de capoeira, mestre em Educação pela FE-USP e doutorando na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP; e Ana Paula Florindo Fernandes, mestre em Educação e doutoranda da FE-USP. O encontro denominado A Educação e os limites do ser humano – Roda de Conversa sobre Culturas Negras, Racismo e Educação Infantil aconteceu graças aos esforços da professora Mônica Teixeira, titular da FE-USP, que por questões de agenda e compromissos previamente assumidos não pôde participar do evento. Mas, claro, fica o agradecimento à docente por nos ter possibilitado algo tão especial.
Lá na creche Estrela Azul, professoras e funcionárias têm a missão de educar/cuidar de cerca de 180 crianças, de zero a quatro anos, todas residentes com seus pais nos arredores da escola. Minha visita, naquele dia 4 de setembro, se deu a partir do convite de uma das educadoras, que conhece parte de meu trabalho. Minha missão seria contar ao grupo sobre algumas de minhas experiências enquanto jornalista, repórter e editor de Diversidade e Inclusão do Jornal da USP. E lá fui… Confesso que, com um pouco de medo. Fui apresentar ao grupo algumas matérias e podcasts que produzi sobre estudos e pesquisas desenvolvidas na USP relacionados às questões de racismo e discriminação, principalmente.
Participei de um momento especial, pois haveria ali, numa das salas da escola, a reunião pedagógica que junta, bimestralmente, todos os funcionários e a diretora da unidade. Colaborei dentro de minhas possibilidades. O que percebi é que a direção da unidade e as educadoras clamam por mais conhecimento, principalmente com relação aos problemas decorrentes da discriminação racial e seus efeitos nocivos. Afinal, como educar e elucidar uma criança, desde a mais tenra idade, que começa a dar os seus primeiros passos, sobre essa “praga” chamada racismo, discriminação, preconceito. Foi quando a diretora, que é uma mulher negra, narrou a experiência de ter sido chamada por uma professora a intervir num episódio em que uma garotinha branca disse que não poderia dividir um brinquedo com sua coleguinha porque ela era preta. Ambas tinham quatro anos!
Desta vez, em nosso encontro na FE-USP, “em território uspiano”, elas não ouviriam mais sobre as minhas experiências, mas foram expostas a conhecimentos que lhes foram transmitidos de maneira simples, mas embasados em teorias consagradas e bem fundamentadas.
Meu colega de redação, Roberto C. G. Castro abordou o tema “A Educação e os limites do ser humano”. Com maestria, abordou que a formação humana preocupa pensadores, filósofos e educadores há milênios. Citando o professor da FE-USP Jean Lauand, falou da Grécia Antiga, especificamente de um conceito expresso na palavra grega areté. Normalmente traduzida como “virtude”, o jornalista explicou que ela é mais do que isso. Ela se refere à possibilidade máxima de algo ou alguém! Da Grécia Antiga, Roberto “viajou” à língua tupi, que conserva, como ele descreveu, um sufixo com o mesmo sentido: etê. O jornalista deu como exemplo a palavra jaguaretê, como sendo o máximo que um felino pode ser.
A partir desta pequena “viagem” da Grécia ao tupi, Roberto Castro construiu uma narrativa em que pôde descrever àquelas professoras o quanto o amor é importante para se construir um ser humano e buscar tirar deste o melhor, o máximo. Entre os olhares curiosos e ávidos por sabedoria, algumas das participantes confirmaram que, sem amor, não conseguiriam construir nada favorável à educação das crianças que fazem parte de seus cotidianos.
Partindo para exemplos que mostram a importância do letramento racial, a educadora Ana Paula Florindo Fernandes destacou a importância de se mostrar aos pequenos todos os aspectos positivos das culturas diversas do continente africano. E, de acordo com manifestações das interessadas professoras, esse caminho já vem sendo trilhado. Eu não fui um mediador, mas sim um privilegiado, tanto ou mais que as professoras, que aprendeu algo mais nessa minha caminhada.
Mestre Valdenor narrou histórias de “um Brasil capoeira”. Empunhando seu inseparável berimbau, embalou cantigas da luta/dança afro-brasileira desenvolvida por aqui por descendentes de escravos africanos. E, por fim, fomos presenteados pelo grupo de professoras. Ao som da música O Canto das Três Raças, de Mauro Duarte De Oliveira e Paulo César Pinheiro, algumas delas, devidamente ensaiadas, nos brindaram com uma apresentação de dança.
Tudo foi marcado pela simplicidade, mas eu tive a garantia de que todas saíram do campus da USP melhores do que chegaram. Havia no ar um sentimento geral de missão cumprida e, de parte delas, muita satisfação e agradecimento. Essas trabalhadoras da educação básica, responsáveis pela educação de crianças, muitas vezes desprovidas das melhores condições de vida, nos mostraram o quão difícil é educar em condições nem tão favoráveis. Mas mostraram também o quanto é prazeroso! Enfim, foi mais um aprendizado para todos!
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