Suicídio e a verdade levada juntamente com quem se matou

Karina Okajima Fukumitsu é pós-doutora pelo Instituto de Psicologia da USP e psicoterapeuta

 04/05/2018 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 18/09/2018 às 15:33
Karina Okajima Fukumitsu – Foto: Arquivo pessoal

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A impressão que eu tenho é que muita gente reduz a ele [pai que se matou] à forma como ele morreu, sabe?” (Fala de uma das depoentes da pesquisa de pós-doutorado Cuidados e Intervenções para Sobreviventes Enlutados por Suicídios, 2017).

O que se pretende neste ensaio é promover reflexões acerca do suicídio, pelo qual matador e vítima são a mesma pessoa. Sendo assim, o suicídio que se pretende compreender é aquele cuja pessoa deseja “matar a dor” e, por isso, em uma tentativa de eliminar o que lhe provoca dor, elimina sua totalidade. Trata-se da autoaniquilação provocada pelo sofrimento psíquico intenso. Ensinamento de Shneidman (1993) aponta que o suicídio revela o psychache, o que, para mim, é compreendido como a expressão e o ponto culminante do sofrimento existencial. Nessa direção, tanto no trabalho da prevenção ao suicídio quanto da posvenção, os focos principais do manejo clínico são o acolhimento ao sofrimento existencial e a busca de sentido.

Existem fatores de risco e sinais de alerta que serão apresentados no presente trabalho, porém como Jamison (2010, p. 183) afirma: “Como o fogo: a relva seca e fortes ventos podem permanecer apenas como possibilidades perigosas, elementos de combustão. Mas, se um raio cai na relva, a chance de o fogo aumentar será rápida: pula de leve para determinada”, ressalto que o fato de o profissional identificar os sinais e fatores de risco não é impedimento para o suicídio daquele que cuida, sobretudo porque prevenir não significa evitar a morte, a única certeza que temos na vida. Porém, como afirmado no livro Suicídio e Luto: Histórias de filhos sobreviventes ((Idem, ibidem, loc. cit.), “prevenção não significa previsão. […] Ao dizer previsão, não se aponta o papel onipotente de ver o futuro, e, sim, ressalta-se o interesse pelo sofrimento da pessoa”.

“Gostaria de estar morto”; “se isso acontecer novamente, prefiro estar morto”; “não sou mais quem eu era”; “logo você não precisará mais se preocupar comigo”; “ninguém mais precisa de mim”; “eu sou mesmo um fracassado e inútil. Tudo seria melhor sem mim” – são alguns dos sinais de alertas verbais que devem receber atenção especial quando emitidos. Além disso, existem sinais de alerta comportamentais diretos e indiretos que também merecem total atenção, tais como: tentativas de suicídio anteriores; transtornos mentais; automutilação; mudanças repentinas de comportamento; ameaça de suicídio ou expressão/verbalização de intenso desejo de morrer; ter um planejamento para o suicídio; sinais observáveis de oscilação do humor; pessimismo; desesperança; desespero; desamparo; ansiedade, dor psíquica, estresse acentuado; problemas associados ao sono (excessivo ou insônia); intensa raiva; desejo de vingança; sensação de estar preso e sem saída; isolamento: família, amigos, eventos sociais; falta de sentido para viver; aumento do uso de álcool e/ou outras drogas; impulsividade e interesse por situações de riscos (Sommers-Flanagan & Sommers-Flanagan, 1995; Popenhagen, Popenhagen & Roxanne, Qualley, 1998; Fukumitsu, 2012; Kovács, 2013).

As definições do suicídio foram construídas, ao longo do tempo, histórica, cultural, econômica, social e cientificamente (Puentes, 2008; Bertolote, 2012; Botega, 2015). O manejo do comportamento suicida depende da definição que se atribui ao suicídio. Concebo o suicídio como “a confirmação concreta da descontinuidade do sentido de vida” (Fukumitsu, 2013, p. 19). Nesse sentido, levanta-se a indagação: Qual seria o lugar para aquele cuja morte não foi consumada e que, por um ato de desespero, desesperança e desamparo, tenta se matar? Seria uma possibilidade para que a pessoa que se matou pudesse se sentir liberta de seu sofrimento? Seria por que a pessoa se tornou cética em relação à sua capacidade de superação? Nunca saberemos.
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O suicídio que se pretende compreender [aqui] é aquele cuja pessoa deseja “matar a dor” e, por isso, em uma tentativa de eliminar o que lhe provoca dor, elimina sua totalidade.

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Sejam quais forem os argumentos que provocaram o suicídio, o ponto a ser destacado é que as pessoas sofrem. Diante do sofrimento humano, nada pode ser explicado, mensurado, comparado, tampouco compreendido por apenas um viés. Cada qual com sua idiossincrasia traz uma história, uma carga genética e uma tarefa existencial de ser quem é. Cada ser humano tem a incumbência de tornar sua história o habitat mais acolhedor de sua morada existencial.

Aprendi, trabalhando como psicoterapeuta há 25 anos, que o entendimento sobre o suicídio deve ser multifatorial e que não devemos ter a pretensão de saber as reais motivações de uma pessoa tirar sua própria vida. Contudo, o mais importante no trabalho de prevenção ao suicídio é a ampliação das formas de acolhimento do sofrimento e do respeito às vulnerabilidades do humano.

Como zelar dessa perturbação provocada pelas mortes por suicídio? Acredito que é possível amenizar a turbulenta perturbação quando falamos a respeito do suicídio, não negando o “tsunami existencial” que nos impacta; quando acolhemos nossas dores; buscamos orientações e informações dos sinais de alerta e, sobretudo, quando oferecemos lugares para que o sofrimento e vulnerabilidades sejam vistos, legitimados e acolhidos.

Prevenir o suicídio se torna, portanto, um ato de desvelo e de ampliação das possibilidades existenciais para que a pessoa possa encontrar “mais vida” e sentido em sua existência a fim de que a morte não seja mais interessante que a própria vida.

Por ser o suicídio um fenômeno multifatorial pelo qual há a exigência de se trabalhar em conjunto, demandando a atenção interdisciplinar de vários profissionais da saúde, devemos manter a interlocução entre eles para que formemos redes de apoio para lidar com as sensações de impotência e do não saber. A rede de apoio, portanto, serve para partilhar com, para chorar e sorrir junto e para se criar compaixão e descobrir o melhor remédio para curar as feridas existenciais. Nesse sentido, o outro não seria o salvador, mas sim aquele que poderia encontrar maneiras para, juntamente com a pessoa em sofrimento, escarafunchar uma saída do seu limbo existencial.

Referências

Bertolote, J.M. O suicídio e sua prevenção. São Paulo: Editora Unesp, 2012.

Botega, N.J. Crise Suicida: Avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015.

Fukumitsu, K. O. Suicídio e Gestalt-terapia. São Paulo, Digital Publish & Print, 2012.

Fukumitsu, K. O. Suicídio e Luto: história de filhos sobreviventes. São Paulo: Digital Publish & Print Editora, 2013.

Fukumitsu, K.O. (2017). Cuidados e Intervenções para Sobreviventes Enlutados por Suicídios. Relatório Final apresentado ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Pós-doutorado em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. [PDF] Cuidados e Intervenções para Sobreviventes Enlutados por Suicídios, 2017.

Jamison, K.R. Quando a noite cai: entendendo a depressão e o suicídio. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Gryphus, 2010.

Kovács, Maria Julia. Revisão Crítica sobre Conflitos Éticos Envolvidos na Situação de Suicídio. Psicologia: Teoria e Prática (Impresso). São Paulo, Faculdade de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, v. 15, n.3, pp. 69-82, set.- dez. 2013.

Popenhagen, Mark, Popenhagen & Roxanne, Michelle Qualley. Adolescent suicide: Detection, Intervention, and Prevention. Professional School Counseling, Birmingham, v. 1, n. 4, pp. 30-36, jul. 1998.

Puentes, F.R. (Org.). Os filósofos e o suicídio. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

Shneidman, E. Suicide as Psychache: a clinical approach to self-destructive behavior. New Jersey: Jason Aronson, 1993.

Sommers-Flanagan, John & Sommers-Flanagan, Rita Sommers-Flanagan. Intake Interviewing with Suicidal Patients: A Systematic Approach. Professional Psychology: Research and Practice, v. 26, n.1, pp. 41-47, 1995.

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